domingo, 20 de dezembro de 2009

O que não fazer em Nova Iorque

Comentei com várias pessoas que estava vindo para Nova Iorque. A resposta, invariavalmente, era:

- Vai fazer compras?
- Não. Não vou fazer compras.

Quem me conhece sabe que eu não sei fazer compras. Eu não entendo muito o processo e tenho pouca paciência para ficar muito tempo dentro de lojas. Em geral, quando eu preciso comprar algo, eu saio de casa com um objetivo: preciso comprar uma blusa de gola alta marrom porque a blusa que eu tenho furou. Eu procuro a blusa em duas lojas, no máximo, e se o preço for razoável eu faço a compra, resolvo o problema, e volto pra casa. Enfim, eu não entendo muito essa coisa de sair para fazer compras e entendo muito menos essa idéia de vir para Nova Iorque fazer compras.

Portanto, estou em Nova Iorque mas não tinha planos de passar em uma única loja. Mas eu perdi minhas luvas. E está frio aqui. Fui obrigada, portanto, a sair para comprar luvas. E decidi ir na Macy's, que fica a duas quadras do meu hotel. E foi então que eu descobri que todo mundo que estava em Nova Iorque estava fazendo compras. A Macy's é uma loja de departamento com oito andares. A loja é gigantesca. E eu mal conseguia me mover lá dentro, de tanta gente.

Já que eu estava lá e precisa das luvas, decidi tentar entender um pouco melhor a lógica dessa experiência obscura que é fazer compras. Tudo começou com a tentativa de achar onde ficam as luvas. Andei feito uma barata tonta pela loja durante meia hora sem nem sequer chegar perto de algo que poderia parecer uma luva. Depois de meia hora, desisti e resolvi perguntar. Me mandaram para o quinto andar. Cheguei lá, rodei o andar inteiro, não vi sinal algum de luvas, e fui obrigada a perguntar de novo. Me mandaram para o primeiro andar. Andei mais um bocado, e achei as luvas.

A essa altura, estava um pouco irritada, mas me resignei a tentar entender esse processo e tirei minha lição número 1: peça informação, não espere que seja acurada, e aproveite as voltas inúteis que você vai ter que dar dentro da loja para alguma outra finalidade (imagino que qualquer outra pessoa já ia ter chegado na seção de luvas carregando duas blusinhas e um cachecol).

Na seção de luvas, um novo desafio: ao invés de achar três tipos de luvas para escolher, como eu esperava, encontrei uma seção de luvas que era divida em duas partes. Uma parte era luvas de lã e a outra era de luvas de couro. Cada uma delas deveria ter ao menos 100 pares diferentes de luvas para se escolher. Havia luvas de todos os tamanhos, tipos, estilos, forros, marcas, e preços. Além disso, havia uma quantidade insana de mulheres zigzagueando as estantes experimentando luvas, discutindo com a amiga qual luva ela gostava mais, e olhando discretamente para as roupas que as outras mulheres estavam usando. Eram só mulheres porque a seção de luvas para homens ficava em outra parte da loja...

Fiquei perdida. Eu tinha perdido uma luva preta de couro. Portanto, eu consegui reduzir minhas opções de 100 pares para provavelmente 50 (excluindo as de couro marrom), mas daí eu não sabia o que fazer. Comecei a seguir discretamente duas mulheres para ver como elas escolhiam as luvas. Elas experimentavam uma luva, daí falavam alguma coisa do tipo "essa marca não é boa" -- e vinha uma história de uma amiga que teve uma luva dessa e blá,blá,blá. Daí experimentavam outra e não gostavam do estilo, diziam "não cai bem", a amiga discordava, e elas discutiam por cinco minutos o "caimento" da luva. Daí paravam 10 minutos para fazer fofoca sobre alguém que eu desconhecia. Voltavam a experimentar. Achavam uma linda, mas era muito cara. Levavam o par na mão, pra pensar sobre o assunto, enquanto experimentavam outras. E elas conseguiram ficar nesse processo durante uns 40 minutos, até que uma virou para a outra e falou olha que cinto lindo, apontando para a seção do lado. As duas sairam dali sem nenhuma luva e sem me dar qualquer informação útil para fazer minha escolha (exceto a coisa da marca ruim, assumindo que a história é acurada...).

A essa altura, minha paciência tinha acabado. O que era uma experiência antropológica já estava virando um pesadelo. Para me acalmar, decidi tirar minha lição número 2: compras é algo que se faz acompanhado, para tornar o processo menos entediante, e para ter alguém para consultar, ainda que -- de novo -- as informações sejam absolutamente inacuradas.

Decidi então por um fim aquela sofrimento, comprar uma luva qualquer, que não era muito cara, mas também não era muito vagabunda e parecia bastante apresentável. Fui para o caixa na esperança de sair da loja o mais rápido possível. Mas quando cheguei lá, descobri que sair dali tão cedo era uma doce ilusão. As filas eram gigantescas. E ninguém parecia ter pressa, já que eles colocam uma série de produtos ao longo da fila, para as pessoas considerarem mais algumas aquisições enquanto aguardam. Daí eu descobri que eu era a única pessoa na fila com um único item. Todas as pessoas na minha frente e atrás de mim eram mulheres (provavelmente porque eu estava na seção feminina da loja) e estavam levando várias peças. E elas interagiam entre si, trocando informações sobre o que tinham comprado, as promoções que tinham achado, etc. E tudo isso acontecia entre estranhos. Algumas tentaram interagir comigo, mas como vocês podem imaginar, eu não tinha grandes dicas para dar, e não estava muito interessada em saber da grande promoção de casacos no sétimo andar, ou das botas maravilhosas no quarto andar. As conversas foram, portanto, curtas.

Depois de meia hora na fila, tentar sair da loja foi como tentar sair do metrô na estação da Sé. Tive que me esgueirar por entre milhares de pessoas, pedindo licença, e dando uns empurrãozinhos de vez em quando. A porta de saída era uma via de mão única, com pessoas entrando sem parar. Tive que me jogar contra a corrente e lutar pelo meu direito de sair daquele inferno (nesse momento eu juro que eu já estava tendo um ataque de claustrofobia). Qaundo eu finalmente consegui sair, respirar aquele ar congelante e sentir aquela temperatura de menos cinco graus batendo no meu rosto foi a melhor sensação do dia.

