Um pequeno intervalo no meu relatório de viagem para um comunicado importante: estou me desvencilhando dos meus preconceitos culturais.
Sim, eu tenho muitos preconceitos culturais. Os leitores mais atentos do blog vêem eles em quase todos os posts. Os leitores menos atentos provavelmente devem ter visto isso ao menos uma vez, provavelmente em algum dos meus posts sobre o Brasil. De qualquer forma, não são poucos os que reclamam. Alguns o fazem abertamente, com comentários. Outros o fazem de maneira mais discreta, quando tem uma chance de "dar uma palavrinha" comigo. E eu tenho absoluta certeza que ainda há aqueles que não se manifestam, mas estão remoendo sua revolta e indignação em silêncio.
A todos leitores que já passaram por isso, venho por meio desta comunicar que não há mais razão para sofrer! As últimas semanas me proporcionaram experiências suficientes para me despir de todo ódio e preconceito. Quer dizer, não sei se todo. Mas de uma boa parte. Talvez o modo mais adequado de descrever a situação -- antes que vocês se animem demais com a promessa de um futuro melhor neste blog -- é dizer que eu estou revendo algumas das minhas crenças. Julguem por vocês mesmos.
Pra começar, minha admiração pelo Canadá anda em declínio. Recentemente, o Canadá foi criticado em um relatório da ONU por violações de direitos humanos tanto dentro quanto fora do país. E enquanto muitos acham que essas violações acontecem em lugares remotos com pessoas desconhecidas se enganam. A polícia canadense deu um show the brutalidade e abuso de autoridade no controle das demonstrações contra a reunião dos G-20 que aconteceu em Toronto em junho do ano passado. Um artigo sugeriu que o comportamento da polícia estava chamando tanta atenção porque a reunião em si não tinha produzido nada que valesse a pena notar. Talvez. Mas o que está enfuriando os canadenses é o fato de que um ano depois esses policiais ainda não foram punidos, e parece que não vão ser. Ou seja, há indignação com a brutalidade porque a maioria das pessoas aqui nunca viu isso acontecer, mas o que vem como verdadeiro choque é o fato de que as instituições canadenses não parecer estar dando conta do episódio da forma como deveriam. Tem gente fazendo coisa errada em todo o mundo, mas em geral só as repúblicas das bananas não tem as instituições adequadas para lidar com esse pessoal. Parece que Canadá está rapidamente virando mais uma dessas repúblicas, ainda que não tenham desenvolvido um técnica pra cultivar banana por aqui...
E não termina aí. No jogo final de hóquey no gelo, o time Canadense perdeu para o time americano e os torcedores partiram para o quebra-quebra em Vancouver. As fotos são chocantes, mas esse é de longe a que mais circulou na mídia.
Há milhares de discussões sobre se o casal está se beijando, ou se eles foram derrubados pela polícia e só parece um beijo -- por causa do ângulo da foto. Qualquer que seja o veredito, o estrago foi grande e vergonhoso. No dia seguinte, minha faxineira -- que é da Jamaica -- entrou em casa e anunciou: o Canadá não pode mais se declarar um país desenvolvido! Tive que concordar com ela, especialmente depois da celebração da vitória do Santos na Libertadores, que parece ter sido barulhenta, mas sem maiores incidentes.
Além do Canadá estar caindo no meu conceito, os Estados Unidos também não está ajudando. Saí da Califórnia com a impressão de que os hispânicos trabalham duro, são eficientes e prestativos e os californianos estão só pensando quando vão fumar o próximo baseado. Vi isso em bares, restaurantes, e cafés. Em um dos locais, o caixa levou exatos 15 segundos pra pegar meu pedido, recolher o dinheiro, me dar o troco e pedir um café pra mim. Tudo isso com um sorriso simpático e sincero, que só os latino-americanos conseguem ter. Já a moça encarregada de fazer o café -- típica americana, loira, olhos claros, cara de surfista -- demorou exatos 25 minutos pra conseguir me dar uma réles xícara. Confundiu as ordens, esqueceu de uma pessoa, estava totalmente perdida. E ainda não se deu ao trabalho sequer de pedir desculpas pelo serviço de péssima qualidade. Se eu fosse dona do lugar, já tinha demitido ela e contratado uma latino americana que ia me dar o café em cinco minutos, com um sorriso.
E pra completar, ontem fui me encontrar com um grupo de amigos e todos os meus esteriótipos sobre pontualidade cairam por terra. Os indianos foram os primeiros a chegar, antes da hora marcada. Os brasileiros, os segundos, com menos de cinco minutos de atraso. Meia hora depois, chegam as asiáticas (China e Korea). Até onde eu sei, a ordem de chegada deveria ter sido exatamente a inversa. (Para os interessados, recomendo um excelente livro sobre o assunto, que me fez entender um pouco melhor o que acontece no Brasil...).
Enfim, estou aqui pensando no mapa que vi na casa de um amigo (no início do post). Ao me ver encarando o mapa com estranheza, ele me perguntou: - Whoever said that north must be up? Estou pensando com meus botões agora: não sei. Talvez seja hora de mudar isso...
2 comentários:
A idade traz sabedoria e lucidez...
O diacho é que esse nosso sorriso, sincero como é, está ligado a uma concepção hierárquica das relações sociais, a uma identificação com a posição de empregado (significando dedicação, amor, fidelidade) que vai além do contrato de trabalho. Quem apontou isso, claro, foi Tocqueville. Uma concepção social mais igualitária – que no final é mais justa, não é? – necessariamente esfria as relações.
Postar um comentário