domingo, 26 de junho de 2011

Não é preciso ser diferente para ser gay

Reprodução de excelente artigo publicado na Folha de S. Paulo de hoje, 
Coluna: TENDÊNCIAS/DEBATES

ALEXANDRE VIDAL PORTO



Associar a homossexualidade à transgressão e ao excesso pode ter valor estético, mas tem efeito negativo sobre o ritmo do processo político


Os homossexuais podem se tornar invisíveis. É só saberem dissimular ou mentir. Quando a primeira Parada Gay de São Paulo surgiu, um de seus objetivos era, justamente, dar visibilidade à parcela da comunidade LGBT que queria afirmar sua existência e entabular um diálogo com a sociedade.

O viés era político. O slogan da parada, "Somos muitos e estamos em todas as profissões", equivalia a uma apresentação. Os manifestantes queriam mostrar quem eram e o que faziam. Reclamavam participação no processo jurídico-social e pediam proteção contra o preconceito e a discriminação. Eram 2.000 pessoas, e o ano era 1997.

Desde sua primeira edição, no entanto, o aspecto político do evento foi cedendo espaço ao carnavalesco. A Parada Gay de São Paulo transformou-se em uma grande festa. A maior de seu gênero no mundo. Atrai número de pessoas equivalente à população do Uruguai. Movimenta centenas de milhões de reais. A expectativa é de que traga mais de 400 mil turistas à cidade.

Explica-se o fenômeno da carnavalização da Parada com o argumento de que os gays são "divertidos". A utilização desse estereótipo, contudo, contribui para mascarar a irresponsabilidade cívica e a alienação política de parte da comunidade LGBT.

Carnavalizar é fácil e agradável, mas é contraproducente.

O estilo exagerado que alguns participantes preferem adotar é legítimo e respeitável. Mas presta um desserviço para o avanço dos direitos à igualdade. O caráter festivo e a irreverência tiveram valor simbólico em um tempo em que a rejeição social contra a homossexualidade era incontornável. Acontece que as coisas mudaram.

Os milhões de pessoas que comparecerão ao evento na avenida Paulista deveriam ter presente a responsabilidade cívica de conquistar corações e mentes para a sua causa. O aspecto político da Parada exige certa sobriedade, ao menos em respeito às vítimas cotidianas da homofobia, no Brasil e no mundo. Hoje, o peso do discurso político tem de ser maior que a vontade de dançar.

A aceitação da homossexualidade pela opinião pública está vinculada à convivência com pessoas abertamente gays. Mostrar-se é importante. Nessa batalha, é mais estratégico exibir a semelhança. É mais difícil para o mundo identificar-se com o ultrajante.

Não se trata de exibir a orientação sexual, mas de garantir o direito pleno à liberdade de exercê-la. Associar o conceito da homossexualidade à transgressão e ao excesso pode ter valor estético, mas tem efeito negativo sobre o ritmo do processo político.

Para gente que cresceu com uma escala de valores antagônica aos direitos humanos dos LGBT, o comportamento escandaloso exibido tradicionalmente nas paradas equivale à retórica raivosa de um Jair Bolsonaro. O papel da Parada é mostrar que os homossexuais são serem humanos comuns, que têm direito a proteção e respeito, como qualquer outro cidadão.

Ninguém precisa ser diferente para ser gay. Não é necessário transformar-se na caricatura de si mesmo.


ALEXANDRE VIDAL PORTO, mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA), é diplomata de carreira e escritor.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

sábado, 25 de junho de 2011

Quebrando mitos, preconceitos e esteriótipos


Um pequeno intervalo no meu relatório de viagem para um comunicado importante: estou me desvencilhando dos meus preconceitos culturais. 
 
Sim, eu tenho muitos preconceitos culturais. Os leitores mais atentos do blog vêem eles em quase todos os posts. Os leitores menos atentos provavelmente devem ter visto isso ao menos uma vez, provavelmente em algum dos meus posts sobre o Brasil. De qualquer forma, não são poucos os que reclamam. Alguns o fazem abertamente, com comentários. Outros o fazem de maneira mais discreta, quando tem uma chance de "dar uma palavrinha" comigo. E eu tenho absoluta certeza que ainda há aqueles que não se manifestam, mas estão remoendo sua revolta e indignação em silêncio.