Tirei aqui minha lição número 3: o processo de fazer compras não acaba quando você decide. Ele acaba quando você consegue sair da loja. Enquanto você estiver dentro do estabelecimento, pode ter certeza que eles vão usar alguma estratégia para fazer você continuar "fazendo compras" e, ainda que a loja não se encarregue, os estranhos ao seu redor darão conta do recado.

Andei alguns quarteirões para desanuviar e tentar entender porque eu não consigo apreciar essa coisa chamada "fazer compras". Cheguei a algumas conclusões. Primeiro, as informações não estão catalogadas e organizadas em algum lugar, para que você possa tomar uma decisão informada. Desde achar as luvas até escolher uma é um processo que exige que você peça informações que estão dispersas e disagregadas no universo. Ou seja, eu ia adorar se tivessem um mapa da loja indicando onde ficam as luvas. Além disso, eu ia adorar um manual na seção de luvas explicando nível de proteção (até qual temperatura cada luva aguenta), qualidade do couro, como as luvas mais longas se diferem das mais curtas, etc. E ficar perguntando para outras pessoas, que provavelmente vão te dar informações erradas, não é a melhor forma de procurar essas informações.

Além disso, ficar provando luvas só é divertido se você consegue ter um processo não linear de pensamento. Ou seja, você experimenta a luva, lembra de uma história, comenta com sua amiga, experimenta outra luva, pensa que ela combina com a maioria das suas roupas, daí você vê um cinto e se distrai um pouco na seção de cintos para depois voltar na seção de luvas. Acho que isso explica porque as pessoas gostam de sair acompanhadas para fazer compras. Quem tem um processo linear entra na loja com um objetivo, e quer definir os critérios para tomar decisão. Ficar indo e voltando, experimentando, conversando sobre outros assuntos, e ao mesmo tempo ficar de olhos em outras potenciais aquisições (com o agravante de que não se tem qualquer informação sobre os produtos) é um processo muito ineficiente para quem pensa de maneira linear. E, se o processo demorar mais de meia hora, passa de ineficiente para irritante.

Enfim, ainda preciso aprender a pensar de maneira não linear antes de voltar a Nova Iorque para fazer compras...



sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Chile na Cabeça

O tema dessa semana foi Chile. Estou com uma viagem marcada para Santiago em junho de 2010, mas as forças que regem o universo (ou o mero acaso, dependendo da preferência do leitor) passaram a semana inteira me ensinando coisas muito interessantes sobre esse país que ainda é, ao menos para mim, um grande mistério.

Sábado passado, durante uma festa, tive uma longa conversa com um chileno que tinha vivido no Chile, Brasil, Venezuela, e está há 19 anos no Canadá. Para ele, a grande diferença entre o Brasil e o Chile é que nós somos felizes. A tese dele é que o clima do Chile é frio, a cordilheira isola o país do resto do continente, e a população é relativamente homogênea. O resultado, segundo ele, é que os chilenos viraram um povo introspectivo, isolado e triste. No Brasil, em contraste, o clima é quente, o país é integrado com o continente inteiro (ou quase) e a diversidade étnica e cultural (graças à imigração e escravidão) é impressionante. Resultado: somos um dos povos mais felizes do mundo.

E os canadenses?, perguntei para o rapaz. Os canadenses estão no meio do caminho, disse ele. Quando chegou no Canadá, a impressão dele foi a de que os canadenses eram como os chilenos. Depois que ele conseguiu fazer amigos, todavia, ele viu que os canadenses eram bem mais felizes que os chilenos. O problema, disse ele, é que é muito difícil fazer amigos no Canadá. Quem leu meu post anterior consegue me imaginar na festa, segurando um copo de vinho e concordando enfaticamente com meu compatriota latino-americano. Perguntei para ele como ele fez amigos. Ele disse que só conseguiu fazer amigos depois de ter filhos. Segundo ele, há um processo intenso de socialização de adultos intermediado pelas crianças. Decidi ficar com meu clube de corrida, por enquanto...

Na terça-feira, tive uma reunião com alguns advogados chilenos que estão promovendo reformas no judiciário. Durante a reunião, listamos todos os problemas em comum que o Brasil e o Chile têm com o judiciário e o estado de direito como um todo. Mas eu parei um instante para perguntar se era verdade que o Chile era uma sociedade onde as pessoas obedeciam as regras diligentemente, sugerindo implicitamente que o Brasil não é. Os advogados chilenos concordaram que "tinham algumas diferenças" (afirmação que veio com uns sorrisinhos irônicos).

Mas foi um colega canadense quem melhor ilustrou o nivel de obediência às regras na sociedade chilena. Disse ele que encontrou no Chile, como no resto da América Latina, muitos vira-latas. Isso sempre impressiona os canadenses porque aqui não há gatos ou cachorros sem dono. Mas os cachorros chilenos tinham uma peculiaridade: obedeciam as regras de trânsito, como todo cidadão chileno. Ou seja, eles circulam somente pela calçada e cruzam a rua na faixa, quando o sinal está verde para os pedestres. Meu colega disse que ficou impressionado com as inúmeras vezes em que viu um grupo de pessoas e cães parados na esquina esperando o sinal fechar. Segundo ele, o Chile superou o Canadá, pois aqui se consegue treinar pessoas para obedecer regras de trânsito, mas não os cachorros. Não é a toa que o Chile tem um dos níveis mais altos de desenvolvimento da América Latina. Eles são um povo discipinado e disciplinante!

Na quinta-feira embarquei para Nova Iorque, onde vim encontrar uma amiga. Comprei uma passagem super barata na internet, e vim para NYC com uma companhia chilena de aviação, a LAN. Foi a primeira vez que viajei por essa companhia e a experiência foi, no mínimo, curiosa. Tudo começou no check-in. O sujeito perguntou se vou despachar bagagem e eu digo que não, vou levar a mala no avião. Ele pediu para pesar a mala e me disse que eu não posso levar uma mala de 12Kg dentro do avião. Eu simplesmente respondi: okay. Eu podia ter tentado conversar com o sujeito, mas em junho do ano passado eu já tinha tido uma experiência desagradável com a TAM, e minha expectativa é que não ia ser diferente com os chilenos.

