quarta-feira, 28 de outubro de 2009

O prenúncio do inevitável

Estou aproveitando o outono enquanto o inverno não vem...







Fotos do meu passeio de bicicleta no domingo.

domingo, 25 de outubro de 2009

Uma versão aprimorada de mim

Semana passada minha irmã me perguntou qual era a causa dos problemas que eu descrevi no meu post sobre desenvolvimento. Eu respondi que tinha muito debate sobre o assunto, mas que eu acreditava bastante nas chamadas teorias culturais do desenvolvimento, que argumentam que a dinâmica social é determinada por uma série de práticas, hábitos, valores e costumes que acabam diferenciando, por exemplo, sociedades em que todo mundo obedece as regras (como o Canadá) e sociedades onde ninguém obedece regra alguma (como o Brasil). Como essas práticas são estabelecidas ao longo da nossa história, e são determinadas por uma série de fatores (como por exemplo, nossa colonização portuguesa, o catolicismo, a escravidão, etc), é muito difícil modificá-las.

Minha irmã não se convenceu da minha teoria cultural de desenvolvimento. Ela argumentou que não era um problema de cultura, mas sim da estrutura da sociedade em que vivemos. O argumento dela era o seguinte: como os motoboys de São Paulo vão parar para fazer um protesto, se eles sabem que aquelas horas vão ser descontadas do pagamento deles e eles podem até ser demitidos se faltarem no emprego? E, ainda que eles assumam o risco de fazer o protesto, qual o incentivo que eles têm, se eles sabem que o governo não vai se sentir pressionado para pensar em políticas públicas adequadas (ou seja, ainda que o custo seja mínimo, o benefício provavelmente será nenhum)? E ela questionou ponto a ponto minha teoria cultural, mostrando que absolutamente tudo que eu estava falando podia ser descrito do ponto de vista da estrutura da nossa sociedade.

A resposta da minha irmã é muito mais esperançosa que a minha, pois é muito mais fácil mudar essas estruturas sociais do que mudar hábitos e costumes arraigados na nossa sociedade ao longo dos séculos. Mas o que mais me impressionou na resposta foi o fato dela ter formulado um argumento que muitos teóricos e acadêmicos formulam, sem nunca sequer ter lido nada sobre o assunto. Minha irmã articulou com precisão o que é conhecido como teorias institucionais de desenvolvimento, sem sequer saber que tal coisa existia. Isso é exatamente o que as escolas no Brasil não ensinam as pessoas a fazer.

As pessoas no Brasil não sabem que há dois tipos de inteligência. Uma inteligência está ligada ao acúmulo de informações. A outra está ligada à habilidade da pessoa de receber uma informação e processá-la analiticamente. Por exemplo, meu pai disse que quando eles estavam fazendo a mudança, o pessoal que estava carregando as caixas ficou impressionado com a quantidade de livro da Mariana. Um dos sujeitos falou:

- Nossa, essa Mariana deve ser um gênio. Acho que dá pra perguntar qualquer coisa pra essa tal de Mariana, que ela deve ter resposta pra tudo.

Ou seja, para esse sujeito, ser um gênio significa que eu tenho a habilidade de armazenar e reproduzir as informações contidas em livros escritos por outras pessoas. Isso, todavia, é um tipo de inteligência que têm muito pouco valor em países como os Estados Unidos e Canadá. Com internet, bancos de dados magníficos, uma produção acadêmica de fazer inveja a qualquer um, e bibliotecárias que encontram tudo que você precisa em questão de horas, as escolas aqui não perdem tempo valorizando memorização. Ao invés disso, as instituições de ensino aqui estão em busca de pessoas que conseguem fazer o que a Sarah fez: ao receber uma informação, elas conseguem analisar e pensar criticamente sobre aquela informação, e articular o pensamento de maneira coerente e sólida. Pra fazer isso, as pessoas não precisam ler. Elas precisam pensar. E quem é inteligente pensa coisas interessantes. E são essas pessoas que escrevem livros. O resto dos mortais são os que lêem livros e conseguem repetir o que os eles disseram. E os gênios são aqueles que pensam alguma coisa que ninguém -- absolutamente ninguém -- tinha pensado antes.

