domingo, 13 de julho de 2014

Bundas, Accountability e Miúdos

Cá estou de volta à terrinha. Me encantei tanto com o lugar na primeira visita, que não me restou outra opção senão voltar. E uma das coisas que tinha me encantado em Portugal da primeira vez era esse português sofisticado, muito literário e quase poético, que eles usam para discutir idéias sofisticadas, mas também para coisas do dia a dia. 

Pois estava eu no jantar a elogiar a língua portuguesa usada por eles, quando fui interrompida por uma manifestação de amor ao modo como nós, brasileiros, usamos a língua. Exemplo? Bunda! Disseram entusiasmados. Bunda? Disse eu, incrédula. Sim, bunda. Responderam enfáticos.

Seguiu-se então uma longa declaração de amor ao fato de que inventamos coisas, jogamos com variações e damos cor a um mundo um tanto melancólico e triste (basta ouvir um fado para ver). Imagine, explicou uma das fã do nosso português, que os portugueses tem só as palavras rabo, traseiro e cú. Essa última, esclareceu ela, vocês usam apenas para o orifício, enquando nós, portugueses, a usamos de maneira mais abrangente para incluir também o que vocês chamam de bunda. Mas, segundo ela, não havia nada de mais leve e descompromissado do que a palavra bunda. Imagine o Jorge Amado tendo que falar "rabo de preta", ao invés de "bunda de negra". Perde-se metade da beleza da história só em essa troca de duas palavras. 

Outra palavra que os encanta é ouvidoria. Alguém que ouve. Nada mais singelo, simpático e representativo do que fazem aqueles que exercem essa função: são ouvidores. Ouvem o que os outros dizem. E em Portugal, perguntei? Temos ouvidores, mas chamamos eles dos nomes mais exdrúxulos. Nada que se compare a ouvidoria. 

A discussão sobre ouvidoria me lembrou da palavra accountability, que não tem tradução no nosso português do Brasil. Teria em Portugal?, perguntei. Também não. Perguntei se achavam que isso era sinal de que nós estávamos menos preocupados com accountability do que os países cuja língua tinha uma tradução para a palavra. 

Ora, responderam, isso é como dizer que os outros não sentem saudade só porque não tem uma tradução para a palavra. Claro que eles sentem. O anglo-saxões tem o missing e longing, que não traduz saudade, mas claramente indica que eles sentem falta, assim como nós. Talvez não sintam com a intensidade que nós sentimos, e daí a necessidade de termos uma palavra específica para esse sentimento. Ou seja, talvez essas palavras sejam uma sinal de quão profundamente algumas idéias e sentimentos penetram e vivem em certas culturas. Enquanto os anglo-saxões parecem se preocupar mais intensamente com accountability, talvez nós, os portugueses, sentimos saudades com mais intensidade, ou ao menos não nos acanhamos em expressar o que estamos sentindo, afinal somos latinos, concluiram. 

Divagações a parte, tentei sustentar que o português de Portugal era infinitamente mais poético que o nosso: considere, por exemplo, que vocês chamam as crianças de miúdos. Não consigo pensar em uma forma mais carinhosa e ao mesmo tempo mais representativa de descrever as crianças. Ora, responderam, miúdo é uma descrição literal do que são. Pessoas miúdas. Vocês inventam coisas, disseram, como a palavra supimpa. Outro exemplo? Pitaco.

Respondi que preferia mil vezes viver em um mundo povoado de miúdos e com bons vinhos, do que em um mundo cheio de bundas sumpimpas e pessoas dando pitacos em tudo, inclusive a língua portuguesa. E cá voltarei, sempre que puder.




 

  

Um comentário:

Maria Regina disse...

Mariana, apareceu um documentário sobre os estrangeiros na Copa...Olha, se vc visse, ficaria espantada com os comentários. Dois deles representam o Brasil: um americano falando que aqui não sabem inglês, mas que ficou impressionado como os brasileiros tentam comprender os turistas de qualquer forma ...e que o brasileiro é um povo que abraça...e como! Acho que os brasileiros estavam mais preparados para os turistas que nossos jogadores para a inesquecível Copa de 2014 !