Com a TAM, eu estava viajando com a mesma mala, que por acaso também estava pesando 12 kg. Eu estava embarcando de São Paulo para Assunción, no Paraguai, e a moça gentilmente me informou que eu não podia levar uma mala de 12kg dentro do avião. O limite para carry-on era de 5kg. Eu não esperava por aquilo: sempre que embarco de Toronto para Nova Iorque com uma empresa americana ou canadense eles só vêem o tamanho da mala, não o peso. Tentei usar o jeitinho brasileiro e expliquei que meu laptop estava dentro da mala e que eu preferia levar ela comigo. Ela respondeu que eu tinha que despachar a mala, mas não podia despachar o laptop. Eu argumentei que o laptop não cabia na minha bolsa. Ela deu de ombros. Resultado: viajei com o laptop na mão.

Voltando para a LAN. Eu devia ter previsto que a empresa latino-americana ia encrencar com o peso, mas eu simplesmente assumi que como eu estava indo de Toronto para Nova Iorque eles não iam pesar nada. Mas eles pesaram, e o limite para carry-on era 8Kg. E eu decidi não comprar briga porque eu sabia, depois da desagradável experiência com a TAM, que só ia me aborrecer. Depois do meu okay, o sujeito pergunta: tem laptop na bagagem? Eu falei que tinha, já me preparando para tirar o laptop e ter que carregar ele na mão de novo. Daí, pra minha surpresa, o sujeito responde: então tudo bem, pode levar a mala com você. Meu espírito brazuca ficou sem reação. Como assim?!? Eu nem pedi. Eu nem comecei a brigar. A gente nem bateu boca. Como você de repente advinhou que poderia ter um laptop na mala, entendeu que ia ser um problema tirar ele da bagagem, e me poupou de todo o aborrecimento de ter que tentar te convencer a me deixar levar a mala dentro do avião? Acho que o sujeito via na minha cara que eu estava absolutamente perplexa, sem entender o que tinha acabado de acontecer. Gentilmente, ele me explicou: se a mala tem laptop você pode levar dentro do avião porque é proibido despachar malas com laptops. Eu agradeci comedidamente, mas minha vontade era dar para ele um prêmio de civilidade, com direito a uma cerimônia com trompetas e toda a pompa e circunstância que a atitude merecia. Depois dessa, eu passei a acreditar que os cachorros de fato devem esperar o sinal para pedestres no Chile.

Daí, quando entrei no avião, descobri que o vôo estava indo para Santiago, com escala em Nova Iorque. Fiquei ainda mais feliz que o sujeito não tinha me obrigado a despachar a bagagem, pois havia uma alta probabilidade da minha mala parar no Chile, dado meu longo histórico de bagagens extraviadas. Mas o que me surpreendeu foi uma aeromoça me abordar e perguntar se eu estava indo para Santiago ou para Nova Iorque. Pensei com meus botões: como assim? Vocês não sabem se eu vou descer do avião em Nova Iorque ou não? Quer dizer que seu eu ficar sentadinha aqui sem falar nada posso passar o fim de semana no Chile? Por dez segundos, esse pensamento pareceu bastante atraente. Imaginem que aventura: passar o fim de semana em Santiago simplesmente porque eu não desembarquei do avião. Achei que podia dar uma história boa para o blog. Estava achando a idéia bastante atraente até pensar que provavelmente eu iria gastar alguns milhares de dólares para comprar uma passagem de volta, e decidi que era mais prudente descer em Nova Iorque mesmo. Respondi resignadamente para a aeromoça que eu ia desembarcar em Nova Iorque. Lá se ia minha aventura.

Passei dois minutos sonhando acordada com meu fim de semana no Chile, até que parei para pensar: como podia um povo tão civilizado, organizado, e desenvolvido ter uma companhia aérea que não sabe onde os passageiros vão desembarcar? Será que era uma pitadinha de latino-americanidade nesse ilha de excelência? Será que eu finalmente tinha achado alguma coisa em comum entre os chilenos e nosostros? Por um instante achei que sim. Porém, de repente, me ocorreu que talvez a aeromoça só quisesse se certificar onde eu estava sentada, para me acordar quando chegássemos em Nova Iorque, caso eu desmaiasse de sono (e acho que minha cara sugeria que eu ia de fato fazer isso). Acho essa interpretação mais condizente com todas as outras histórias que ouvi do Chile essa semana.

Em suma, o Chile parece ser de fato tudo que o Brasil quer ser um dia (ou pelos menos tudo o que EU queria que o Brasil fosse um dia...). Mas, segundo o chileno da festa, eles não são felizes. Caso a gente tenha que fazer uma escolha entre um desses dois (felicidade ou desenvolvimento), vai ser uma decisão difícil... Enquanto o momento da decisão não vem, vou ficar ansiosamente esperando minha viagem para esse lugar mágico, para ver pessoalmente se é tudo verdade.



segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Em busca de companhia, conselhos e calor humano no Canadá

Todo mundo que muda para Toronto sempre conta a mesma história. A cidade é ótima: limpa, organizada e segura. Transporte público funciona de maneira eficiente. E a cidade tem o maior números de restaurantes per capita, além de ter um parque em cada esquina e ser bastante arborizada. Ou seja, ótima pra trabalhar e para viver. O único problema é fazer amigos. Os canadenses são simpáticos e bem-humorados, mas eles não socializam como os brasileiros. Ou seja, nada de almoços longos durante o horário comercial. Ao contrário, como nos EUA, o pessoal aqui em geral não almoça ou traz um sanduichinho pra comer enquanto responde emails. Entre cinco e seis da tarde, todos estão indo pra casa. Nada de barzinho, chopinho e happy hour.

Nesse ambiente, é difícil fazer amigos ou socializar. As pessoas são super simpáticas quando te encontram no corredor ou no banheiro, mas nada de te convidar para sair. E os convites não vêm porque os canadenses em si também não saem muito. Para vocês terem uma idéia, depois que eu me divorciei e voltei para Toronto sozinha, mencionei para algumas pessoas que eu tava estranhando ficar sozinha. Ouvi três vezes a mesma resposta: compre um cachorro. Depois da terceira vez, parei de falar sobre o assunto. Afinal, ficar ouvindo repetidamente que as pessoas não querem gastar o tempo delas com você não é lá muito agradável.