Mas o mais legal é que a minha irmã não é só inteligente assim, mas ela também tem estilo. Ela sabe vestir roupas legais, comprar móveis com desenhos inacreditáveis, e ter uma vida social saudável. Ou seja, minha irmã é cool. E mais do que isso, minha irmã é muito divertida (quem recebeu o e-mail convite pra festa de aniversário dela ontem, sabe do que estou falando). Ou seja, minha irmã é, de longe, uma versão aprimorada de mim.

Por causa disso, ontem eu participei de uma prova da Nike de 10Km em homenagem a ela. Afinal, não é todo mundo que tem a sorte de ter uma irmã assim.




E fica aqui minha 1 hora e 11 minutos de corrida (sem parar para caminhar) todos dedicados a ela.

Feliz Aniversário, S.!











segunda-feira, 19 de outubro de 2009

E por falar de novo em políticas públicas...

...vejam esse filme.

Agora é só calcular se usar as escadas melhora a saúde da população, economizando dinheiro usado na saúde publica. Se as economias geradas forem maiores que o custo do pianinho, é um excelente investimento.

domingo, 18 de outubro de 2009

Às queimadoras de sutiãs, meu muito obrigada!

Depois de alguma divindade canadense ficar ofendida com meu blog (vide post anterior), foi a vez de alguma divindade feminista me mostrar que minha expressão jocosa e esteriotípica na crônica ("antes que pensem que sou uma feminista queimadora de sutiãs...") merecia um puxão de orelha.

Hoje se comemora aqui no Canadá o aniversário de uma decisão judicial muito importante: no dia 18 de outubro de 1929 o Privy Council (a corte britânica para as colônias) decidiu que as mulheres são pessoas. Antes da decisão, a lei que governava o Canadá, chamada British North America Act tinha uma provisão dizendo que as mulheres não eram consideradas pessoas para efeitos de direitos e privilégios. Não ser uma pessoa no sentido jurídico do termo significa que uma mulher não pode, por exemplo, se tornar uma juiza, concorrer para cargos eleitorais, ou ser uma funcionária pública. Graças a um grupo de mulheres conhecido como "Famous Five", a decisão da Suprema Corte Canadense -- segundo a qual as mulheres não eram pessoas -- foi revertida pelo Privy Council e desde então as mulheres são consideradas pessoas no Canadá.


Mas se tornar "pessoas" foi apenas o primeiro de muitos obstáculos. Esse fim de semana eu tive o prazer de conhecer (e bater um longo papo) com a Sylvia Ruegger, que representou o Canadá na primeira maratona olímpica feminina. Até 1984 (!) as mulheres não podiam correr maratonas nas olimpíadas, mas isso não impediu a Sylvia de treinar para a maratona e estar pronta pra competir quando a primeira maratona aconteceu. A história da vida dela é fascinante.

E nessa primeira maratona vencer não era tudo: para muitas corredoras, o mais importante era terminar. O melhor exemplo foi a corredora suiça Gabriela Andersen-Schiess que recusou atendimento médico, apesar de estar sofrendo de insolação e desidratação, porque ela queria cruzar a linha de chegada (vale a pena ver o vídeo). Ela chegou 20 minutos depois da primeira colocada e -- surpreendentemente -- não ficou em último lugar na prova.

E hoje em dia, depois de se tornarem "pessoas", e de conquistarem o direito de correr maratonas, as mulheres ainda têm que lidar com obstáculos. Hoje reencontrei uma amiga que fez o doutorado comigo em Yale. Durante o almoço, ela me contou que o marido dela se opôs veementemente à decisão dela de voltar a estudar. Ela não teve dúvidas: se divorciou e mergulhou de cabeça na tese. Hoje ela dá aula nos Estados Unidos e estava em Toronto esse fim de semana para apresentar um de seus artigos numa conferência. A área de especialidade dela é Women and African American Studies.

Apesar de todas as conquistas formais que aparecem nas decisões judiciais, nas leis e nas bandeiras das ativistas, um grande número de mulheres ainda cede a esses obstáculos invisíveis, como oposição dos maridos. Ou seja, apesar de todas as conquistas, minha amiga ainda representa uma minoria. Ela é o equivalente da corredora suiça no plano acadêmico: apesar da perda, do desgaste físico e emocional, era importante pra ela cruzar aquela linha de chegada. E ela simplesmente juntou todas as forças que ela tinha pra chegar lá.

