Ouvir
recentemente a frase “Muito maduro da sua parte”. Como a mesma foi dirigida a mim em tom jocoso,
decidi prestar mais atenção nas minhas atitudes. Despois de viajar para New Haven para celebrar dez anos de
formada e depois de completar 35 anos de vida (muito bem vividos!), achei que era hora de procurar por
sinais de maturidade. Queria reunir evidências suficientes para provar que meu
interlocutor estava errado.
Primeiro,
descobri eu não gosto mais de filmes “cabeça”. Sabe aqueles filmes que tem uma narrativa mas não acontece
muita coisa? Cenas lindas, diálogos ininteligíveis (ou a completa falta deles)
e um final que deixa você pensando “hein?!”. Teve uma época da minha vida que
eu adorava tudo isso. Usava o “hein?!” como plataforma para alguma reflexão
ininteligível (e provavelmente pouco inteligente) do significado do filme, da
intenção do diretor e, se houvesse bastante álcool, era um pulo passar dali
para qualquer questão metafísica. Mas esse ano assisti Somewhere, o novo filme da Sofia Copola. Tinha gostado do filme
anterior dela, Lost in Translation. Mas
o novo filme definitivamente me deixou com um gosto amargo de “hein?!” na boca.
Não parti para considerações de nenhum tipo. Apenas pensei: “lá se foram duas
horas da minha vida que eu nunca mais vou conseguir recuperar”. Para evitar esse tipo de frustação, ao invés dos filmes cabeça, hoje em dia me delicio com Vida de Inseto. E com certeza antes do fim do ano vou assistir a Vida de Pi:
Segundo, antes
eu só lia o caderno Mais! da Folha de S. Paulo. Coisas supostamente ilustradas
e debates filosóficos. Pra que se preocupar com coisas mundanas, se podemos
filosofar? Hoje passo longe do Mais! e fico me perguntando porque há pessoas no
mundo que ficam perdendo tempo com esses debates filosóficos quando a gente tem
tanto problema pra resolver no país. Basta ler o primeiro caderno. Alguém pode
argumentar que é preciso se divertir também, e isso é um tipo intelectual de
diversão. Desculpe, mas hoje em dia prefiro me divertir com as crônicas do
Antônio Prata no caderno cotidiano, e quando estou com mais paciência, vale até
o Michael Keep. Se estou em um clima "papo sério", leio a Piauí de cabo a rabo. O caderno Mais!, em contraste, não conta mais como diversão ou informação pra
mim. Os intelectuais de plantão que me excomunguem, mas não é divertido, nem
informativo e muito menos útil. Então, de antemão, eu preservo meus valiosos
minutos sem ler o caderno, pra não ficar com a mesma sensação que tive ao
terminar de ver o filme de Sofia Copola.
Terceiro, houve
um tempo em que eu só comprava livros, e apenas pedia livros de presente. Foi
uma fase. Acredito hoje que foi uma fase idiota. Mas a gente tem que fazer
idiotices pra aprender as coisas na vida. Ainda bem que eu percebi a idiotice
antes de gastar todo meu dinheiro com livros. Eles ocupam espaço, envelhecem na
sua estante e não são bem aproveitados. Hoje em dia eu primordialmente uso
livros de bibliotecas, ou leio e passo pra frente, pra alguém que vá
aproveitá-los mais do que minha estante. Os intelectuais
virão dizer que o que importa na biblioteca de alguém não são os livros que
você leu, mas os que você não leu. Quem disse isso? Umberto Eco? Não lembro
agora. Mas discordo. Os livros que você não leu só te oprimem. Eles te lembram
do dinheiro que você gastou (ou da oportunidade que perdeu de pedir um presente
melhor) e do fato de que você sequer desfrutou deles, depois de tanto tempo. Quantas outras coisas poderiam ter sido consumidas (e devidamente saboreadas!) no lugar daquele livro? E se você tivesse deixado aquele dinheiro render na poupança então, as possibilidades perdidas se tornam quase infinitas. Por isso substituí
os livros por refeições. E a substituição não foi só com meu dinheiro. Estou fazendo isso com o dinheiro dos outros também: estou pedindo a quem quer que queira me dar um
presente, uma refeição. Vale tanto jantar no restaurante preferido da pessoa (ou meu, se for o caso)
ou mesmo uma boa refeição caseira em qualquer horário. Não sabe cozinhar e não tem dinheiro para me levar pra jantar? Uma caipirinha com bolinho de bacalhau no boteco da esquina é um presente tão valioso quanto qualquer outro. Vejam as inúmeras vantagens: eu desfruto do presente,
ele não ocupa espaço, e guardo no meu coração uma excelente lembrança. Aliás tenho mais lembranças de uma boa
refeição do que de um livro não lido.
Acho que tudo isso é sinal de maturidade. Acho que maturidade é saber
deixar a vida mais leve, mais simples, menos complicada. Todas as minhas
elocubrações intelectuais, regadas por filmes “cabeça”, cadernos Mais! da Folha
e pilhas de livros combinavam com meus hormônios fora de controle. Mas um dia
a adolescência acaba. E com as espinhas, vão embora também todas aquelas complicações
absolutamente desnecessárias da vida. Minha estante está mais vazia, minhas idéias estão mais claras e meu estômago está forrado de coisas boas. Ou seja, acho que amadureci bastante. Ou
isso, ou minha terapeuta é incrivelmente competente. Vai saber.