Passei alguns meses na minha solidão canadense até descobrir que as regras de socialização aqui são diferente das regras do Brasil. No Brasil, há uma espontaneidade na interação social. Niguém planeja nada. O chopinho rola no fim do expediente. Te ligam na hora da festa para te convidar. Passam na sua casa, sem avisar, para um cafezinho. Aqui, em contrapartida, as coisas são devidamente planejadas, includindo a socialização. Por exemplo, há diversos clubes para pessoas com interesses em coisas específicas. Há clubes de leitura para quem gosta de ler. Há clubes de escritores, pra quem gosta de escrever. E há clubes de corrida, pra quem gosta de correr. E a socialização ocorre através desses clubes, de maneira organizada e planejada, no melhor estilo canadense.

Em outubro comecei a participar de um desses clubes e foi só então que eu descobri como as pessoas socializam por aqui. Nos encontramos duas vezes por semana: terças e sábados. na terça, como todo mundo está vindo do trabalho e tem que ir pra casa preparar jantar depois, só corremos. No sábado, em contraste, depois da corrida, passamos uma hora em um café, jogando conversa fora. A experiência de jogar conversa fora no café com o pessoal do clube de corrida foi a coisa mais próxima que eu encontrei de um chopinho no Brasil. Com uma diferença: marcamos o dia e horário com antecedência. E a coisa tem hora pra terminar. Depois de uma hora no café, nos despedimos e vamos todas pra casa (digo todas porque o clube só tem mulheres).

O clube teve uma festa de confraternização no fim de semana passado, e cada participante trouxe um prato para o jantar. Além disso, estamos planejando uma viagem para esquiar em fevereiro. Ou seja, eventos que acabam acontecendo mais espontaneamente no Brasil, aqui são vinculados a esses clubes. E, graças ao meu clube de corrida, agora eu tenho um pouco de vida social.

Mas a socialização no Brasil tem outras funções além de jogar conversa fora no bar. Por exemplo, para quem vai ter bebê, conselhos da mãe, da família e das amigas que já tiveram filhos desempenham um papel importante em preparar a mãe para o que vem pela frente. Entretanto, quando não se têm essas redes sociais, essa transmissão de informação não ocorre espontaneamente. Até certo ponto, isso pode ser bom, pois muitas pessoas terminam por tomar decisões erradas por causa de informações inacuradas que circulam por ai. Entretanto, pode ser ruim também, pois tem muitas informação útil que não se acha facilmente na internet. Sabe aqueles segredinhos de cozinha que sua vó precisa te contar, enquanto está cozinhando, porque você não vai encontrar aquilo em nenhum livro? Pois é. Essas coisas se perdem sem socialização.

Mas os canadenses deram um jeito nisso também. Primeiro, há uma quantidade incrível de livros para quem vai virar mãe. Portanto, ao invés de conversar com amigas ou família, as grávidas aqui vão para a livraria. Mas isso cria o mesmo problema das conversar informais no Brasil: também há livros com informações erradas... Portanto, os livros precisam ser escolhidos a dedo (assim como as pessoas que você vai ouvir). Segundo, o governo canadense decidiu mandar um oficial de saúde visitar a casa de todas as pessoas que vão ter filhos para dar instruções gerais e responder perguntas. É a estatização do chá de bebê! E é bastante eficiente, pois ao invés de vinte mulheres, eles mandam só uma...

Todas essas soluções (clubes, livros e oficiais do governo) substituem aspectos importantes da socialização tal como concebida no Brasil. Mas tem um aspecto que eles não cobrem: contato humano. As pessoas aqui não se tocam, como eu já explique em um post anterior. Portanto, ainda que você participe de um clube, esteja informada e se entretenha com a conversa com a burocrata que for na sua casa quando você estiver grávida, não vai ter nada mais comprometedor do que um aperto de mão. Ou seja, aquele calor humano de chegar no bar, beijar todo mundo, ganhar uns abraços, e tocar outras pessoas não existe.

Se você pensou que os canadenses não conseguiram achar uma solução para isso, se enganou! Aqui tem um amplo mercado de massagem, e a maioria das pessoas que eu conheço frequenta regularmente uma massagista. Se você perguntar para as pessoas porque elas pagam por massagem, a maioria vai responder que é para aliviar a tensão ou dores específicas (tipo dores nas costas). Mas minha tese é que há uma razão oculta, que ninguém admite (e que talvez não seja sequer consciente): essas pessoas querem ter contato humano. Não contato sexual. Apenas o conforto de se sentir tocado e acariciado. No Brasil, a gente se dispõe a fazer isso de graça, enquanto a gente paga um preço adicional por segurança (prédios com câmeras de seguranças, carros blindados, etc). Aqui eles decidiram fazer o contrário. Não sei qual o melhor arranjo, mas devo confessar que a massagem vale a pena....



sábado, 12 de dezembro de 2009

Uma propaganda inspirada e uma fruta exótica

Muito trabalho por aqui, por isso a falta de posts na última semana. Enquanto eu procuro tempo para relatar tudo de interessante que aconteceu recentemente, segue um post curto, com duas coisas para quebrar os mitos de que só o Brasil tem propagandas inspiradas e frutas exóticas.

Um dos meus restaurantes favoritos em Toronto chama Spring Rolls. É bonito, barato, e tem deliciosos dumplings:


Da última vez em que eu estive por lá, descobri que eles também tem propagandas geniais. Segue o anúncio no cardápio deles:



"Dê um peixe a alguém faminto, e você alimentará essa pessoa por um dia
Ensine essa pessoa a pescar, e você alimentará essa pessoa pelo resto da vida
Quando ele(a) se cansar de comer peixe...
Dê a ele (a) um cartão do Spring Rolls".

E além de ter propaganda boa, aqui também tem frutas exóticas.

Meu supermercado favorito é o Whole Foods, que não é barato, mas é bonito, bem organizado e além de ter coisas deliciosas fica a uma quadra da minha casa. E eles têm também frutas exóticas, como essa coisa chamada mão de Buda.