Por tudo isso, fica aqui o meu muito obrigada a todas essas mulheres que, como diz a Emily Murphy (uma das "Famous Five"), não têm medo de serem chamadas de queimadoras de sutiãs, ou de qualquer outro nome, e estão prontas para sair pro mundo e lutar.
"We want women leaders today as never before. Leaders who are not afraid to be called names and who are willing to go out and fight. I think women can save civilization. Women are persons."

- Emily Murphy - 1931

Canadá e Estados Unidos: gêmeos bivitelinos

O Canadá é muito parecido com os Estados Unidos em muitas coisas. Grande parte da população canadense fala inglês, os costumes e hábitos são similares (vide meu último post) e mesmo fisicamente é difícil distinguir um americano de um canadense. Mas alguma força divina canadense se irritou com meu post na semana passada e passou a semana inteira me mostrando como os dois países são diferentes em muitas coisas.

Segunda-feira passada celebramos o dia de ação de graças aqui no Canadá. A celebração é idêntica à Americana: prepara-se uma ceia enorme para toda a família, com peru, presunto cozido e muito vinho. É como um Natal sem presentes. A única diferença é que a celebração aqui ocorre duas semanas antes da Americana. A diferença nas datas está ligada ao motivo da festa: o dia de ação de graças é o momento em que os fazendeiros agradecem a colheita do ano e celebram a fartura. Como o inverno aqui começa mais cedo, a época de colheita termina mais cedo e o feriado canadense, portanto, não bate com o americano.

Terça-feira eu estava fazendo pesquisa e me deparei, por acaso, com um livro muito interessante chamado Continental Divide, escrito por Seymour Martin Lipset. O livro mostra como ambos os países são nações de imigrantes, mas enquanto o Canadá se define como um mosaico, os EUA se define como um melting pot. O mosaico respeita diferenças entre os grupos e encouraja a diversidade étnica. Por exemplo, Toronto é composta de vizinhanças com diferentes nacionalidades: a portuguesa, a italiana, a grega, a indiana, a polonesa, etc. Cada uma dessas vizinhanças preserva sua cultura, sua língua e vende produtos importados desses países. Outro exemplo é o fato do governo federal ter reconhecido o francês, lingua de uma minoria francófona concentrada em Quebec, como uma das línguas oficiais, junto com o inglês. Já nos EUA, o melting pot tenta incorporar diferentes grupos em um todo unificado e pouco diferenciado (o que o Lipset chama de assimilation). Ou seja, os imigrantes abandonam suas raízes e adotam o american way of life.

Quarta-feira fui no show do Wilco, uma banda americana que faz o maior sucesso por aqui (os ingressos para o show estavam esgotados!). Na metade do show, o vocalista virou para a platéia e falou que em geral eles intercalam músicas com conversas com a platéia, mas aqui em Toronto não dava para fazer isso porque o show tinha que terminar as 11pm em ponto. Por isso eles estavam tocando sem parar. Daí ele falou: - a gente não está acostumado a ter um horário rígido pra terminar shows, mas aqui em Toronto a gente é obrigado a respeitar os sindicatos...

E, de fato, os sindicatos canadenses são muito fortes e entram em greve, o que raramente acontece nos EUA. Durante o verão, por exemplo, os funcionários da prefeitura entraram em greve e a cidade ficou quase um mês inteiro sem coleta de lixo. As universidades públicas também entram em greve, como o caso da York University, que passou alguns meses em greve no ano passado. Esse tipo de coisa raramente a gente vê nos Estados Unidos. Para vocês terem uma idéia, na universidade todos os professores recebem uma lista, preparada pelo sindicato das secretárias, com as tarefas que fazem parte da função delas. Se eu pedir para minha secretária fazer algo que não está na lista -- como tirar cópias -- ela educadamente tira a lista da gaveta e me diz que aquilo não está incluído. Daí eu tenho que pedir para um assistente de pesquisa tirar as cópias, já que os estudantes não têm sindicato ainda...

