domingo, 29 de março de 2009

Um fim de semana pouco iluminado

Ontem eu estava jantando com uma amiga num restaurante brasileiro quando deu o earth hour - um movimento para todos desligarem as luzes no sábado 8:30pm para aumentar a consciência das pessoas com relação ao consumo de energia elétrica. Os donos do restaurante apagaram todas as luzes e ficamos lá jantando a luz de velas. Foi bem legal e bem bonito.

O que não foi nem legal nem bonito foi a luz na minha casa ter acabado hoje de manhã. Nessas horas que a gente percebe o quanto dependemos de energia elétrica: eu fiquei incapacitada de continuar trabalhando (preciso de computador pra escrever, e luz pra ler...) e tive que ir pro escritório...

Mas ainda há coisas que não dependem de energia elétrica (ainda bem!): justamente na hora que a luz acabou eu estava precisando muito fazer xixi e fiquei muito feliz que nossas privadas ainda funcionam com um esquema mecânico. Vou encabeçar uma campanha contra qualquer pessoa que proponha descargas elétricas...

O blackout veio também pra me lembrar que eu aluguei um apartamento no décimo oitavo andar de um prédio
(exemplar da arquitetura modernista dos anos 60), onde estarei a partir de junho . Quando falei pra minha mãe, ela perguntou se faltava muita luz aqui em Toronto. Eu respondi que faltava muita luz do sol. Por isso um apartamento alto é bom: vai ficar iluminado a maior parte dos curtos dias que temos por aqui durante o inverno. E acrescentei: nunca faltou luz na minha casa aqui em Toronto. Hoje eu tive que morder a língua e pensar que às vezes falta luz elétrica também. E não vai ser muito divertido subir 18 andares de escada quando isso acontecer. Mas acho que se eu chegar lá em cima e estiver tudo iluminado com sol, compensa o esforço. E se eu chegar lá em cima depois do pôr-do-sol, preparo um jantar à luz de velas e tudo bem.



sábado, 21 de março de 2009

Alguém fazendo bom uso do dinheiro público, finalmente!

A rede estadual de ensino em SP adotou um índice para medir a qualidade da educação, e haverá recompensas para performance de até R$ 8.500 reais. Como diz o Dimenstein, isso está longe de ser suficiente para melhorar a educação no Brasil, mas com certeza é um passo importante pra que as coisas comecem a mudar. No embalo da medida, Dimenstein propõe que haja também recompensas e punições para secretários da educação, prefeitos e governadores.

Eu compartilho do entusiasmo com recompensas para professores, mas sou cética com relação à proposta de ter recompensas para políticos. Meu receio vem, em grande parte, de uma experiência africana recente. Uma fundação criada por um magnata africano oferece um prêmio para ex-presidentes que promoveram "boa governança" em seus países. O conceito de "boa governança", todavia, é muito questionável. Alguns indicam que é difícil mensurar, por exemplo, quanto um país tem de estado de direito. Por causa disso, muitos acusam os índices de boa governança, criados pelo Banco Mundial, de simplista. Ou seja, no caso de políticas públicas e reformas institucionais,
medir sucesso sempre será motivo de controvérsia. Além disso, considerar que uma única pessoa foi bem sucedida em implementar reformas, sem reconhecer que sempre há uma equipe por trás desses sucessos e que os mesmos são muita vezes favorecidos por circunstâncias fora do controle de qualquer pessoa ou equipe (como crescimento econômico ou forte apoio e mobilização popular, por exemplo), parece no mínimo injusto.

Em suma, acho que recompensas meritocráticas para professores funcionam bem porque é mais fácil avaliar o sucesso (basta ver o desempenho dos alunos) e atribuí-lo a uma única pessoa. No campo da política, todavia, acho que a melhor recompensa ou punição ainda vem das urnas. Portanto, é melhor investir o dinheiro que iria ser usado para recompensas meritocráticas de representates políticos para outros fins. Que tal comprar mais camisinhas ou construir mais banheiros públicos?



sexta-feira, 20 de março de 2009

Redefinindo as estações do ano

Hoje as 7:45 da manhã começou a primavera em Toronto. Eu ouvia o rádio, enquanto me vestia, e os locutores estavam entusiasticamente fazendo a contagem regressiva desde 7:30 da manhã. Parecia ano novo.