Segundo a descrição é um símbolo de felicidade, longevidade e sorte.


Apesar da descrição promissora, não tive coragem de comprar. Antes de comer a mão de qualquer Deus, preciso mais informações sobre a personalidade do sujeito. Imagina se Buda tem uma personalidade parecida com o Deus do antigo testamento... Acho que a gente já tem problemas suficientes para lidar com aquecimento global, não?

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

E a vida continua boa

Para quem anda se perguntando como eu estou de cabelo curto e liso e com os óculos antigos no post com N&N, aqui vai a explicação: aquelas fotos são de agosto de 2008.

Essa é a minha versão mais atual:



Segue abaixo mais fotos da visita de N. and N. na semana passada. E, como vocês podem ver, a nossa vida continua boa, com drinks e jantares deliciosos preparados em casa.






Como disse N., por que não?

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Batendo records

Toronto anda batendo vários records ultimamente.

Se não nevar hoje, até meia noite, vai ser a primeira vez desde 1847 que não houve neve em Toronto no mês de novembro.

Toronto também bateu um outro record nos últimos anos: se tornou o maior mercado para apartamentos da América do Norte. Isso significa que há mais prédios de apartamentos sendo construídos em Toronto do que em Chicago, Nova Iorque ou Los Angeles.

(E vale notar uma curiosidade: aqui no Canadá, eles chamam os apartmentos de "condos". A palavra "apartment" é usada só para imoveis que você pode alugar, mas não comprar).

E para manter a reputação de uma cidade recordista, Toronto também criou um dos maiores e mais ambiciosos projetos de desenvolvimento urbano do mundo. Além do tamanho, o projeto de revitalização de uma região pobre da cidade, chamada Regent Park, tem uma série de inovações interessantes. Em projetos similares de revitalização nos Estados Unidos e na Inglaterra, a população pobre foi desalojada, indenizada, e teve que se mudar para outro lugar. Já em Regent Park toda a população pobre está recebendo uma garantia de que eles poderam retornar para os novos imóveis quando a construção de casas populares terminar. E o projeto é construir também "condos" para classe média e alta, criando o que eles chamam de uma vizinhança mista, com gente rica e pobre. Além disso, o projeto tem uma série de inovações tecnológicas para tornar o consumo de energia mais eficiente e menos poluidor. E, ao que tudo indica, vai ser um grande sucesso.

Enquanto isso, no Brasil, a gente anda expulsando gente na iniciativa privada que está tentando desenvolver projetos similares nas favelas do Rio. E fazemos isso enquanto mantemos nosso record de um dos países com as taxas mais altas de violência do mundo. Tudo isso me faz pensar se o melhor do Brasil é, de fato, o brasileiro.

domingo, 29 de novembro de 2009

N&N: melhores momentos

Essa semana tive a visita de dois bons amigos, e nobres colegas de profissão. Em homenagem a eles, decidi fazer um post com nossos melhores momentos nos últimos anos.

Melhor momento 1: explorando o melhor de Nova Iorque.

Tudo começa com um excelente almoço:





Seguido de uma visita ao Museu de Arte Moderna:




Depois de caminharmos pela cidade, tivemos um jantar italiano delicioso:



Seguido de um saque tasting com sobremesa, em um restaurante japonês:



Melhor momento 2: Um dia como outro qualquer na vida de N&N.

Tudo começa com bom humor e bom café



O café é seguido de um pouco de trabalho nos infinitos papers e artigos e etc.(que não se documenta nunca porque nesses momentos estamos ocupados, trabalhando).

Daí vem o almoço, em um delicioso restaurante indiano.




E depois de mais trabalho duro durante a tarde, termina-se o dia em boa companhia e com um bom drink (ou talvez dois...):




Melhor momento 3: As frases de N.

Para quem perdeu o post anterior sobre isso, vale a pena ler. Para quem já leu, vale a pena reler. Segue uma nova série de frases, que acabaram de entrar na minha coleção.

"Brazil is not perfect, but is very human." (em resposta às minhas eternas reclamações...)

"Life is painful, so you might as well accept that and move on" (provavelmente eu ainda estava falando mal do Brasil e a N estava tentando mudar o assunto para algo mais interessante...)

"Relationships become part of you and make you wiser" (eu devia estar reclamando da estrutura das relações pessoais no Brasil...)

"You are just reacting to your Brazilian experience and expressing your resentment with it" (em resposta às minhas reclamações sobre Cuba)

"Professional success sometimes is a symptom of personal misery" (provavelmente em resposta ao meu comentário de que o Brasil ia ser mais desenvolvido se as pessoas jogassem menos futebol, assistissem menos TV, e lessem mais livros. Ou era simplesmente um comentário sobre minha vida. Talvez os dois...)

Melhor momento 4: N&N mostrando que acadêmicos podem ser chamosos e elegantes!




Melhor momento 5: "Girls day out" num dia de verão

Tudo começa com um passeio nas Toronto islands






passa por compras de sapatos novos depois do almoço, e termina com café gelado.





É isso aí, pessoal!

Música do dia

(e trilha sonora de uma filme super bacana).


domingo, 22 de novembro de 2009

O segredo da felicidade

Enquanto eu estava no Brasil, meus pais me convidaram para assistir um dos programs favoritos deles, o programa da Oprah. Por coincidência, essa semana a Oprah anunciou que vai parar de fazer o "talk show". Achei, portanto, que valia a pena relatar aqui minha experiência. Afinal, essa foi provavelmente a primeira e a única vez em que vou ver ela em ação.

No dia em que eu assisti o programa, o tema eram as cidades que se auto-declararam as mais felizes do mundo. Segundo uma pesquisa da revista Forbes, o Rio de Janeiro não só estava na lista, mas estava no topo da lista. Portanto, não era um show comum - havia todo um alvoroço sobre o fato de que o Brasil ia aparecer no show. Mas o mais interessante (ao menos pra mim) não foi ver meu país retratado no famoso "talk show", mas foi pensar, ainda na metade do programa, que eu tinha descoberto a fórmula da felicidade.