Na quinta-feira, o programa matinal de entrevistas no rádio era sobre o sistema de saúde norte-americano. O Obama está tentando convencer o congresso a aprovar uma reforma no sistema de saúde. O plano do Obama é aumentar o sistema público de saúde, seguindo o modelo canadense e britânico. Os grupos contrários à reforma começaram a colocar propagandas na tv, sugerindo que o sistema canadense não funciona. Isso gerou o maior debate pois, segundo os representantes do governo canadense, grande parte das alegações veiculadas na midia americana são infundadas, imprecisas e distorcidas. Até o Michael Moore, que fez um filme sugerindo que o sistema canadense é ótimo, concedeu uma entrevista. Mas o fato é que, diferentemente dos EUA, o sistema aqui é todo público e parece que isso vai continuar ainda por um bom tempo na lista de diferenças entre os dois países, apesar dos esforços do Obama.

Na sexta-feira, eu recebi um email com um link para um site do governo com dados sobre brasileiros vivendo no exterior. Estima-se que 1.5 milhões de brasileiros vivam nos Estados Unidos, e apenas 20 mil no Canadá. Ou seja, os padrões de imigração também são significativamente diferentes entre os dois países. Não sei se os brasileiros preferem os EUA porque eles têm medo de sistemas públicos de saúde e sindicatos, ou se eles simplesmente preferem um inverno que começa mais tarde e termina mais cedo. Independente da razão, acho que quem decidiu emigrar para os EUA não sabe o que está perdendo. Mas isso é uma conversa longa que vai ficar para outro post...


sábado, 10 de outubro de 2009

PDA, Paqueras e Pessoas Impessoais

Todo dia eu acordo e ligo o rádio para ouvir a previsão do tempo, as notícias do dia, e um programa de entrevistas. Assim, enquanto eu me visto, eu consigo saber qual a temperatura lá fora para sair adequadamente vestida (porque pode estar um sol de rachar e menos 25 graus...). Enquanto eu coloco o bule no fogão e os ovos na frigideira, eu consigo me informar das notícias do dia, para não chegar na faculdade sem saber que eclodiu a terceira guerra mundial (como aconteceu comigo no atentado de 11 de setembro de 2001 nos EUA).E me entretenho com algum assunto interessante enquanto termino de tomar meu café da manhã.

Na última quinta-feira, depois da previsão do tempo e das notícias,
começou o programa de entrevistas, que tratava da nova moda entre os jovens adolescentes de Toronto: se cumprimentar com um abraço. O programa mostrava a discussão em torno do assunto, com pais e educadores contra ("mandamos eles para escola para estudar, não pra ficar abraçando outros jovens..."), jovens a favor (ainda que os socialmente desajustados não gostassem muito da idéia) e médicos indecisos (alguns estavam preocupados com a adoção dessa nova moda diante da epidemia do vírus H1N1, enquanto outros consideravam que os hormônios produzidos durante o abraço ajudam a reduzir o stress).

Depois de entrevistar todo esse pessoal, a apresentadora do programa começou a listar as regras que governam a etiqueta em torno do abraço no Canadá (e imagino que nos Estados Unidos também), que são as seguintes:

1. regra dos 20 cm: suas mãos devem ser colocadas 20 cm acima da cintura da pessoa que vc está abraçando (senão acho que o abraço fica muito sensual pro gosto deles...)

2. regra dos 3 segundos: a partir do momento que o abraço começar, conte três segundo e encerre o abraço (será que isso é tempo suficiente pra começar a produzir os hormônios?)

3. regra da cabeça: mantenha sua cabeça sempre à esquerda da cabeça da pessoa que vc vai abraçar (para evitar que o abraço se transforme em um beijo...) e mantenha ela erguida durante o abraço (nada de checar se a pessoa colocou perfume hoje porque isso é invasão de privacidade!).

4. tapinhas: é recomendado que homens usem o tapinha nas costas (pra sinalizar que apesar da demonstração de afeto, ainda são mucho machos...)

Curiosamente, as regras não foram objeto de discussão no programa. Acho que se assume que são universalmente aceitas por aqui e talvez o pessoal do rádio só tivesse tentando educar os imigrantes desinformados como eu, que saem por aí abraçando todo mundo durante 5 ou 6 segundos...

