terça-feira, 10 de novembro de 2009

Por favor, não se mirem no exemplo daquelas mulheres de Atenas

Semana passada, enquanto eu caminhava pelas ruas de Santos com a minha mãe, tivemos a oportunidade de ouvir a seguinte conversa entre uma mãe e sua filha, de uns nove anos:

- Mãe, porque você não fala com o Pedrinho?
- Ah, minha filha. Acho que não vai resolver o problema falar com o Pedrinho. Você sabe que o Pedrinho não fala muito e não gosta de conversar.
- Por que o Pedrinho não gosta de conversar?
- Porque os homens são assim, minha filha. Eles não falam. Eles se entendem, de alguma forma, sem se falar.
- E as mulheres, mãe?
- Ah, minha filha, as mulheres adoram falar. Você não vê? Quando junta um monte de mulher, elas não param de falar.

Tanto eu quanto minha mãe achamos graça da conversa, mas provavelmente por razões distintas. Minha mãe deve ter achado graça da menina curiosa descobrindo as complexidades do mundo em que vivemos. Em contrapartida, eu achei engraçado que, enquanto a menina estava descobrindo as complexidades do mundo aos 9 anos, eu só estou descobrindo elas agora.

Recentemente eu comecei a participar de um clube de corrida com mulheres e foi só então que eu percebi que existe uma dinâmica bastante única quando se está em um grupo só de mulheres. Fala-se muito. Fala-se de todos os assuntos. Todas falam ao mesmo tempo e os tópicos não seguem qualquer ordem lógica. O assunto começa, se perde, aparece de novo e de repente já foi atropelado por alguma outra coisa. E fala-se de coisas pessoais. Para quem não foi treinada na dinâmica, como eu, é difícil acompanhar o ritmo. Os homens, em contrapartida, têm conversas mais lineares, mais ordenadas, mais contidas e certamente menos pessoais. As diferentes dinâmicas se devem, em parte, ao fato de que a estrutura do pensamento dos homens é diferente da estrutura de pensamento das mulheres.

Daí eu comecei a pensar por que diabos eu não era treinada naquela dinâmica. E não foi difícil descobrir: na maior parte da minha vida adulta, eu interagi primordialmente com homens. Já no segundo grau, o número de de professores homens superava em muito o de mulheres. Na faculdade, o número de professoras mulheres era irrisório. No escritório de advocacia, havia uma única sócia, em outro departamento (ou seja, nossa interação se limitava a um "oi" quando nós nos encontrávamos no banheiro). Todo mundo que podia me dar ordens (sócios e advogados sêniors) eram homens. No centro de pesquisa, de quarenta pesquisadores, eu era uma dentre duas mulheres.

Os números melhoraram um pouco quando fui morar nos Estados Unidos e depois no Canadá (minha orientadora no doutorado era uma mulher e a diretora da faculdade de direito aqui também é). Mas, ainda assim, aqui em Toronto eu trabalho primordialmente com colegas homens. Ou seja, no dia-a-dia, eu lido mais com homens do que com mulheres, desde que entrei no segundo grau até hoje. E o mais interessante é que eu nunca tinha percebido isso.

Eu podia facilmente ter virado uma feminista, mas curiosamente eu não virei. E hoje eu descobri que não estou sozinha. Uma jornalista que foi editora do Wall Street Journal publicou um artigo interessantíssimo no New York Times falando que tem uma geração inteira de mulheres como eu. Segundo ela, essa geração de mulheres assumiu que igualdade era um fato da realidade. Muitas olharam com desprezo para o movimento de liberação das mulheres (movimento feminista). Isso era considerado uma coisa que mulheres histéricas, mal-humoradas e rancorosas tinha feito no passado. Essas mulheres acharam que já tinham superado isso. Eram pós-feministas. Afinal, elas viviam em pé de igualdade com os homens.

Porém, quando elas saíram para o mundo, descobriram que as coisas não eram bem assim. E não eram mesmo. Eu, pessoalmente, tenho uma história pra adicionar à lista de histórias no artigo. Um professor, ao ouvir sobre meus planos de estudar no exterior, perguntou porque eu queria ir para os Estados Unidos. Eu disse que o mestrado lá tinha mais prestígio e era mais valorizado pelos escritórios de advocacia no Brasil. Ele imediatamente respondeu que eu devia era fazer mestrado no Brasil pois isso era suficiente para garantir uma vaga na academia jurídica brasileira. Quanto ao escritório de advocacia, o conselho ele era aproveitar o privilégio de ser mulher, pois isso significava que eu podia ser acadêmica em tempo integral, sendo sustentada pelo meu marido. Os homens, infelizmente, não tinham essa "privilégio". Vocês podem imaginar que minha resposta não foi humilde, e muito menos educada...

De novo, eu não estava sozinha. O artigo do NYT mostra que essa geração batalhou para mudar as coisas e, de fato, não só paramos de ouvir desaforos, mas os números mudaram. Vivemos hoje em um mundo dominado por mulheres. Elas ocupam posições importantes em cargos públicos ao redor do mundo e, ao menos nos Estados Unidos, já compõem metade da população econômicamente ativa e provêm o sustento da família em 40% dos lares. Nada mal pra quem não era sequer considerada pessoa há algumas décadas atrás...