A todos leitores que já passaram por isso, venho por meio desta comunicar que não há mais razão para sofrer! As últimas semanas me proporcionaram experiências suficientes para me despir de todo ódio e preconceito. Quer dizer, não sei se todo. Mas de uma boa parte. Talvez o modo mais adequado de descrever a situação -- antes que vocês se animem demais com a promessa de um futuro melhor neste blog -- é dizer que eu estou revendo algumas das minhas crenças. Julguem por vocês mesmos.


Pra começar, minha admiração pelo Canadá anda em declínio. Recentemente, o Canadá foi criticado em um relatório da ONU por violações de direitos humanos tanto dentro quanto fora do país. E enquanto muitos acham que essas violações acontecem em lugares remotos com pessoas desconhecidas se enganam. A polícia canadense deu um show the brutalidade e abuso de autoridade no controle das demonstrações contra a reunião dos G-20 que aconteceu em Toronto em junho do ano passado. Um artigo sugeriu que o comportamento da polícia estava chamando tanta atenção porque a reunião em si não tinha produzido nada que valesse a pena notar. Talvez. Mas o que está enfuriando os canadenses é o fato de que um ano depois esses policiais ainda não foram punidos, e parece que não vão ser. Ou seja, há indignação com a brutalidade porque a maioria das pessoas aqui nunca viu isso acontecer, mas o que vem como verdadeiro choque é o fato de que as instituições canadenses não parecer estar dando conta do episódio da forma como deveriam. Tem gente fazendo coisa errada em todo o mundo, mas em geral só as repúblicas das bananas não tem as instituições adequadas para lidar com esse pessoal. Parece que Canadá está rapidamente virando mais uma dessas repúblicas, ainda que não tenham desenvolvido um técnica pra cultivar banana por aqui... 

E não termina aí. No jogo final de hóquey no gelo, o time Canadense perdeu para o time americano e os torcedores partiram para o quebra-quebra em Vancouver. As fotos são chocantes, mas esse é de longe a que mais circulou na mídia. 


Há milhares de discussões sobre se o casal está se beijando, ou se eles foram derrubados pela polícia e só parece um beijo -- por causa do ângulo da foto. Qualquer que seja o veredito, o estrago foi grande e vergonhoso. No dia seguinte, minha faxineira -- que é da Jamaica -- entrou em casa e anunciou: o Canadá não pode mais se declarar um país desenvolvido! Tive que concordar com ela, especialmente depois da celebração da vitória do Santos na Libertadores, que parece ter sido barulhenta, mas sem maiores incidentes. 


Além do Canadá estar caindo no meu conceito, os Estados Unidos também não está ajudando. Saí da Califórnia com a impressão de que os hispânicos trabalham duro, são eficientes e prestativos e os californianos estão só pensando quando vão fumar o próximo baseado. Vi isso em bares, restaurantes, e cafés. Em um dos locais, o caixa levou exatos 15 segundos pra pegar meu pedido, recolher o dinheiro, me dar o troco e pedir um café pra mim. Tudo isso com um sorriso simpático e sincero, que só os latino-americanos conseguem ter. Já a moça encarregada de fazer o café -- típica americana, loira, olhos claros, cara de surfista -- demorou exatos 25 minutos pra conseguir me dar uma réles xícara. Confundiu as ordens, esqueceu de uma pessoa, estava totalmente perdida. E ainda não se deu ao trabalho sequer de pedir desculpas pelo serviço de péssima qualidade. Se eu fosse dona do lugar, já tinha demitido ela e contratado uma latino americana que ia me dar o café em cinco minutos, com um sorriso.


E pra completar, ontem fui me encontrar com um grupo de amigos e todos os meus esteriótipos sobre pontualidade cairam por terra. Os indianos foram os primeiros a chegar, antes da hora marcada. Os brasileiros, os segundos, com menos de cinco minutos de atraso. Meia hora depois, chegam as asiáticas (China e Korea). Até onde eu sei, a ordem de chegada deveria ter sido exatamente a inversa. (Para os interessados, recomendo um excelente livro sobre o assunto, que me fez entender um pouco melhor o que acontece no Brasil...).