Mas se ter essas regras já soa estranho pra qualquer brasileiro, deve soar mais esquisito ainda ter uma discussão pública sobre adolescentes se abraçando. Isso merece um esclarecimento: o debate só está acontecendo por que há uma outra regra - no PDA. PDA é a abreviação de Public Demonstration of Affection. A melhor tradução da regra seria: é proibida qualquer demonstração de afeto em público. E, de fato, aqui as pessoas não dão beijos de língua na rua, como elas frequentemente fazem no Brasil (em especial no Rio). Sempre que eu vejo um casal andando de mãos dadas, eu digo pra mim mesma: aposto que são brazucas (e 95% das vezes eu estou certa).

Vocês devem estar se perguntando: mas o que é aceito? A resposta é: muito pouco. Em ocasiões sociais você apenas aperta a mão das pessoas quando for apresentado(a). Depois disso, provavelmente você nunca mais vai encostar naquela pessoa. Ou seja, um aperto de mão de vezes em quando pode, mas nada de beijos, abraços e chamegos de qualquer natureza, em qualquer ocasião. Ou seja, tem uma quinta regra na lista que eu apresentei: evite sempre que puder.

Portanto, para os canadenses, um bando de adolescentes se abraçando na escola de manhã seria o equivalente a alunos de segundo grau ou de cursindo chegarem de manhã para assistir aula, tirarem a roupa, e começarem a transar ali mesmo no corredor, todos ao mesmo tempo. Tenho certeza que isso ia gerar um debate no Brasil...

E as regras norte-americanas não páram aí. Há regras também para a paquera (dating) que eu descrevi em uma crônica, em 2006. Escrevi a crônica quando ainda estava nos EUA, mas fiquei sabendo hoje que as mesmas regras se aplicam ao Canadá...

Divirtam-se!



Paquera é que nem jabuticaba?

Um estudioso do sistema judiciário brasileiro declarou certa vez que o Ministério Público é que nem jabuticaba: só tem no Brasil. Algo indica que a paquera, do jeito que a conhecemos, também não fica muito atrás em termos de brasilidade. Algo tão natural para todos que vivem no Brasil, a paquera se torna um bicho de sete cabeças quando transplantada para os Estados Unidos. Precisariamos de uma comparação mais global para ver se chega a ser de fato um caso de jabuticaba, mas acho que abaixo vocês encontrarão alguns indícios a favor dessa tese.

Um amigo meu que está estudando nos EUA chegou para mim esses dias furioso: tinha conhecido uma menina que estudava exatamente o que ele estudava. Marcaram um café, conversaram muito, e ele ficou com vontade de conversar mais. Dali a uma semana, mandou um e-mail para a menina perguntando se ela queria sair para tomar uma cerveja. A resposta veio curta e grossa: isso é um “date”? Gostaria de te avisar que sou lésbica. Ele, educadamente, respondeu que não era um “date”, só um repeteco da conversa inicial, que tinha sido muito interessante. Marcaram então um outro café e depois disso nunca mais se viram.

Meu amigo tinha acabado de experimentar diretamente o sistema de paquera norte-americano. As intenções são declaradas de antemão. Não se sai para tomar bebidas alcóolicas, dançar, e se divertir com alguém a não ser que haja intenções de se consumar o ato na sequência.

Um outro amigo, que já tinha mais experiência no assunto, esclareceu que existiam regras. Por exemplo, a conta é paga pelo homem. Se a menina se oferecer para pagar a conta, significa que ela não quer nada com você. Da mesma forma, há uma regra para o tempo que deve se aguardar até retornar a ligação. Ligar no dia seguinte ao encontro é colocar tudo a perder. Demorar muito para ligar também. Enfim, sem saber os códigos de antemão, fica difícil para qualquer brasileiro ser bem sucedido no sistema norte-americano.

O primeiro amigo, que ficou só nos cafés, ficou indignado com essa institucionalização da paquera. O argumento dele era que sem a dúvida, a incerteza, aquela coisa no ar, não tinha graça. Para quê declarar em alto e bom som que isso é um “date” e que há pretensões sérias de envolvimento sexual e/ou amoroso, quando a graça de todo o processo está em enfrentar ou de criar o risco de ter algo a mais ali do que uma simples conversa? Sem isso, toda a sutileza de interpretar o jogo de sinais se esvai e a paquera se torna um contrato formal no qual se diz: a partir do momento em que você aceitar o convite para tomar cerveja você está ciente das minhas segundas intenções e está declarando que você também tem segundas intenções com relação a mim. Sem segundas intenções, não rola cerveja nenhuma. Enfim, no sistema de paquera norte-americano a regra é: nada de incertezas no ar.

