Recentemente, durante uma visita ao México, tive uma excelente surpresa: ao perguntar sobre transferências condicionadas de renda, percebi que a resposta nunca era negativa. O Programa Progresa (atualmente chamado Oportunidades), precursor do atual Bolsa Família, não gera o tipo de comentário que costumo ouvir no Brasil. O mexicanos não acham que as pessoas vão deixar de trabalhar porque estão recebendo o benefício. Também não acham que é populismo. Ao contrário, a maioria das pessoas com quem conversei, incluindo alunos de uma escola privada de direito, frequentada primordialmente pela classe média e pela elite mexicana, acha que o programa promove "a paz social". Ou seja, reduz violência, e todo tipo de tensão gerada por uma distribuição de renda tão desigual quanto a que temos em toda a América Latina.
Obviamente, essas observações nada têm de científicas. Pode ser que minha impressão seja apenas fruto de uma coincidência. Talvez eu tenha encontrado o pequeno e único grupo no México que aprove a política. É possível também que eu tenha uma percepção exagerada da resistência ao programa no Brasil (um estudo sugere que 3/4 da população apoia o Bolsa Família). Ou seja, determinar se as pessoas com quem conversei representam a opinião da população em geral e se há de fato consenso no México exigiria um levantamento acurado que, até onde sei, não foi feito ainda. Apesar dessa total falta de cientificidade, minha impressões não deixaram de levantar algumas questões sobre o Brasil.
A reação dos brasileiros é especialmente intrigante quando colocada em contraste com a dos mexicanos que conheci. Durante um almoço de domingo em um bairro de classe média na Cidade do México, os mexicanos sentados à mesa articularam de maneira muito perceptiva a quantidade de beneficios que eles recebiam do Estado. Apontavam para as ruas asfaltadas, a iluminação e a segurança no bairro, e indicavam que moradores de bairros pobres não viam esse tipo de investimento público no local onde moravam. Outros me disseram que estudaram em universidades públicas, subsidiados pelo Estado. E perguntavam: se nós estamos recebendo tantos benefícios, porque não deixar que o estado de alguns benefícios a eles também?
Saí de lá me perguntando se os brasileiros que tanto criticam o Bolsa Família já tentaram contabilizar os benefícios estatais que eles recebem, talvez sem perceber. Por exemplo, eu frequentei um curso superior por cinco anos sem pagar um centavo pela minha educação. A brincadeira não sai barato: o Estado brasileiro gasta em média 10 mil reais por ano com um aluno no ensino superior. Isso dá um total de 50 mil reais para uma única pessoa. Enquanto isso, o estado está gastando algo próximo de 2 mil reais por ano com um aluno do ensino médio. Ou seja, o gasto do estado com três ou quatro anos de ensino médio de um único estudante é menor do que o gasto que o estado teve comigo apenas no meu primeiro ano de faculdade. Talvez o valor seja equivalente se adicionarmos aqui o gasto do estado com o Bolsa Família, que atualmente oferece um benefício de 38 reais por mês por cada adolescente frequentando a escola (ou seja 456 por ano ou 1.824 reais ao fim de 4 anos). Ou seja, eu ou minha família não recebemos nenhum tipo de transferência de renda direta do governo, mas apenas para custear meu primeiro ano de faculdade o estado brasileiro gastou algo em torno de 10 mil reais. Isso equivale a quantia gasta durante quatro anos com um estudante de ensino médio no Brasil que recebe o bolsa família (8 mil de gastos com educação e algo em torno de 2 mil reais com a trasferência de renda). Acho que está na hora de começarmos a contabilizar isso, não?
Algumas pessoas vão argumentar que fizeram faculdade privada, acrescentando que pagam impostos mas não recebem benefícios do Estado. Portanto, são
obrigados a arcar com custos de saúde e educação do próprio bolso. Eu entendo e acho mais do que justificada toda a frustação com um estado disfuncional como o brasileiro. Mas para que isso vire um protesto contra o Bolsa Família e afins é preciso considerar que tanto os custos com educação pré-escolar,
primária, secundária e terciária quanto o pagamento de seguro saúde são dedutíveis
do imposto de renda. Ou seja, o cidadão está arcando com uma parte desse
custo, mas o Estado está dando uma ajuda também. E essa ajuda, por
menor que seja ao olhos do contribuinte, é provavelmente maior do que
uma família pobre recebe em benefícios do bolsa-família durante o ano
todo. Uma família com uma criança indo para a escola pública pode receber até 102 reais por mês do Bolsa Família, ou 1.224 reais por ano. Em contraste, uma família de classe média pode abater dos gastos com a educação privada até 2.958 reais por ano. Ou seja, o estado está subsidiando a educação privada também, mas o faz de maneira indireta, ao invés de mandar um cheque todo mês. E em termos nominais, esse subsídio é maior do que o subsídio oferecido pelo Bolsa Família.* O fato de que aquilo está sendo abatido do imposto que você paga
não diminui o fato de que está tirando dinheiro dos cofres públicos,
assim como o bolsa família.
Acho que a parte mais interessante da minha experiência no México, todavia, foi ouvir sobre o conceito de "paz social". Ao contrário de muitas pessoas no Brasil que acreditam que criminosos são pessoas de má índole, o mexicanos parecem ter absorvido melhor a idéia (já comprovada em inúmeras pesquisas) que índices de criminalidade estão altamente correlacionados com pobreza e desigualdade. Ou seja, algumas poucas pessoas nascem boas ou más, mas a vasta maioria age de acordo com as circunstâncias. Portanto, ao conceder o benefício, o estado não está apenas beneficiando os pobres, mas está também fazendo um investimento em segurança pública. E a sábia classe média mexicana agradece. Já que importamos o programa deles, que tal importarmos um pouco dessa sabedoria também?
* P.S. - Por favor, leiam o comentário ao post, que mostra que em termos nominais, nesse exemplo, o subsídio não é necessariamente maior. E fica o comentário como prova de que o estado fez um péssimo investimento em gastar 10 mil reais com cada ano meu na faculdade de direito, pois eu claramente esqueci tudo que aprendi nas aulas de direito tributário...
Um comentário:
Só parar recordar: o governo de cá não restitui o dinheiro gasto consigo ou com os seus dependentes menores. Se você gastou 15000,00 no ano com a educação de sua pobre alminha, o governo não restitui os 2958,00. O que ocorre é um desconto na tributação dos ganhos que você porventura tenha auferido: Se você ganhou 160000,00 no ano X, em vez de pagar (conforme a alíquota de 27,5%) o imposto de 44000,00, pagará 43186,55 (27,5% de 160000,00 - 2958,00). Na prática, dos 15000,00 que você gastou, o governo subsidiou 813,45. Se você não tenha ganhado nada tributável no ano X, o governo não te devolve nem um chiclete.
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