Enfim, estou aqui pensando no mapa que vi na casa de um amigo (no início do post). Ao me ver encarando o mapa com estranheza, ele me perguntou: - Whoever said that north must be up? Estou pensando com meus botões agora: não sei. Talvez seja hora de mudar isso... 



quinta-feira, 23 de junho de 2011

Pernas pra que te quero (2): correndo em San Francisco


Quando faz sol em San Francisco, vale a pena acordar cedo pra aproveitar o dia. Aqui estou eu 6:30 da matina, saindo pra correr pelas ruas de San Francisco. Devo confessar que nunca na vida eu tinha levantado tão cedo pra correr. Mas com a diferença de fuso horário, eram na verdade 9:30 no meu relógio biológico. Portanto, a combinação foi perfeita: consegui levantar cedinho, sem sentir que estava madrugando...
 

E quando passei pela Washington Square as 7am, os chineses já estavam terminando o Tai Chi e tinha apenas alguns deles por lá. Dizem que é um espetáculo ver. Fica pra próxima! Mas fiquei realmente impressionada com a quantidade de idosos chinese se exercitando de manhã pela cidade. Será herança do regime comunista, com a Revolução Cultural, ou alguma prática milenar? 


Mas fora eu e o chineses, todo mundo na cidade ainda estava dormindo, inclusive os pombos...
 

Nem carros passavam nas ruas...
 


Mas 9am já tinha gente na praia, afinal pra que trabalhar se podemos relaxar?


Aliás, para os que gostam de correr, recomendo começar em North Beach e ir em direção à Golden Gate Bridge. Em termos de paisagem, não bate a corrida no Hudson River Park em Nova Iorque, mas tem a vantagem de que as pessoas correndo por lá são relaxadas e descoladas. Em Nova Iorque, você vê que está todo mundo correndo pra ficar em forma, pensando em trabalho, e exibindo as roupas caras de corrida que eles compraram em alguma loja de marca. Meu veredito: pela paisagem, Nova Iorque; pelas pessoas, San Francisco. 
 
 
E a corrida incluiu pontos turísticos, como Alcatraz (lá no fundo),


e o chamado presídio, que hoje é um parque, mas fica no local onde costumava ficar um presídio durante a colonização espanhola.
 

E, por fim, a famosa! A foto seguinte deveria ser do brunch, mas eu tava com tanta fome que não deu tempo de registrar o final feliz da corrida...

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Pernas pra que te quero: caminhando em San Francisco

Depois de passar cinco dias trancada em uma conferência, tive a oportunidade de conhecer a cidade a pé. Seguindo meu guia, San Francisco é o paraíso dos pedestres. Eu concordo, exceto pelas subidas e descidas... 

Segue um registro fotográfico da aventura.


1) Chinatown



Meu primeiro dia em San Francisco estava chuvoso e nublado, mas eu não me acanhei e decidi ir explorar Chinatown, como mandava meu guia. A entrada tem portão e


 o dragão que eu vi tantas vezes, em tantos lugares. Cidade perdida na China, ROM em Toronto, etc. Um dia eu escrevo um post contando a história...
 

...mas por hora vou focar no Budha sorridente, que representa uma tradição do budaismo distinta daquele que tem aquele Budha mais tímido. Esse é o deus da fartura, segundo me explicaram. Ele come muito, bebe muito e ri muito. Achei os chineses muito sábios. Bem melhor do que um Deus mau-humorado que impõe castigos e cria tanta confusão, como o deus da bíblia.
 


e já que eu falei dos biscoitinhos da sorte (veja post anterior), segue a prova de que eu visitei o local onde eles foram criados, 


só não consegui entrar lá dentro porque tinha uma excursão escolar no local, e eu tenho alergia a pré-adolescentes barulhentos e desorganizados...
 

E por alguma razão as lojas em Chinatown vendem estatuas de ferro gigantes, como essa aqui e como o Budha lá em cima. Já sei onde ir quando quiser decorar meu futuro jardim...