Até certo ponto, meu amigo tem razão. Mas eu acho também que há alguns benefícios no sistema norte-americano. Falo isso por experiência própria. Recentemente tive que organizar um evento no Rio de Janeiro e ao lidar com gerentes de restaurantes, administradores de hotéis, organizadores de eventos, donos de empresas de transporte, e agências de turismo ficava sempre em dúvida se o calor humano e a receptividade carioca eram assim tão proeminentes, ou se havia segundas intenções no ar. Consultei um amigo carioca para tirar a dúvida, e saber quando eu deveria me ofender e esclarecer que os termos da relação eram profissionais, e quando eu deveria ficar agradecida com a gentileza e atenção e simplesmente me orgulhar de ter uma país com um povo tão aberto e receptivo. Meu amigo carioca me disse que provavelmente não dava para traçar uma linha: eles estavam todos tentando ser receptivos e calorososos, mas sempre deixando aberta a porta para “algo mais”.

Aqui vai meu desabafo: é duro viver (e principalmente trabalhar) assim. Em especial, acho que é particularmente ofensivo para as mulheres. É como lutar contra um monstro invisível: se você tentar reagir, o sujeito pode se ofender e dizer que nunca sugeriu nada de mais, e se você deixar as coisas como estão, as gentilezas e favores vão se intensificando não por causa das suas qualidades profissionais, mas por causa de outras aptidões. Isso me lembra aquele velho dito popular: “se ficar o bicho come se correr o bicho pega”.

Antes que me chamem de feminista, e achem que eu saio por aí queimando sutiãs, deixe-me apresentar um segundo argumento em defesa do sistema norte-americano. Acho que o sistema norte-americano é mais eficiente. Nesse sistema, não se perde tempo com pessoas que não tem interesse em você. A analogia seria uma firma sair entrevistando pessoas para um emprego sem saber de antemão se as pessoas estariam interessadas em ir trabalhar para a firma. Sem essa seleção prévia, perderia-se muito tempo e recursos em algo que poderia gerar muito poucos frutos. O efeito é o mesmo no plano da paquera: perde-se muito mais tempo e recurso no sistema brasileiro que no norte-americano. É claro que nesse último as relações amorosas e sexuais ficam muito mais impessoais (ou institucionalizadas). O ganho, todavia, é que se tem mais tempo para fazer outras coisas.

Enfim, é difícil dizer que uma é melhor que a outra. Acho que ambas tem vantagens e desvantagens. Talvez paquerar no Brasil seja mais interessante por outras razões. Por exemplo, em geral os brasileiros têm mais sex-appeal que os norte-americanos. Isso, todavia, não diz nada sobre nosso ineficiente sistema de paquera. Talvez uma combinação do sex-appeal brasileiro com um pouco da certeza norte-americana fosse uma boa solução para o impasse. Enquanto isso não ocorre, eu sou obrigada (junto com boa parte das mulheres brasileiras) a usar toda diplomacia para fugir das cantadas não declaradas sem ofender sujeitos que não são mal intencionados, mas deixam sempre abertas as portas das segunda intenções.


quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Comemorações

Hoje eu recebi um email me convidando para participar das comemorações do dia do controle dos cartéis no Brasil (abaixo) e resolvi comemorar comprando um garrafa de vinho no monopólio da província de Ontario para revenda de bebidas alcóolicas (LCBO).


Please find enclosed an advertisement published in one of the most important Brazilian weekly magazines (Revista Veja) by the Ministry of Justice. This advertisement is part of the campaign for the "Anticartel Enforcement Day" that will be celebrated tomorrow - October 8th. This year, the President of Brazil, Mr. Luiz Inacio Lula da Silva will participate in the official events, due to the fact that Brazilian Competition Authorities will execute two new cooperation Agreements with foreign antitrust agencies.

(vou poupar vocês dos detalhes...)

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Um mestre das políticas públicas

No fim da semana passada a faculdade organizou uma conferência para homenagear um de nossos colegas, o Michael. Ele é mundialmente famoso por trabalhar com as mais diversas políticas públicas, incluindo políticas para desenvolvimento. Atualmente ele está desenvolvendo argumentos contra a adoção de energia eólica e já comprou uma briga pública com as empresas de moinhos de vento (com direito a debate nos principais jornais do país e tudo). O último editorial saiu no mesmo dia em que a conferência começou.