Mas o mais interessante do artigo é que ele também mostra que esse sucesso é, em grande parte, ilusório. O números mudaram, mas as atitudes não. O problema não é só de número, mas também de percepções que, segundo a autora, só vão ser mudadas se nós mudarmos os termos da conversa. Nesse sentido, ela sugere três medidas:

1. Meninas precisam assumir riscos.

Precisamos falar para as meninas que elas precisam ter auto-confiança, e que elas não precisam ser sempre "boas meninas". Meninas precisam ser agressivas no mercado de trabalho. Precisam pedir promoção. Precisam brigar por seu espaço, como os homens fazem. Meninas também precisam aprender a apostar. Elas precisam rejeitar essa cultura que celebra a perfeição das mulheres em manter sua aparência física e sua casa em perfeita ordem. Elas precisam aprender que vão falhar, as vezes, e suceder outras, mas no processo de assumir riscos vão aprender muito.

2. Meninas precisam aprender a ter senso de humor

Nesse mundo cruel, isso é imprescindível não só para se sobreviver como também para manter sua sanidade mental. Para os que lêem inglês, não percam a história do cartão de Natal que a Martha Stewart mandou para amigos e conhecidos quando estava na prisão.

3. Meninas precisam perder o medo de serem meninas.

E aqui nós voltamos à Santos. A mãe estava fazendo exatamente isso: mostrando que mulheres têm uma cultura diferente dos homens. O que ela podia fazer também é enfatizar que essas diferenças nos dão várias vantagens sobre os homens. Segundo a autora do artigo, mulheres são mais capazes de suportar dificuldades e sofrimento. Mulheres também definem sucesso de forma diferenciada e muito mais relativizada que os homens. Por exemplo, poder ficar em casa com seus filhos também pode ser uma medida de sucesso. Em suma, mulheres não apenas são capazes de ocupar posições importantes e ter salários altos como homens, mas elas também têm uma capacidade de lidar com tempos difíceis que podem dar a elas uma grande vantagem em tempos de crise, como os tempos atuais.

E, como não poderia deixar de ser, essa conversa toda aconteceu em uma roda virtual de mulheres: a mãe na rua, falando com a filha, a editora escrevendo no New York Times, e eu blogando sobre o assunto depois de ter presenciado a conversa com a minha mãe. Acho que isso só prova que além de sermos mais resistentes a tempos difíceis, nós continuamos sendo mais tagarelas. E talvez essa capacidade de se comunicar é exatamente o que nos dá forças para suportar tempos difíceis. Se algum cientista provar que isso é verdade, acho que merecia uma manchete de jornal: "Mulheres provam que quem tem boca não só vai, mas também conquista Roma."

3 comentários:

cláudio disse...

Por aqui, em nossa pátria amada, ainda há muito a caminhar ...

Segue artigo publicado na Folha de S. Paulo em 10/11/2009.

"O CRIME DE SER MULHER"

ELIANE CANTANHÊDE

BRASÍLIA - Noutro dia, uma mulher de mais de 60 anos foi amordaçada, torturada e violentada por um criminoso que entrou na sua casa, em Brasília, fazendo-se passar por bombeiro eletricista.

É dramático, mas comum. Pior foi a entrevista da delegada (delegadaaa!) a uma rádio, em que ela nem sequer fez referência ao crime e ao criminoso, centrando suas suspeitas (ou seriam certezas?) sobre a própria vítima: se nunca tinha visto o homem, como entabulou conversa com ele? Se morava sozinha, como deixou o estranho entrar? E sentenciou: "Há muita coisa estranha nessa história".

Nada disse sobre o estupro, a violência, a covardia, as escoriações, as muitas horas que a mulher havia ficado ferida, amarrada e amordaçada. No inconsciente da delegada, a vítima era a ré. Afinal, uma mulher madura, sozinha, sabe-se lá!

É o que ocorre na Uniban, quando vândalos recalcados promovem uma rebelião, perseguem, ameaçam e humilham uma colega indefesa, porque... Por que mesmo? Ah, sim! Era insinuante. E ela é que acaba expulsa pelo conselho universitário, até o reitor agir. A vítima virou ré. Afinal, uma mulher jovem, bonita, de saia curta...

São dois casos bastante simbólicos. No de Brasília, não foi um policial bruto e machista que inverteu as condições de vítima e réu: foi uma delegada mulher. No da Uniban, quem embolou os personagens foi o conselho de uma entidade acadêmica, que foi criada e é regiamente paga para cuidar da educação (e da segurança) dos filhos alheios.

Se a delegada e a cúpula da escola são os primeiros e mais insensíveis algozes, para onde correr? A quem recorrer? O "mal" e o "bem" se embaralham cruelmente, e a vítima passa a ser cada vez mais vítima -na condição de ré.

PS - Por falar nisso, no Estado de Maluf e na capital de Pitta, quem é condenada e paga a conta é Luiza Erundina. É de rir ou de chorar?

Anônimo disse...

muito bom seu texto!
só prefiro o outro título...
beijos
sua sister

Anônimo disse...

part of the post is incomprehensible with the translation, but I got the gist of it. It's funny! I don't think you are behind in knowing men and women or that there is a theory for why you don't fit the prototype. Sometimes people just have different personalities!

N.