Mas o que eu achei mais interessante é o nível e inclusão social dos imigrantes. Essa é a entrada de uma escola pública. O nome da escola, do lado de fora, está em inglês, espanhol e chinês. E, na porta, um prêmio por excelência que a escola recebeu (e que explica qual a diferença entre um sistema educacional que funciona e o nosso...


  

2) Em busca da livraria mais famosa da cidade


 Assim que sai de Chinatown, dei de cara com essas propaganda de cerveja, que entrou aqui no blog em homenagem a T.

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E assim que eu encontrei a livraria, encontrei também um bar muito simpático, chamado Vesúvio, que fica do lado da livraria. Afinal, escritor que se preza tem que ser boêmio também... ao menos para esses sujeitos  da geração Beat


O bar tem uns murais muito legais do lado de fora
 
  E, finalmente, entrei na tão famosa City Lights Bookstore


Na entrada, os dizeres: "aquele que entra aqui, deve abandonar todo o desespero"
 

O mais legal é que o lugar não é só uma livraria, mas é uma editora independente também e eles publicam edições lindas com autores independentes (ou seja, desconhecidos do grande público) tanto dos Estados Unidos quanto de outros países.

 

3) A caminho da Torre Coit

Duas horas depois de abandonar todo meu desespero na porta e vagar por uma das melhores livrarias que eu já visitei na vida, estava eu retomando meu tour... e dei de cara com esse Magic Bus, (a palavra Magic estava pintada na lateral, mas não sei se dá pra ler), que tinha os seguintes dizeres: "life is not a tour, it is a trip". Se alguém souber o que isso significa, por favor avise.



 
E logo depois encontrei esse grafite: "se você não conseguir na primeira tentativa, chame a artilharia aérea". Acho que esse recado não era pra mim...


E depois de muito subir ladeiras, avistei a famosa Torre Coit...


mas ainda faltava muita escada pra eu chegar lá
 

E o nome das pessoas que financiaram a escada estava nos tijolinhos, o que me permitiu xingar cada um a cada dolorido passo
 

mas eles eram muitos e em um certo ponto eu desisti (achei que o Budha sorridente não ia aprovar esse comportamento...)
 

e no final, valeu a pena. Essa é a vista lá de cima (que ia ser 100 vezes melhor se o dia estivesse ensolarado, mas c'est la vie)



  

Depois de tanto caminhar, eu estava pronta para um drink. E já que eu estava em um dia artístico, nada melhor do que terminar o dia no bar do Coppola, que tem fotos de toda a carreira dele. O lugar chama Cafe Zoetrope e fica nesse prédio simpático.

 

É isso aí, pessoal. mais fotos da viagem a caminho! 

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Cachinhos dourados vai viajar

Lembro vagamente de um história infantil em que uma menina de cachinhos dourados se perdia na floresta e de repente achava uma casa. Dentro da casa, ela achava três pratos de sopa na mesa. Um estava muito quente, outro estava muito frio e o terceiro estava perfeito. Depois de saciar sua fome, a menina subia para o quarto, onde encontrava três camas. Uma era muito dura, outra muito mole e a terceira era perfeita. E assim ia o conto.

Nesses últimos 15 dias, estou me sentindo um pouco como a personagem dessa história. No início de junho, embarquei para San Francisco, onde fui a uma conferência em um hotel cheio de frescura. A diária de 250 dólares por noite sugeria que eu ia ter uma estadia digna de chefe de estado, ou quiçá chefe da casa civil que faz "consultorias" milionárias em ano de eleição. E a entrada do hotel era de fato impressionate. Pé direito altíssimo, mármore pra todo lado, iluminação sofisticada, e tudo mais. Porém, ao chegar no quarto, tive a maior decepção. Pela bagatela de 250 dólares, me deram um quarto em que cabia uma cama e nada mais. Eu mal conseguia me mexer lá dentro. Além disso, a janela ficava de frente com outra janelas do hotel, me impedindo de abrir as cortinas a qualquer momento do dia ou da noite. Um horror.

