Ninguém precisa ir até a China para descobrir que nossa cultura é diferente da deles. O que você descobre lá é que nossa cultura é diferente nos menores e mais inesperados detalhes. E o momento em que essas diferenças ficam mais evidentes é durante as refeições.
A primeira coisa que chamou minha atenção foi ver como os chineses te servem sem a menor cerimônia. Considerando que todas as refeições são banquetes de mais de vinte pratos, e acrescentando-se a isso o fato de que mais da metade dos pratos são absolutamente irreconhecíveis para ocidentais, ser servido sem ser consultado se torna uma aventura à altura do Indiana Jones.
Essa coisa de ser servida me chamou a atenção por uma razão especial. Em abril, no último mês de aulas, uma aluna chinesa que está fazendo o mestrado em Toronto levou eu e um colega para jantar em um restaurante chinês. Ela disse que tinha gostado muito do curso, e queria nos agradecer. Durante o jantar, todavia, ela passou a noite toda nos servindo, sem nos consultar. Na época, fiquei um pouco ofendida e um pouco confusa com a experiência. Foi só durante a viagem à China que compreendi que esse era o comportamento natural dos anfitriões por lá.
A segunda coisa que chamou minha atenção são as regras, bastante específicas, de onde anfitriões e convidados devem sentar. Umas duas ou três vezes eu cheguei no restaurante, fui sentando, e de repente recebi ordens para ir para o outro lado da mesa. Há vários simbolismos e significados por trás dessas regras, que basicamente dizem quem tem que ficar de costas para a porta ou de frente para a janela, ou uma combinação dos dois. Eu seria incapaz de indicar qualquer regra com precisão, muito menos de reproduzir a explicação que me deram para a existência das mesmas. Mas fica o aviso: se forem à China, aguardem as instruções antes de sentar.
Um terceira coisa interessante que descobri (desta vez lendo as dicas do meu guia sobre como me portar à mesa), é que é falta de educação não deixar comida no prato. Comer tudo indica que seu anfitrião é pobre e na casa dele ou dela não há fartura. A regra vem muito à calhar num contexto em que sempre há um banquete com mais de 20 pratos e as pessoas não param de colocar comida no seu prato sem te consultar.
Por fim, uma das coisas mais intrigrantes de toda a experiência foi descobrir que todos restaurantes têm salas privativas. É basicamente um quartinho com quatro paredes e uma mesa. A princípio, achei bastante estranho ir a uma restaurante e ficar trancada numa sala com a pessoas com quem você está jantando. Porém, depois eu pensei que talvez isso garanta que haja sempre uma janela e uma porta para que todos ficam de costas ou de frente, como mandam as regras. Além disso, é um excelente antídoto contra um outro costume chinês: o de ficar encarando as pessoas. Sempre que vou ao Brasil demoro um tempo para me acostumar com o fato de que as pessoas olham pra você e para suas roupas descaradamente, em qualquer local público (afinal a regra anglo-saxã é evitar contato a qualquer custo, mesmo que seja por olhar). Mas enquanto os brasileiros dão uma olhadelha não discreta, os chineses não se limitam à curta olhadelha. Eles param, e ficam te encarando, por longos minutos. Por causa disso, ao final da viagem, era quase um alívio chegar no restaurante e poder entrar em uma sala longe da vista de todos para cometer todas as minhas gafes mais à vontade!
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