E daí morreu o Chavez. E de novo, cria-se o telefone sem fio. Os americanos olham para realidade latino-americana com lentes maniqueístas: Chavez e Fidel Castro são o mal. Por que? No discurso a resposta é bonita: quem tem uma das democracias mais longas da história não aceita violações a esse regime a nenhum custo. A prática é um pouco mais complicada, já que esses regimes não democráticos adotam uma postura anti-americana também. E a gente não gosta de quem não gosta da gente... Basta olhar para ditaduras na América Latina e no Oriente Médio apoiadas por governos norte-americanos para ver que a aversão deles a ditaduras é bastante contingente. Mas o ponto é que há sempre essa busca pela catalogação. Bem ou mal? Certo ou errado? Desculpem, americanos, mas na América Latina a resposta é sempre: depende. O Chavez violou instituições democráticas e enfraqueceu a separação de poderes e o regime de checks and balances. Mas ele também reduziu a pobreza, melhorou educação e saúde e promoveu políticas redistributivas dentro e fora da Venezuela (para uma análise excelente dessas contradições todas, veja o texto de Schwartzman, na Folha). Todos sabemos que ele ajudava Cuba, mas pouca gente sabe que ele dava petróleo para garantir o aquecimento de famílias pobres no Estados Unidos, tanto durante o governo Bush, quanto agora durante o governo Obama. Ou seja, ele fez muitas coisas boas. As políticas eram paternalistas? Sim. Mas também eram redistributivas. Dentro de um contexto em que uma pequena elite dominava o sistema político venezuelano e se beneficiava de toda e qualquer vantagem que possa ser obtida, não está claro se o que ele fez era absolutamente ruim. E daí, como fica? Não fica. Ele era o bem e o mal, ao mesmo tempo. Mas vai tentar explicar isso para um americano. Dá tilt.
E daí essa semana o blog do Reinaldo Azevedo nos lembra do quiprocó em torno do corpo da Evita Perón. A história deixa qualquer novela mexicana no chinelo. O corpo vai para a casa de um oficial do exécito, que segundo a lenda abusava do corpo, dali vai para Itália e Espanha para depois finalmente retornar à Argentina. Recomendo a leitura do blog, pois cada uma dessas viagens é informada por detalhes inacreditáveis. Tão inacreditáveis, que eu leio a história e penso: se eu mal consegui explicar a importância da Dona Canô para uma americana, o que fazer com essa história? Talvez a resposta seja óbvia: nada. Não adianta nem tentar, porque eles não vão entender.
E assim ficamos. Eles, de um lado, acham que nós, latino-americanos, somos loucos desvairados, e que o realismo fantástico nada mais é que uma representação literária bastante realista da nossa loucura. Nós, por outro lado, ficamos debaixo do equador achando que eles são bestas desinformadas, que vivem uma vidinha artificialmente regrada e passam sua existência numa tentativa vã de controlar o incontrolável. Quem está certo? Acho que nunca vamos saber. Fato é que quando os americanos pensam na América Latina, é como se eles tivessem apertado um botão para entrar em mundo cheio de emoções. Afinal, nós vivenciamos diariamente coisas que eles só vêem na TV...
Portanto, quando for falar com um americano, lembre-se que nunca vai haver comunicação perfeita entre esses mundos, pois das duas uma: ou nosso mundo tem muita fantasia, ou a cabeça deles tem muito pouca imaginação. Ou talvez seja os dois....
2 comentários:
queria ouvir mais "depende" aqui no brasil! ou, pelo menos, no meu facebook...
adorei o texto!
mostra uma foto da dona canô pra sua amiga que ela vai entender pq a gente se comoveu. não existe pessoa mais algodão que ela!
beijos
Dona Canô e Cora Coralina fazem parte de nosso patrimônio cultural e humano ! Bj
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