



Fotos do meu passeio de bicicleta no domingo.
"We want women leaders today as never before. Leaders who are not afraid to be called names and who are willing to go out and fight. I think women can save civilization. Women are persons."
- Emily Murphy - 1931
Um estudioso do sistema judiciário brasileiro declarou certa vez que o Ministério Público é que nem jabuticaba: só tem no Brasil. Algo indica que a paquera, do jeito que a conhecemos, também não fica muito atrás em termos de brasilidade. Algo tão natural para todos que vivem no Brasil, a paquera se torna um bicho de sete cabeças quando transplantada para os Estados Unidos. Precisariamos de uma comparação mais global para ver se chega a ser de fato um caso de jabuticaba, mas acho que abaixo vocês encontrarão alguns indícios a favor dessa tese.
Um amigo meu que está estudando nos EUA chegou para mim esses dias furioso: tinha conhecido uma menina que estudava exatamente o que ele estudava. Marcaram um café, conversaram muito, e ele ficou com vontade de conversar mais. Dali a uma semana, mandou um e-mail para a menina perguntando se ela queria sair para tomar uma cerveja. A resposta veio curta e grossa: isso é um “date”? Gostaria de te avisar que sou lésbica. Ele, educadamente, respondeu que não era um “date”, só um repeteco da conversa inicial, que tinha sido muito interessante. Marcaram então um outro café e depois disso nunca mais se viram.
Meu amigo tinha acabado de experimentar diretamente o sistema de paquera norte-americano. As intenções são declaradas de antemão. Não se sai para tomar bebidas alcóolicas, dançar, e se divertir com alguém a não ser que haja intenções de se consumar o ato na sequência.
Um outro amigo, que já tinha mais experiência no assunto, esclareceu que existiam regras. Por exemplo, a conta é paga pelo homem. Se a menina se oferecer para pagar a conta, significa que ela não quer nada com você. Da mesma forma, há uma regra para o tempo que deve se aguardar até retornar a ligação. Ligar no dia seguinte ao encontro é colocar tudo a perder. Demorar muito para ligar também. Enfim, sem saber os códigos de antemão, fica difícil para qualquer brasileiro ser bem sucedido no sistema norte-americano.
O primeiro amigo, que ficou só nos cafés, ficou indignado com essa institucionalização da paquera. O argumento dele era que sem a dúvida, a incerteza, aquela coisa no ar, não tinha graça. Para quê declarar em alto e bom som que isso é um “date” e que há pretensões sérias de envolvimento sexual e/ou amoroso, quando a graça de todo o processo está em enfrentar ou de criar o risco de ter algo a mais ali do que uma simples conversa? Sem isso, toda a sutileza de interpretar o jogo de sinais se esvai e a paquera se torna um contrato formal no qual se diz: a partir do momento em que você aceitar o convite para tomar cerveja você está ciente das minhas segundas intenções e está declarando que você também tem segundas intenções com relação a mim. Sem segundas intenções, não rola cerveja nenhuma. Enfim, no sistema de paquera norte-americano a regra é: nada de incertezas no ar.
Até certo ponto, meu amigo tem razão. Mas eu acho também que há alguns benefícios no sistema norte-americano. Falo isso por experiência própria. Recentemente tive que organizar um evento no Rio de Janeiro e ao lidar com gerentes de restaurantes, administradores de hotéis, organizadores de eventos, donos de empresas de transporte, e agências de turismo ficava sempre em dúvida se o calor humano e a receptividade carioca eram assim tão proeminentes, ou se havia segundas intenções no ar. Consultei um amigo carioca para tirar a dúvida, e saber quando eu deveria me ofender e esclarecer que os termos da relação eram profissionais, e quando eu deveria ficar agradecida com a gentileza e atenção e simplesmente me orgulhar de ter uma país com um povo tão aberto e receptivo. Meu amigo carioca me disse que provavelmente não dava para traçar uma linha: eles estavam todos tentando ser receptivos e calorososos, mas sempre deixando aberta a porta para “algo mais”.
Aqui vai meu desabafo: é duro viver (e principalmente trabalhar) assim. Em especial, acho que é particularmente ofensivo para as mulheres. É como lutar contra um monstro invisível: se você tentar reagir, o sujeito pode se ofender e dizer que nunca sugeriu nada de mais, e se você deixar as coisas como estão, as gentilezas e favores vão se intensificando não por causa das suas qualidades profissionais, mas por causa de outras aptidões. Isso me lembra aquele velho dito popular: “se ficar o bicho come se correr o bicho pega”.
Antes que me chamem de feminista, e achem que eu saio por aí queimando sutiãs, deixe-me apresentar um segundo argumento em defesa do sistema norte-americano. Acho que o sistema norte-americano é mais eficiente. Nesse sistema, não se perde tempo com pessoas que não tem interesse em você. A analogia seria uma firma sair entrevistando pessoas para um emprego sem saber de antemão se as pessoas estariam interessadas em ir trabalhar para a firma. Sem essa seleção prévia, perderia-se muito tempo e recursos em algo que poderia gerar muito poucos frutos. O efeito é o mesmo no plano da paquera: perde-se muito mais tempo e recurso no sistema brasileiro que no norte-americano. É claro que nesse último as relações amorosas e sexuais ficam muito mais impessoais (ou institucionalizadas). O ganho, todavia, é que se tem mais tempo para fazer outras coisas.
Enfim, é difícil dizer que uma é melhor que a outra. Acho que ambas tem vantagens e desvantagens. Talvez paquerar no Brasil seja mais interessante por outras razões. Por exemplo, em geral os brasileiros têm mais sex-appeal que os norte-americanos. Isso, todavia, não diz nada sobre nosso ineficiente sistema de paquera. Talvez uma combinação do sex-appeal brasileiro com um pouco da certeza norte-americana fosse uma boa solução para o impasse. Enquanto isso não ocorre, eu sou obrigada (junto com boa parte das mulheres brasileiras) a usar toda diplomacia para fugir das cantadas não declaradas sem ofender sujeitos que não são mal intencionados, mas deixam sempre abertas as portas das segunda intenções.