A Oprah tinha entrevistado uma médica em Dubai que estava explicando como era a vida lá. A médica disse que eles não pagavam impostos. A Oprah perguntou como que eles não pagavam impostos. A médica explicou que eles não pagavam impostos lá por que eles ganhavam menos que em outros países.

(pausa para meus leitores relerem a frase anterior. Sim, ela disse isso.)

Vale ressaltar que a mulher tinha uma boa educação: falava inglês fluentemente e tinha diploma universitário.
E ela não apenas era médica, mas morava em uma mansão com vários empregados, babás, etc. Ainda assim, era ignorava o fato de que qualquer estado, em qualquer país, precisa recolher impostos para funcionar. Alguém tem que pagar o salário dos servidores públicos e ninguém precisa de diploma universitário pra entender que dinheiro não cai do céu. Portanto, se Dubai não cobra impostos dos seus cidadãos, é porque tem alguma outra fonte de renda (petróleo, no caso).

Daí chegou o tão esperado momento de ver o Rio. Aparece uma carioca de classe média mostrando a casa, os filhos, a empregada, etc. Daí vem a entrevista com a Oprah. A Oprah pergunta sobre as várias mortes que ocorreram alguns dias antes, em um confronto entre policiais e traficantes em um dos morros. A carioca responde que todos os cidadãos sentiam muito pelas famílias das vítimas e que as mortes tinham sido uma tragédia. Daí a Oprah pergunta como o Rio é feliz com tanta violência. E a carioca explica que violência não é uma coisa do dia-a-dia da cidade. Notem que tem um não na frase. Eu só consegui me perguntar em que ano essa mulher parou de ler os jornais. Deve ter sido há pelo menos uma década atrás. Ou a mulher considera que Rio quer dizer Zona Sul, e que as mortes que ocorrem diariamente fora da Zona Sul não contam nas estatísticas. Precisamos só avisar o prefeito que a cidade encolheu e ele não precisa mais se preocupar com o resto...

Enfim, as cidades mais felizes do mundo têm uma coisa em comum: a distância entre a fantasia e a realidade é tão grande que as pessoas conseguem ser felizes. Afinal, elas não vivem naquelas cidades de fato, mas no mundo de fantasia que elas criaram.

Estava eu feliz com minha conclusão sobre o segredo da felicidade até ler um artigo alguns dias depois do show que me fez perguntar se a relação de causalidade é essa mesmo.
O artigo falava de uma pesquisa recente, segundo a qual pessoas mal-humoradas tem melhor memória e melhor percepção da realidade. Ou seja, a dúvida que surgiu na minha cabeça é a seguinte: se todas as pessoas que são felizes ignoram a realidade, o que é causa o que é consequência? Pode ser que as pessoas sejam felizes porque ignoram a realidade, como eu sugeri há pouco. Mas pode ser o contrário, como sugere essa pesquisa:

The study, authored by psychology professor Joseph Forgas at the University of New South Wales, showed that people in a negative mood were more critical of, and paid more attention to, their surroundings than happier people, who were more likely to believe anything they were told.

Isso sugere que talvez as pessoas não percebem a realidade porque são felizes e não o contrário. Se isso for verdade, continuamos sem saber o que pode fazer algumas pessoas mais felizes que outras, já que a ignorância é consequência (e não causa) da felicidade. Mas eu ainda tenho certeza que a médica que ignora o tipo de governo que eles tem em Dubai, e a carioca que ignora a violência no Rio são ainda mais felizes por viverem numa ilha da fantasia que elas mesmas criaram.

O que fazer com esse povo? Como diz minha sábia prima: "Tá feliz? Deixa". Um dia os pobres vão descer armados do morro no Rio pra contar umas verdades para as classes média e alta. Ou, como parece prever a The Economist, se a desigualdade continuar a diminuir, os pobres vão virar classe média, entrar no consumismo pouco sensato dessa classe, e o país vai crescer ainda mais. Para isso acontecer, todavia, a atual classe média precisa perceber que políticas de redução da desigualdade como bolsa família aumentam as chances da segunda hipótese, e reduzem a probabilidade da primeira hipótese acontecer. Se eles não perceberem isso a tempo, meu conselho pra classe média brasileira é: aproveitem bastante, que a felicidade vai ser eterna enquanto durar.


Subindo na vida

Rcentemente, meus pais mudaram para um apartamento novo e eu também. E, sem perceber, escolhemos apartamentos no mesmo andar. Meus pais compraram um apartamento no 13o. andar. No prédio deles, todavia, antes do térreo, há três andares de garagem. Eles estão, portanto, no 16o., se contarmos o térreo como andar zero.

Eu, por outro lado, estou no 18o. andar, mas meu prédio não tem 13o. (eles chamam o 13o. de 14o.). Não tem botão para 13o. no elevador... Portanto, se contarmos os andares, estou na verdade no 17o. Além disso, aqui no Canadá o térreo é o primeiro andar. Ou seja, quando eu entro no elevador pra ir para o térreo eu aperto o 1o. Portanto, se contarmos o andar térreo como zero, eu estou tecnicamente no 16o.

Mas o mais importante disso tudo é que nós dois casos a habitação anterior era uma casa térrea. Estamos todos, portanto, subindo na vida. E estamos subindo com qualidade: o ap. dos meus pais dá vista para o mar enquanto o meu tem vista para o lago Ontario (que é basicamente equivalente ao mar, de tão grande)!

P.S. - Caso você esteja se perguntando como eu parei para pensar nisso tudo, minha resposta é ócio. Puro, completo, e absoluto ócio. O ditado diz que mente vazia é oficina do diabo, mas acho que o diabo devia estar de férias e deixou um engenheiro ou um matemático que estava por lá dando bobeira encarregado do inferno por uns dias...


sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Música do dia

Onde ir (não achei a versão da Monica Salmaso, que é a que eu ouço, mas essa versão da Vanessa da Mata não fica muito atrás. Ironicamente, o vídeo foi feito por uma brazuca que mora em Toronto...).