Tudo isso, para 15 minutos depois anunciar que a primavera chegou e a temperatura era de exatamente 12 graus negativos. Essa era a temperatura quando saí de casa as 8:00. O frio era tanto, que pensar que já é primavera não teve qualquer efeito psicológico positivo em mim. Muito pelo contrário.

Além disso, entramos na semana passada no horário de verão. Por sorte, o horário de verão aqui chama "daylight saving time" (o que talvez possa ser traduzido por horário de economia da luz do dia). Ainda bem que eles não chamam isso de horário de verão, senão eu ia sair às ruas pra protestar.


quarta-feira, 18 de março de 2009

E por falar em políticas públicas...

...eu recebi essa semana um email mostrando como que a iniciativa privada pode substituir um estado ineficiente e inépto como o estado brasileiro.

Em pleno carnaval carioca, um sujeito criativo e empreendedor resolveu tratar de um dos problemas mais graves da cidade do Rio de Janeiro: a falta de banheiros públicos. O email vinha com a seguinte descrição "no centro da cidade do Rio de Janeiro, em frente à agência do Banco do Brasil na Rua Senador Dantas, um cara montou uma barraca sobre um bueiro para ganhar uns trocados." E tinha essa foto:


Venhamos e convenhamos: o sujeito tem tino pra coisa. O nome é simplesmente genial: Xixi no Ralo...

Mas se vocês olharem para a foto com cuidado, vão ver que o mercado consumidor é de mulheres somente. Isso acontece porque os homens não têm o menor pudor de fazer xixi na rua no Rio, e portanto não arcam com os custos da falta de banheiros públicos.

E eu não sou a única pessoa preocupada com isso: O Ferreira Gular publicou um artigo na Folha de S. Paulo sobre isso em outubro do ano passado.

Mais do que isso a foto sugere algo que eu já disse antes: eu não acho que a razão pela qual os homens urinam na rua é falta de banheiros. É falta de alguma outra coisa, mas eu não sei bem o que.

Vale ressaltar que o problema da falta de banheiros públicos não é exclusivo do Rio. Os paulistas também sofrem com isso, mas lá a iniciativa privada resolveu o problema de outra forma: publicaram um guia de banheiros que você pode levar consigo e consultar quando a coisa apertar.

Pois é: quando o estado não faz seu trabalho, cada um fica com a iniciativa privada que merece...





domingo, 8 de março de 2009

Cada um com a política pública que merece

Semana passada, um colega entrou no meu escritório com um sorrisinho e perguntou como que o Brasil, o maior país católico do mundo, distribuiu 65 milhões de camisinhas para o carnaval, uma festa que dura cinco dias.

- What's going on in your country?

- "Muito sexo!"

Foi a única coisa que consegui responder, antes de começar a gargalhar. Outros dois colegas, vendo que a conversa estava animada, vieram participar.

Um deles pergunta: ainda estão vendendo ingressos para essa festa?

O primeiro colega, agora sério, insiste:

- Mas como que o governo bate de frente com a igreja católica e distribui essa quantidade de camisinhas?

Tentei explicar pra ele que o Brasil tem uma das políticas mais efetivas de prevenção e combate a HIV/AIDS do mundo, elogiada pela ONU e pela OMS. E o governo decidiu ceder à pressão da realidade, apesar de ter recebido uma oferta dos E.U.A. de 40 milhões de dólares para adotar uma campanha de abstinência. O sucesso da política vêm do reconhecimento de que as pessoas vão fazer sexo e é melhor o governo enfrentar o problema de frente, ao invés de ceder às pressões da igreja católica, ou de qualquer outro grupo conservador que não tenha nada mais útil para fazer.

Um terceiro colega, que faz análise econômica do direito e gosta de números, resolveu intervir:

- Mas eu não acredito que 65 milhões de camisinhas vão ser usadas no carnaval. Se considerarmos que a população do Brasil é de 180 milhões de pessoas e excluírmos crianças (40 milhões) e idosos (40 milhões) sobram 100 milhões. Dado que quando duas pessoas estão fazendo sexo, você precisa de uma única camisinha, seriam necessárias 50 milhões de camisinhas para que todo mundo fizesse sexo pelo menos uma vez durante o carnaval. Como isso é pouco provável, eu acho que as pessoas estão guardando camisinhas em casa (já que é de graça mesmo) para usar durante o ano.

