Enquanto eu estava no Brasil, meus pais me convidaram para assistir um dos programs favoritos deles, o programa da Oprah. Por coincidência, essa semana a Oprah anunciou que vai parar de fazer o "talk show". Achei, portanto, que valia a pena relatar aqui minha experiência. Afinal, essa foi provavelmente a primeira e a única vez em que vou ver ela em ação.
No dia em que eu assisti o programa, o tema eram as cidades que se auto-declararam as mais felizes do mundo. Segundo uma pesquisa da revista Forbes, o Rio de Janeiro não só estava na lista, mas estava no topo da lista. Portanto, não era um show comum - havia todo um alvoroço sobre o fato de que o Brasil ia aparecer no show. Mas o mais interessante (ao menos pra mim) não foi ver meu país retratado no famoso "talk show", mas foi pensar, ainda na metade do programa, que eu tinha descoberto a fórmula da felicidade.
A Oprah tinha entrevistado uma médica em Dubai que estava explicando como era a vida lá. A médica disse que eles não pagavam impostos. A Oprah perguntou como que eles não pagavam impostos. A médica explicou que eles não pagavam impostos lá por que eles ganhavam menos que em outros países.
(pausa para meus leitores relerem a frase anterior. Sim, ela disse isso.)
Vale ressaltar que a mulher tinha uma boa educação: falava inglês fluentemente e tinha diploma universitário. E ela não apenas era médica, mas morava em uma mansão com vários empregados, babás, etc. Ainda assim, era ignorava o fato de que qualquer estado, em qualquer país, precisa recolher impostos para funcionar. Alguém tem que pagar o salário dos servidores públicos e ninguém precisa de diploma universitário pra entender que dinheiro não cai do céu. Portanto, se Dubai não cobra impostos dos seus cidadãos, é porque tem alguma outra fonte de renda (petróleo, no caso).
Daí chegou o tão esperado momento de ver o Rio. Aparece uma carioca de classe média mostrando a casa, os filhos, a empregada, etc. Daí vem a entrevista com a Oprah. A Oprah pergunta sobre as várias mortes que ocorreram alguns dias antes, em um confronto entre policiais e traficantes em um dos morros. A carioca responde que todos os cidadãos sentiam muito pelas famílias das vítimas e que as mortes tinham sido uma tragédia. Daí a Oprah pergunta como o Rio é feliz com tanta violência. E a carioca explica que violência não é uma coisa do dia-a-dia da cidade. Notem que tem um não na frase. Eu só consegui me perguntar em que ano essa mulher parou de ler os jornais. Deve ter sido há pelo menos uma década atrás. Ou a mulher considera que Rio quer dizer Zona Sul, e que as mortes que ocorrem diariamente fora da Zona Sul não contam nas estatísticas. Precisamos só avisar o prefeito que a cidade encolheu e ele não precisa mais se preocupar com o resto...
Enfim, as cidades mais felizes do mundo têm uma coisa em comum: a distância entre a fantasia e a realidade é tão grande que as pessoas conseguem ser felizes. Afinal, elas não vivem naquelas cidades de fato, mas no mundo de fantasia que elas criaram.
Estava eu feliz com minha conclusão sobre o segredo da felicidade até ler um artigo alguns dias depois do show que me fez perguntar se a relação de causalidade é essa mesmo. O artigo falava de uma pesquisa recente, segundo a qual pessoas mal-humoradas tem melhor memória e melhor percepção da realidade. Ou seja, a dúvida que surgiu na minha cabeça é a seguinte: se todas as pessoas que são felizes ignoram a realidade, o que é causa o que é consequência? Pode ser que as pessoas sejam felizes porque ignoram a realidade, como eu sugeri há pouco. Mas pode ser o contrário, como sugere essa pesquisa:
The study, authored by psychology professor Joseph Forgas at the University of New South Wales, showed that people in a negative mood were more critical of, and paid more attention to, their surroundings than happier people, who were more likely to believe anything they were told.
Isso sugere que talvez as pessoas não percebem a realidade porque são felizes e não o contrário. Se isso for verdade, continuamos sem saber o que pode fazer algumas pessoas mais felizes que outras, já que a ignorância é consequência (e não causa) da felicidade. Mas eu ainda tenho certeza que a médica que ignora o tipo de governo que eles tem em Dubai, e a carioca que ignora a violência no Rio são ainda mais felizes por viverem numa ilha da fantasia que elas mesmas criaram.
O que fazer com esse povo? Como diz minha sábia prima: "Tá feliz? Deixa". Um dia os pobres vão descer armados do morro no Rio pra contar umas verdades para as classes média e alta. Ou, como parece prever a The Economist, se a desigualdade continuar a diminuir, os pobres vão virar classe média, entrar no consumismo pouco sensato dessa classe, e o país vai crescer ainda mais. Para isso acontecer, todavia, a atual classe média precisa perceber que políticas de redução da desigualdade como bolsa família aumentam as chances da segunda hipótese, e reduzem a probabilidade da primeira hipótese acontecer. Se eles não perceberem isso a tempo, meu conselho pra classe média brasileira é: aproveitem bastante, que a felicidade vai ser eterna enquanto durar.
2 comentários:
Oi Mariana:
Chegamos do Rio. Continua lindo!Zona Sul foi nosso local de hospedagem.E a Praça General Osorio ponto final de todos os cariocas que desejavam
um banho de mar arriscado...mar azul, ondas nada amistosas ! Mas
la estavam todos eles, aproveitando o feriadão, no espaço
mais democratico do mundo : a praia. So faltou indio.....e artista global no Arpoador e Ipanema!
E, andando de bonde em Sta. Teresa, o condutor muito bem-humorado respondeu( apos o bonde ficar parado alguns minutos )a uma mulher que falou alto:
_ Agora os homens empurram o bonde!
- Vocês não querem igualdade( interrogação). Desçam e empurrem o bonde!
Todo mundo riu...
Estou num computador que me e estranho. Faltam acentos e pontos...Perdoe o portugues!
Beijos
Sua Mãe
"Se a civilização impõe sacrifícios tão grandes, não apenas à sexualidade do homem, mas também à sua agressividade, podemos compreender melhor porque lhe é difícil ser feliz nessa civilização. Na realidade, o homem primitivo se achava em situação melhor, sem conhecer restrições de instintos. Em contrapartida, suas perspectivas de desfrutar dessa felicidade, por qualquer período de tempo, eram muito tênues. O homem civilizado trocou uma parcela de suas possibilidades de felicidade por uma parcela de segurança."
Freud, em O mal estar na civilização, texto que eu amo!
Pena que a obra dele toda ainda não esteja (que eu saiba) na internet. Mas em http://www.espacoacademico.com.br/026/26tc_freud.htm
vc lê o capítulo 5 onde se encontra a frase.
Bjs, grande conversa à vista... Vou dormir porque vai me dar uma pequena parcela de felicidade...Tia
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