Depois da conferência, mudei para um hotel mais barato, dado que os dias extras na Califórnia iam sair do meu bolso. Optei pela recomendação do Lonely Planet, que nunca falha. Por 85 dólares, consegui um quarto do tamanho do anterior, com uma decoração um pouco mais antiqüada e antiga, mas com uma janela que dava pra rua que eu podia abrir e fechar ao meu bel prazer. Uma evolução, sem dúvida, exceto pelo fato de que o quarto tinha dois grandes problemas. Um, que eu sabia quando fiz a reserva, era que os banheiros eram compartilhados. Tudo limpo e impecável, sem filas, mas ainda assim uma inconveniência. Não sei quantas vezes levantei sonolenta de manhã e descobri no meio do banho que deixei o sabonete ou o shampoo no quarto. O segundo problema, do qual eu não sabia quando fiz a reserva, era que as paredes eram de papelão. Ou seja, quando o hóspede do quarto ao lado chegava no hotel, parecia que estávamos dividindo o quarto, pois eu conseguia ouvir o sujeito até quando ele suspirava.

Assim como a Cachinhos Dourados, só na terceira tentativa eu achei o hotel perfeito. Fui da Califórnia para Costa Rica, para uma segunda conferência, e lá decidi passar uns dias a mais, por minha conta. Mas dessa vez fiquei hospedada no hotel da conferência. Foi perfeito. O quarto era grande, com mobília nova -- mas sem frescura --- e super iluminado. O banheiro era dentro do meu quarto (!) e era duas vezes o tamanho do banheiro do primeiro hotel em San Francisco. O hotel tinha um restaurante a beira da piscina,  onde serviam o café da manhã que estava incluído na diária, e eu não ouvi um pio dos meus vizinhos de quarto. Definitivamente uma das diárias de 170 dólares mais bem gastas na minha vida...

Nos três hotéis, a experiência se repetiu com o acesso a internet. No primeiro hotel, o acesso era cobrado (15 dólares por dia!) e era lento e quebrado. No segundo hotel também era lento e quebrado, mas era de graça... No terceiro hotel, em contrapartida, era rápido, eficiente e - pasmem - gratuito! 

E a história se repetiu no check-in. No primeiro hotel, uma atendente sorridente, eficiente e prestativa encheu minha paciência para eu subscrever ao cartão de fidelidade do hotel. Quase apelei pra mentira, para ela parar de insistir. Pensei em dizer que era minha primeira viagem, que eu nunca tinha viajado de avião e começar a chorar enquanto lamentava que eu não sabia quando ia ter outra oportunidade como essa. Também pensei em falar que eu só estava hospedada naquele hotel por causa de atividades ilícitas que estavam financiando minha estadia. Mas fiquei com medo dela insitir ainda assim. Era tarde, eu queria dormir, e acabei aceitando, contrariada. 

No segundo hotel, o sujeito mal falou comigo. Pediu meu nome, me deu a chave e apontou onde ficava o quarto. Achei melhor que no primeiro hotel -- afinal, antes ficar sem interação do  que ter uma desagradável. Mas nada bate o terceiro hotel. Nesse, além da recepcionista sorridente e prestat iva, eu ganhei um cookie quentinho, com pedacinhos de chocolate que derretiam na boca. Ganhei um cookie e eles ganharam meu coração. Passei todos os dias da minha estadia pensando em fazer o check-out e fazer o check-in de novo, só pra ganhar outro cookie. 

Não lembro qual foi o final da história da Cachinhos Dourados. Acho que o urso pai, a ursa mãe e o urso filho chegavam em casa e não ficavam nada felizes com o fato  de que alguém tinha comido a comida deles e deitado na cama deles. Todos os hotéis em que fiquei, em contraste, ficaram muito felizes com o fato de eu ter feito tudo que a Cachinhos Dourados fez e com o dinheiro que tive que pagar por isso. Eu, em contrapartida, vou pensar três vezes antes de me hospedar em hotéis super luxuosos ou tentar economizar dinheiro da próxima vez.