Eu ri. E falei que ele precisava ir um dia visitar o Brasil. Provavelmente depois da visita a conta dele vai ser assim: 50 milhões de casais fazendo sexo durante cinco dias, mais de uma vez por dia. A conclusão é óbvia: o governo está na verdade distribuindo camisinha de menos. E para dar respaldo ao meu argumento, depois da conversa, encaminhei um artigo indicando que o governo brasileiro distribui 600 milhões de camisinhas por ano, mas para a política ser completamente efetiva, seriam necessário 1 bilhão.

Ou seja, ainda estamos longe de estocar caminha em casa às custas do governo...

Apesar de todas essas diferenças, o Brasil e o Canadá têm algo em comum: em ambos países o governo tem intensificado as campanhas para uso de camisinha entre pessoas idosas. O índice de contaminação nesse grupo tem subido significativamente, e trata-se de uma geração que não sabe como ou não tem o costume de usar proteção.

Fora isso, cada um com seus problemas. A gente distribui camisinha, enquanto o Canadá se preocupa com o principal vírus circulando por aqui: o vírus da gripe. E a política pública que eles decidiram adotar é a da "Meleca na Manga":



Eu, sinceramente, acho que eles deviam ter distribuído 65 milhões de lencinhos de papel...










E lá se vai o inverno...

Saio de casa na terça-feira e está menos vinte e cinco graus. O frio é tanto que o pessoal do museu do sapato (Bata Shoe Museum), por onde passo todos os dias, colocou uma escultura de gelo na entrada:




Na sexta-feira, no entanto, a temperatura foi subindo, subindo, e chegou a dez graus positivos! E isso é o que restava da escultura na hora que eu voltei pra casa no fim da tarde:



No fim de semana, tentei sair de bicicleta, mas a chuva incessante de sábado não me deixou. Mas não tem problema: os dias melhores já chegaram e com sorte vão ficar por aqui.



quinta-feira, 5 de março de 2009

Quão poético é Porto Rico?

Em resposta à poesia sobre Porto Rico, segue um retrato não tão poético da ilha:

"I started school in the middle of hurricane season, and the world grew suddenly bigger, a vast place of other adults and children whose lives were similar, but whose shadings I couldn't really explore out of respect and dignidad. Dignidad was something you conferred on other people, and they, in turn, gave back to you. It meant you never swore at people, never showed anger in front of strangers, never stared, never stood too close to people you'd just met, never addressed people by the familiaruntil they gave you permission. It meant adults had to be referred to as Don so-and-so, and Doña so-and-so, except for teachers, who you should call Mister or Missis so-and-so. It meant, if you were a child, you did not speak until spoken to, did not look an adult in the eye, did not raise your voice nor enter or leave a room without permission. It meant adults were always right, expecially if they were old. It meant men could look at women any way they liked but women could never look at men directly, only in sidelong glances, unless they were putas, in which case they could do what they pleased since people would talk about them anyway. It meant you didn't gossip, tattle, or tease. It meant men could say things to women as they walked down the street, but women couldn't say anything to men, not even to tell them to go jump in the harbor and leave them alone.

(...)

I walked home from school full of importance in my green and yellow uniform. It was my most prized possession, the only thing in our house that belonged to me alone, because neither Delsa nor Norma were old enough to go to school.

But school was also where I compared my family to others in the barrio. I learned there were children whose fathers were drunks, whose mothers were "bad", whose sisters had run away with travelling salesmen, whose brothers had landed in prison. I met children whose mothers walked the distance from their house to church on their knees in gratitude for prayers answered. Children whose fathers came home everyday and played catch in the dusty front yard. Girls whose sisters taught them to embroider flowers on linen handkerchiefs. Boys whose brothers took them by the hand and helped them climb a tree. There were families in the barrio with runnin water inside their houses, electric bulbs shining down from every room, curtains on the windows, and printed petroleum on the floors."