Qualquer semelhança entre o Michael e Dom Quixote, todavia, é mera coincidência. As brigas dele são contra coisas que importam. Antes de começar a lutar contra os moinhos de vento, o Michael tinha sido convidado para avaliar o sistema de assistência jurídica gratuita do governo de Ontario (acho que é o equivalente da nossa defensoria pública). Ele produziu um relatório dizendo que o sistema funciona para quem é muito pobre, mas a classe média fica a ver navios, pois eles não têm dinheiro pra pagar advogados nem são pobres o suficiente pra receber a assistência gratuita do governo. E, segundo ele, tem um número significativo de pessoas nessa situação.

Eu tinha achado interessante o relatório até ver hoje um exemplo concreto na minha frente. O faxineiro da escola chegou passando mal, vomitando, etc. Falei pra ele ir para o hospital e ele me explicou que aquilo era resultado da uma operação mal sucedida de catarata, que tinha sido seguida por outras seis operações corretivas (que aparentemente também não deram em nada). O resultado é que ele sente dores horríveis porque a pressão ocular dele não está sob controle. Perguntei se ele pensou em processar o médico. Ele me disse que procurou um advogado e que teria que desembolsar 100.000 doláres pra entrar com a ação na justiça. Só a perícia médica inicial custa 10.000 dólares. Perguntei se ele não qualificava para ajudar gratuita do governo. Ele falou que não porque ele tinha emprego e tinha uma casa (que só vai ser efetivamente dele quando ele terminar de pagar a hipoteca daqui a trinta anos). Portanto, ele não entrava no programa. Só depois dessa conversa eu entendi a dimensão do problema: esse sujeito perdeu parte da visão, tem com frequência dores horríveis e não pode processar o médico que fez a burrada.

A briga do Michael é contra políticas públicas que não se baseam em evidência e fatos e não fazem uma análise cuidadosa de custo-benefício. Por exemplo, ele argumenta que todo mundo compra a idéia de que energia eólica protege o meio ambiente, porque emite menos gás carbônico. E, de fato, se comparada a energia produzida pela queima de carvão, isso é verdade. A pergunta dele é a que custo. Ou seja, será que poderíamos estar reduzindo a emissão de gás carbônico de outra forma, e usando o dinheiro economizado para outros fins (que podem inclusive incluir diminuir ainda mais as emissões)? Ele acha que sim.


Por acaso, hoje eu li um estudo sobre os custos da energia eólica no Brasil. Se comparado a outros países, o custo dessa energia é significativamente mais alto no Brasil. Se o Michael já acha que os custos são maiores que os benefícios no Canadá, imagina o estrago da brincadeira pra gente...

O mais irônico, todavia, foi sair da conferência (que foi em grande parte focada em políticas públicas) e ficar sabendo de uma das politicas públicas mais burras da história. Uma menina de Cairo, Egito, me contou que quando a epidemia da gripe suína eclodiu no México o governo egípcio mandou matar todos os porcos. Baseado em que?, eu perguntei. Ela disse que a decisão foi baseada na crença (infundada) de que a doença era transmitida pelos animais para as pessoas. Segundo ela, a gripe do frango era transmitida diretamente pelos animais e matou muita gente no Egito. O problema, todavia, é que o governo agiu antes de checar se isso era verdade ou não no caso da gripe suína. Um exemplo grotescto de política pública que não é baseada em evidência empírica, mas em achismo.

E fica pior! Os porcos são usados no Egito para consumir a parte perecível do lixo urbano. Portanto, nos depósitos de lixo os porcos se encarregam de eliminar os dejetos orgânicos. Com a eliminação dos porcos, acumulou-se o lixo orgânico e, segundo um amigo meu que esteve no Egito esse verão, a cidade estava empesteada. O cheiro de lixo por todos os lados era insuportável. Esse é o melhor exemplo da falta de qualquer análise de custo benefício da parte do governo. O resultado é: eles não salvaram nenhuma vida matando os porcos, e vão ter gastos significativos com a saúde pública devido ao lixo acumulado...

Fica, portanto, a lição: se puderem, antes de implementar qualquer política pública no Brasil, consultem o Michael.