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Por favor, não se mirem no exemplo daquelas mulheres de Atenas

Semana passada, enquanto eu caminhava pelas ruas de Santos com a minha mãe, tivemos a oportunidade de ouvir a seguinte conversa entre uma mãe e sua filha, de uns nove anos:

- Mãe, porque você não fala com o Pedrinho?
- Ah, minha filha. Acho que não vai resolver o problema falar com o Pedrinho. Você sabe que o Pedrinho não fala muito e não gosta de conversar.
- Por que o Pedrinho não gosta de conversar?
- Porque os homens são assim, minha filha. Eles não falam. Eles se entendem, de alguma forma, sem se falar.
- E as mulheres, mãe?
- Ah, minha filha, as mulheres adoram falar. Você não vê? Quando junta um monte de mulher, elas não param de falar.

Tanto eu quanto minha mãe achamos graça da conversa, mas provavelmente por razões distintas. Minha mãe deve ter achado graça da menina curiosa descobrindo as complexidades do mundo em que vivemos. Em contrapartida, eu achei engraçado que, enquanto a menina estava descobrindo as complexidades do mundo aos 9 anos, eu só estou descobrindo elas agora.

Recentemente eu comecei a participar de um clube de corrida com mulheres e foi só então que eu percebi que existe uma dinâmica bastante única quando se está em um grupo só de mulheres. Fala-se muito. Fala-se de todos os assuntos. Todas falam ao mesmo tempo e os tópicos não seguem qualquer ordem lógica. O assunto começa, se perde, aparece de novo e de repente já foi atropelado por alguma outra coisa. E fala-se de coisas pessoais. Para quem não foi treinada na dinâmica, como eu, é difícil acompanhar o ritmo. Os homens, em contrapartida, têm conversas mais lineares, mais ordenadas, mais contidas e certamente menos pessoais. As diferentes dinâmicas se devem, em parte, ao fato de que a estrutura do pensamento dos homens é diferente da estrutura de pensamento das mulheres.

Daí eu comecei a pensar por que diabos eu não era treinada naquela dinâmica. E não foi difícil descobrir: na maior parte da minha vida adulta, eu interagi primordialmente com homens. Já no segundo grau, o número de de professores homens superava em muito o de mulheres. Na faculdade, o número de professoras mulheres era irrisório. No escritório de advocacia, havia uma única sócia, em outro departamento (ou seja, nossa interação se limitava a um "oi" quando nós nos encontrávamos no banheiro). Todo mundo que podia me dar ordens (sócios e advogados sêniors) eram homens. No centro de pesquisa, de quarenta pesquisadores, eu era uma dentre duas mulheres.

Os números melhoraram um pouco quando fui morar nos Estados Unidos e depois no Canadá (minha orientadora no doutorado era uma mulher e a diretora da faculdade de direito aqui também é). Mas, ainda assim, aqui em Toronto eu trabalho primordialmente com colegas homens. Ou seja, no dia-a-dia, eu lido mais com homens do que com mulheres, desde que entrei no segundo grau até hoje. E o mais interessante é que eu nunca tinha percebido isso.

Eu podia facilmente ter virado uma feminista, mas curiosamente eu não virei. E hoje eu descobri que não estou sozinha. Uma jornalista que foi editora do Wall Street Journal publicou um artigo interessantíssimo no New York Times falando que tem uma geração inteira de mulheres como eu. Segundo ela, essa geração de mulheres assumiu que igualdade era um fato da realidade. Muitas olharam com desprezo para o movimento de liberação das mulheres (movimento feminista). Isso era considerado uma coisa que mulheres histéricas, mal-humoradas e rancorosas tinha feito no passado. Essas mulheres acharam que já tinham superado isso. Eram pós-feministas. Afinal, elas viviam em pé de igualdade com os homens.

Porém, quando elas saíram para o mundo, descobriram que as coisas não eram bem assim. E não eram mesmo. Eu, pessoalmente, tenho uma história pra adicionar à lista de histórias no artigo. Um professor, ao ouvir sobre meus planos de estudar no exterior, perguntou porque eu queria ir para os Estados Unidos. Eu disse que o mestrado lá tinha mais prestígio e era mais valorizado pelos escritórios de advocacia no Brasil. Ele imediatamente respondeu que eu devia era fazer mestrado no Brasil pois isso era suficiente para garantir uma vaga na academia jurídica brasileira. Quanto ao escritório de advocacia, o conselho ele era aproveitar o privilégio de ser mulher, pois isso significava que eu podia ser acadêmica em tempo integral, sendo sustentada pelo meu marido. Os homens, infelizmente, não tinham essa "privilégio". Vocês podem imaginar que minha resposta não foi humilde, e muito menos educada...

De novo, eu não estava sozinha. O artigo do NYT mostra que essa geração batalhou para mudar as coisas e, de fato, não só paramos de ouvir desaforos, mas os números mudaram. Vivemos hoje em um mundo dominado por mulheres. Elas ocupam posições importantes em cargos públicos ao redor do mundo e, ao menos nos Estados Unidos, já compõem metade da população econômicamente ativa e provêm o sustento da família em 40% dos lares. Nada mal pra quem não era sequer considerada pessoa há algumas décadas atrás...

Mas o mais interessante do artigo é que ele também mostra que esse sucesso é, em grande parte, ilusório. O números mudaram, mas as atitudes não. O problema não é só de número, mas também de percepções que, segundo a autora, só vão ser mudadas se nós mudarmos os termos da conversa. Nesse sentido, ela sugere três medidas:

1. Meninas precisam assumir riscos.

Precisamos falar para as meninas que elas precisam ter auto-confiança, e que elas não precisam ser sempre "boas meninas". Meninas precisam ser agressivas no mercado de trabalho. Precisam pedir promoção. Precisam brigar por seu espaço, como os homens fazem. Meninas também precisam aprender a apostar. Elas precisam rejeitar essa cultura que celebra a perfeição das mulheres em manter sua aparência física e sua casa em perfeita ordem. Elas precisam aprender que vão falhar, as vezes, e suceder outras, mas no processo de assumir riscos vão aprender muito.

2. Meninas precisam aprender a ter senso de humor

Nesse mundo cruel, isso é imprescindível não só para se sobreviver como também para manter sua sanidade mental. Para os que lêem inglês, não percam a história do cartão de Natal que a Martha Stewart mandou para amigos e conhecidos quando estava na prisão.