Para os que não lêem inglês, segue a tradução chumbrega do www.translate.google.com, com alguns ajustes meus para ficar legível:

"Comecei a escola no meio da temporada de furacões, e todo o mundo cresceu de repente, um grande local de outros adultos e crianças cujas vidas eram semelhantes, mas cujos mistérios eu não poderia realmente explorar por respeito e dignidade. Dignidade era algo que você atribuía a outras pessoas, e estas, por sua vez, conferiam de volta a você. Isso significa que você nunca xingava pessoas, nunca demonstrava indignação na frente de estranhos, nunca encarava, nunca ficava muito perto das pessoas que você acabara de conhecer, nunca abordava pessoas pelos pronomes familiares até que lhe fosse dada permissão. Isso significava que adultos tinham de ser tratados como Don fulano, e Dona fulano, exceto para professores, que você deve chamar senhor ou minha senhora fulano de tal. Significa que, se você fosse uma criança, você não falava com ninguém até que falassem com você, não olhava um adulto no olho, não levantava a voz nem entrava ou saia da sala sem permissão. Significava que adultos estavam sempre certos, especialmente se eles eram idosos. Significava que os homens podiam olhar para as mulheres de qualquer maneira que eles quisessem, mas as mulheres nunca podiam olhar para os homens diretamente, apenas nos olhares de esguelha, a não ser que fossem Putas, que podiam fazer o que quisessem já que as pessoas iriam falar mal delas de qualquer forma. Isso significa que não se podia fofocar, bisbilhotar, ou sacanear. Significava que os homens podiam dizer coisas às mulheres enquanto elas caminhavam pela rua, mas as mulheres não podiam dizer nada para os homens, nem sequer para dizer-lhes para se jogar da ponte e deixá-las em paz.

(...)

Eu ia pra casa a pé da escola, toda cheio de mim no meu uniforme verde e amarelo. Era meu mais valioso bem, a única coisa na nossa casa que pertencia apenas a mim, pois nem Delsa nem Norma, minhas irmãs, tinham idade suficiente para ir à escola.

Mas também foi na escola onde eu comparei a minha família com outras pessoas no bairro. Lá eu aprendi que havia crianças cujos pais eram bêbados, cujas mães eram "más", cujas irmãs tinham fugido com representantes comerciais, cujos irmãos haviam acabado na prisão. Conheci crianças cujas mães caminhavam a distância de sua casa à igreja sobre os seus joelhos para agradecer por orações respondidas. Crianças cujos pais iam para casa todos os dias e jogavam pique-pega no poeirento jardim. Meninas cujas irmãs as ensinavam a bordar flores em lenços de linho. Garotos cujos irmãos pegavam pela mão e ajudavam-nos a subir uma árvore. Havia famílias do bairro com água corrente dentro de suas casas, lâmpadas eléctricas brilhando em cada quarto, cortinas nas janelas, e chão de verdade. "


terça-feira, 3 de março de 2009

Tem certeza?

Não, não tenho certeza se eu quero abandonar todo o colorido da panela e voltar para o branco congelante da geladeira. Mas eu não tive muita escolha. E cá estou.

Esse é meu avião no aeroporto de Toronto:




Depois de chegar aqui, descobri uma coisa interessante: a geladeira não é um branco congelante. Na verdade, ela alterna entre um colorido congelante e um branco monótono.

O branco monótono acontece quando a temperatura está em torno de zero graus e neva.






O colorido congelante acontece quando a temperatura está abaixo dos 25 graus, e o céu fica sem uma única nuvem, o sol brilha como em Porto Rico e tudo se colore de novo:





Essas são fotos tiradas assim que sai de casa num dia branco monótono (mas não congelante) e depois num dia colorido congelante (eu quase não consegui tirar as fotos). Se vocês notarem, eu tava mais ou menos na mesma posição nas três. Assim vocês podem comparar a mesma paisagem nos dois dias.

Portanto, não estou totalmente privada das cores. Eu só tenho que escolher entre ver cores ou poder ficar mais de 30 segundos na rua...

Mas o inverno definitivamente tem seus charmes, como essa fonte congelada:



E quando o inverno não está sendo muito charmoso, as pessoas compensam com simpatia e bom humor:


Enfim, ainda que sem certeza, é bom estar de volta.

Comentários, finalmente!

Os meus próximos posts são em homenagem aos comentários sobre as fotos de Porto Rico.
Espero que sirvam de incentivo para continuarem comentando...