E definitavemente meu critério número um para selecionar hotéis a partir de agora é cookies no check-in. O resto é detalhe!

terça-feira, 7 de junho de 2011

Os biscoitos da sorte e eu

Semana passada estive em uma conferência com pesquisadores do mundo inteiro, e tive cinco dias de imersão em tudo que há de pesquisa de ponta na área que chamam de Direito e Sociedade (Law & Society). Estou com um caderno cheio de anotações e muitas coisas para pensar, ler e criticar. Mas, por alguma razão, a coisa que está martelando na minha cabeça depois de cinco dias intensos de discussões acadêmicas é uma conversa que tive no domingo, durante o brunch no delicioso restaurante Colibri

Uma pesquisadora australiana que trabalha na mesma área que eu (ou seja, ela estudo formas de usar reformas no sistema jurídico para promover desenvolvimento) me disse que o fato de eu estar em Toronto, ao invés de estar no Brasil, muda minha perspectiva das coisas. De alguma forma, isso tem um impacto negativo na minha pesquisa, segundo ela. Não foi a primeira vez que ouvi essa crítica. Um grande amigo brasileiro, que produzia pesquisa de altíssima qualidade, usava uma metáfora ilustrativa para fazer a mesma crítica: a boca acaba ficando com o formato do cachimbo, depois de tanto fumar. Ele dizia que eu precisava passar mais tempo no Brasil, caso contrário meu pensamento ficaria poluído por teorias produzidas na América do Norte, que pouco ou nada ajudam a entender a realidade brasileira.

Coincidentemente, na noite anterior, eu tinha jantando com um colega chileno que, depois de dar aula em Nova Iorque por alguns anos, voltou para o Chile. Perguntei sobre a mudança. Ele me falou que sentia falta de alguma coisa, mas ele não sabia o que. Disse que tinha a impressão que tinha mais tempo para pensar e escrever quando estava em Nova Iorque, mas ele achava que a carga de trabalho nas duas escolas era a mesma. Portanto, não era uma questão de tempo.  Eu aventurei minha explicação. Quando estou no Brasil, em sinto inundada de informações, de forma que fica difícil separar o que é importante e o que não é. Estar imersa na realidade, daquela forma, atrapalha qualquer análise. Em geral, eu adquiro alguma clareza sobre o que eu estou vivi quanto volto para Toronto, e me distancio daquilo tudo. Daí as coisas começam a ficar claras, e eu consigo organizar minhas idéias. Meu amigo concordou entusiasticamente com a proposição. E disse que era exatamente isso que ele estava sentindo. 


Tentei usar meu argumento com a australiana. Ela concordou parcialmente, mas insistiu que eu deveria passar períodos significativos de tempos no Brasil, para poder falar com alguma propriedade do país, sem ser influenciada por idéias estrangeiras. Como uma australiana que estudo a Malásia e a Romênia, é isso que ela faz. 

Ontem, andando pelas ruas de Chinatown, em San Francisco, me deparei com um problema similar. Descobri que os famosos "fortune cookies" (biscoitos da sorte). Se vocês tentarem procurar no google, vão encontrar vários sites sugerindo que esses biscoitos surgiram na China, no século XIII. A lenda é bonita, mas muito distante da realidade. Os biscoitos foram criados aqui em San Francisco, por imigrantes chineses tentando ganhar dinheiro. Para aqueles que não querem acreditar, dêem uma olhada nesse vídeo de um repórter americano que levou os biscoitos para a China e mostrou para os chineses:






Ou seja, o problema é o mesmo. O fato de que os biscoitos foram inventados por imigrantes chineses na Califórnia torna eles menos chineses? Algumas pessoas acreditam que sim. Assim como a australiana que criticou minha pesquisa, alguns argumentam que a partir do momento que esses imigrantes estão fora do pais (assim como eu) o que eles produzem deixa de ser típico. Eu, por outro lado, argumento que esses chineses produziram algo que fez o maior sucesso e não teria sido criado se eles tivessem ficado na China. Quem sabe minha pesquisa não vai ter o mesmo destino dos biscoitos da sorte e ficar mundialmente famosa?Ou quiçá eu só estou tendo os pensamentos megalomaníacos de sempre, que nada mais fazem senão deixar o blog mais divertido...