3. Meninas precisam perder o medo de serem meninas.

E aqui nós voltamos à Santos. A mãe estava fazendo exatamente isso: mostrando que mulheres têm uma cultura diferente dos homens. O que ela podia fazer também é enfatizar que essas diferenças nos dão várias vantagens sobre os homens. Segundo a autora do artigo, mulheres são mais capazes de suportar dificuldades e sofrimento. Mulheres também definem sucesso de forma diferenciada e muito mais relativizada que os homens. Por exemplo, poder ficar em casa com seus filhos também pode ser uma medida de sucesso. Em suma, mulheres não apenas são capazes de ocupar posições importantes e ter salários altos como homens, mas elas também têm uma capacidade de lidar com tempos difíceis que podem dar a elas uma grande vantagem em tempos de crise, como os tempos atuais.

E, como não poderia deixar de ser, essa conversa toda aconteceu em uma roda virtual de mulheres: a mãe na rua, falando com a filha, a editora escrevendo no New York Times, e eu blogando sobre o assunto depois de ter presenciado a conversa com a minha mãe. Acho que isso só prova que além de sermos mais resistentes a tempos difíceis, nós continuamos sendo mais tagarelas. E talvez essa capacidade de se comunicar é exatamente o que nos dá forças para suportar tempos difíceis. Se algum cientista provar que isso é verdade, acho que merecia uma manchete de jornal: "Mulheres provam que quem tem boca não só vai, mas também conquista Roma."

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Churrasco na Laje

Esse fim de semana tanto eu quanto a L. tivemos nosso primeiro churrasco na laje, um ritual brasileiro de longa data que é explicado em detalhe aqui. Nossa atitude no evento, todavia, foi diametralmente oposta. Eu ganhei uma garrafa de cachaça de Parati de presente, enchi a lata e desmaiei no sofá (as fotos foram devidamente vetadas). Enquanto isso, a L., como uma pessoa adulta, madura e responsável, se encarregou de várias questões de suma importância para a família. Achei que valia a pena documentar a atitude dela, pra que isso sirva de modelo para as futuras gerações da família Pinto (piada interna. Se você não faz parte da família, não pergunte de onde vem o nome, please).

No início do churrasco, L. entrou no seu templo do pensamento, para refletir melhor sobre as coisas.
Com o auxílio de suas bolas de relaxamento, que a ajudam a pensar, ela ouviu cuidadosamente os relatos de diversos membros da família das inúmeras questões em pauta no churrasco



Mesmo para L., que tem uma grande habilidade de lidar com questões complexas, os problemas da família Pinto não são simples



Mas ela não desistiu. Ao invés disso, chamou seu primo, G. que estava, até então, observando atentamente a família Pinto enquanto compunha algumas músicas



Juntos, no templo do pensamento, L. and G. elocubraram e discutiram à exaustão as questões familiares






De vez em quando, L. precisava se certificar que nenhum membro da família estava indevidamente escutando a conversa, mas exceto por isso a deliberação ocorreu sem maiores incidentes


Uma vez finalizado o processo decisório, L. partiu para a ação, enquanto G. estava muito cansado e preferiu não se envolver diretamente dessa vez





A primeira questão que L. teve que resolver foi a discussão sobre o controverso passeio de pedra: será que era de fato esteticamente agradável ou seria preferível algo mais funcional?

L. examinou cuidadosamente a invenção do arquiteto, examinando em detalhe as pedras





E deu seu veredito: o arquiteto deveria ter escolhido um outro tipo de pedra, que deixasse o "caminho" mais suave, criando assim menos riscos para os membros da família Pinto.


A preocupação de L. era que os membros da família não são muito equilibrados, em especial quando bebem um pouco, como ilustra a foto abaixo:



Depois disso, L. passou para uma análise cuidadosa da qualidade da carne servida





E sua conclusão foi que não apenas faltou coração de galinha na seleção de carnes compradas, mas o churrasqueiro não estava mantendo um padrão de qualidade dado que algumas carnes saiam mal passadas, enquanto outras saiam bem passadas. L. vetou, portanto, o selo de qualidade ISO 9000 para o churrasqueiro, que não gostou do veredito


L. passou então para uma discussão sobre psicanálise, dado que a série sobre psicanálise e cinema organizada pela sociedade de psicanálise de Santos precisa, segundo ela, de alguns aprimoramentos. A organizadora do evento ficou agradecida pelas dicas





L. passou então para uma laboriosa explicação sobre a arte de soprar velhinhas em bolos, dada para a aniversariante da semana.





A aniversariante achou que tinha tido uma grande performance mas, segundo L., ela pode ser ainda aprimorada


Mas L. enfatizou que, com o tempo, a aniversariante iria adquirir mais experiência e aprimorar sua técnica. A aniversariante ficou contente com a perspectiva de melhorar seu desempenho soprando velas de bolo no futuro


L. passou então a tratar das questões relativas ao transporte da família. Começou com os membros da família que são famosos por atingir coisas imóveis, como postes e hidrantes. Para esses membros, L. deu uma explicação detalhada das dimensões de uma veículo automotor e da lei da física que diz que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço





L. passou então a dar aulas de direção para aqueles que estavam pensando em deixar de usar carros para usar motocicletas, dada a crescente aquisição de motos na família Pinto


L. terminou com uma explanação sobre meios alternativos de transporte, que não poluem o meio ambiente e deveria ser considerados como opções pela família. Ela deu inclusive demonstrações de como esses meios alternativos de transporte funcionam



L. passou então para uma análise do tipo de bebida consumida pela família.


Segundo ela, o tipo de cerveja escolhida fazia mal pra pele e deveria ser trocada por cachaça de Parati da próxima vez


E já que L. estava lidando com questões estéticas , ela reparou que alguns membros da família não estavam usando acessórios adequados e decidiu retirá-los para não manchar a imagem da família




Isso foi seguido de uma explicação sobre o tipo de acessórios adequados para um churrasco na laje



Depois desse dia intenso de trabalho, L. estava exausta


L. decidiu, então partir em um transatlântico para repousar e se recompor




Os membros da família Pinto se aglomeraram na laje, tentando visualisar o transatlântico e ficaram acompanhando o navio até o mesmo desaparecer no horizonte



Os que ficaram sobem todos os dias na laje para admirar o entardecer e a lua, aguardando o retorno da nossa guru.