Toda essa história me lembrou da minha última visita à Califórnia, quando fui apresentar um artigo na Universidade de Stanford. O artigo propõe que ao invés de tentar consertar instituições disfuncionais, nós deveríamos fazer "pontes de safena institucionais" (para quem tiver paciência e interesse, a versão inteira do artigo está no SSRN; para quem quiser a versão resumida, veja a p. 30 da revista da faculdade). Na noite anterior à minha apresentação, fomos todos jantar em um restaurante chinês. Portanto, assim que acabou a refeição, recebemos nossos biscoitos da sorte. E, por coincidência (ou não!), o professor que ia comentar meu paper no dia seguinte tirou um biscoito com os seguintes dizeres: "Modify your thinking to handle new situations" (mude seu modo de pensar para lidar com situações novas). Todo animado, ele gritou: - é sobre seu artigo! Esse biscoito é sobre seu artigo! 

O que isso significa? Não sei. Mas guardei o papelzinho na minha carteira. Se eu não ficar famosa com o conceito de "ponte de safena institucional", posso ao menos tentar jogar na mega sena com os números no verso. Tem gente que tentou e conseguiu! 

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Deseconomias de escala

Economistas usam o termo "economias de escala" para descrever o fato de que o custo unitário de um produto diminui quanto mais exemplares daquele produto forem produzidos. Por exemplo, se você comprar uma máquina de algodão doce por 2.000 reais, e você fizer um único algodão doce, o custo de produção dessa unidade é 2.000 reais.Se você usar a máquina para fazer 1.000 algodões doces, o custo de cada um será 2 reais. Ou seja, um produtor fará economias quanto maior for a escala de produção.

Nesse post, todavia, queria falar de um outro tipo de escala. As escalas de avião. Em viagem recente, notei quanto seus gastos aumentam em cada uma das escalas que se faz durante uma viagem. Por exemplo, consigo almoçar fartamente com 7 dólares no meu restaurante favorito (o etíope), que fica perto da faculdade. Todavia, quando estou no aeroporto, com o mesmo montante eu não consigo comer nada fartamente. Consegui comprar uma salada grega, que estava de bom tamanho, mas certamente não encheu meu estômago. Daí, quando entrei no avião, descobri que a AirCanada não oferece mais comida de graça. Se quiser comer, tem que pagar. Como a salada não tinha me saciado, pedi um wrap. Preço? 7 dólares. Tamanho? 1/4 do que eu comeria se tivesse no restaurante etíope. 

Mas a pior parte da história ainda estava por vir. Quando cheguei no hotel onde ia ser a conferência, tarde da noite, resolvi comer um saquinho com nozes, amendoim e castanha de caju. Preço? 7 dólares. Fiquei pensando que o wrap do avião tinha ao menos carboidratos, proteína e fibras, pois vinha com carne e alface. Aqui, pra conseguir algo nutritivo assim, preciso desembolsar uns 30 dólares. 

A explicação para os preços extorsivos vem, de novo, da economia. Na rua perto da minha faculdade, o dono de restaurante tem que competir com todos os outros 50 restaurantes para os quais eu poderia ir, caso a comida dele fosse muito cara. No aeroporto, minhas opções são bem mais limitadas, pois tem quatro ou cinco lugares pra comer, depois que você passou do raio-X, segurança e o diabo a quatro. Portanto, não é díficil para todos eles subirem um pouco o preço, ainda que não seja extorsivo. No quarto do hotel, eu tenho outras opções, mas eles não estão à mão. Se quiser castanha naquele minuto, tenho que pagar caro. A outra opção é vestir a roupa, sair do conforto do meu quarto, e ir perambular pela rua, tarde da noite, em uma cidade que não conheço, em busca de uma vendinha. 

Só não entendo porque eles não cobram ainda mais dentro do avião, pois ali é onde eu não tenho, de fato, nenhuma outra opção. Preciso peguntar para algum economista porque as companhias aéreas não cobram 7 dólares pela castanha de caju e 30 pelo wrap ou por um pedaço de pizza. Mas qualquer que seja a explicação, para reduzir custos, acho que vou viajar com minha máquina de algodão doce da próxima vez. Quem sabe eu até vendo alguns dentro do avião, e todo mundo pode de fato se beneficiar das economias de escala...