- Com este clima, esse país não vai pra frente nunca. Olha só o bando de vagabundos dormindo nos jardins da praia. Se morassem em lugar frio, iam ser obrigados a trabalhar para ter lugar para dormir. Quem não trabalhasse morria congelado!
Muitos anos depois, enquanto eu estava escrevendo meu primeiro livro (e por enquanto o único que escrevi) sobre o assunto, descobri que minha avó não estava sozinha. Muito antes dela, Maquiavel tinha formulado um argumento muito parecido sobre a razão da pobreza abaixo do equador:
“fertile countries ... are apt to making men idle and unable to exercise any virtu”
Machiavelli, Niccolo, 1519, Discourses on Livy, Oxford University Press (1987).
No livro, eu tento descontruir tanto essa quanto outras teorias a favor do que eu chamo de teoria institucional do desenvolvimento. Mas venho aqui confessar, para esse público pequeno, familiar e acolhedor que lê fidedignamente meu blog, que na semana passada eu cheguei à conclusão de que talvez as teorias geográficas façam algum sentido. Ou seja, minha vó não estava tão errada quanto eu pensei.
Cheguei a essa conclusão ao desembarcar no meio do inverno norte-americano, depois de sair de um maravilhoso verão tropical. O processo inverso é muito mais agradável, confesso. Desembarcar no inverno é meio deprimente, opressivo, e desesperador. Mas há algo produtivamente psicológico na idéia de inverno. Mais especificamente, há algo produtivamente psicológico na idéia de estações do ano. O verão aqui dura três ou quatro meses. Portanto, andar de bicicleta, nadar, tomar sol, são atividades restritas que só podem ser realizadas durante um certo período de tempo. Isso te faz pensar que você quer fazer o máximo de trabalho possível durante o inverno, para poder ficar livre durante o verão. No Rio, em contrapartida, você não sente essa pressão. A praia vai estar lá, o ano inteiro, à sua disposição. Pra que ter pressa?
É óbvio que não precisamos depender de estações para criar essa sensação. A gente já faz isso automaticamente com férias e fins de semana. Sabe aquela necessidade de fechar todos os projetos pendentes e deixar tudo em ordem antes de sair de férias? É basicamente a mesma sensanção que o inverno causa.Você sabe que suas férias vão ser frustadas se você sair do escritório preocupado(a) com coisas pendentes. Ou, pior ainda, se você pousar em uma praia paradisíaca na Bahia e ficar no computador resolvendo pendengas. E cancelar a viagem para ficar trabalhando não é uma boa opção. Portanto, melhor terminar tudo e ir com a cabeça fresca. A idéia de que há um inverno brutal, seguido de um verão delicioso, funciona do mesmo jeito. Melhor terminar tudo antes do verão chegar.
O fim de semana, nesse sentido, deveria ter o mesmo impacto, se a gente de fato se obrigasse a não trabalhar de forma alguma durante um dia no fim de semana. Algumas religiões, sabiamente, impõem restrições a qualquer tipo de atividade produtiva durante um dia da semana. Acho muito sábio. Aposto que as pessoas se organizam e são mais eficientes quando forçadas a parar de trabalhar durante um dia da semana.
Um famoso escritor norte-americano, Samuel Johnson, uma vez disse com muita propriedade: "The prospect of hanging highly concentrates de mind". Isso poderia ser traduzido como "A perspectiva de enforcamento foca muito a mente" (mas aceito sugestões dos tradutores de plantão...). Acho que essa frase capta o que as estações do ano fazem naturalmente com nossa mente, ou nós fazemos artificialmente ao criar férias, fins de semana e rituais religiosos que proibem atividades produtivas. Em suma, a ameaça de privação aumenta produtividade.
Por que eu estou falando tudo isso? Primeiro, para dizer que acho que minha avó estava certa, em parte, na sua análise. Segundo, porque eu estou entrando na segunda metade do meu sabático e já estou preparando um argumento para explicar porque eu não fui tão produtiva quanto eu gostaria. Vou argumentar que o sabático é como o fim de semana. Se você trabalha seis dias da semana e descansa no sétimo, nada mais justo que você trabalhe seis anos e descanse no sétimo. Enfim, a gente precisa parar de trabalhar de vez em quando para aumentar nossa produtividade o resto do tempo. Para que lutar contra essa sabedoria milenar?
P.S. Sobre o livro:
No primeiro capítulo do meu livro, What Makes Poor Countries Poor?,
eu e meu co-autor identificamos três diferentes teorias de
desenvolvimento. A primeira é a geográfica, que tem várias formulações,
mas a minha favorita é aquela que chamo de teoria de desenvolvimento da
minha avó, que descrevi acima.
A segunda teoria é a econômica, que argumenta que esses países não tem dinheiro suficiente para formar poupança e iniciar um ciclo de alta produtividade econômica. Basicamente a idéia aqui é que dinheiro gera dinheiro, mas para você para começar a fazer dinheiro gerar mais dinheiro, você precisa ter algum dinheiro na mão. Senão, senta e chora. Ou pede emprestado para o Banco Mundial...
A terceira teoria é a cultural e essa é baseada no trabalho de Max Weber. Weber relacionou a ética de trabalho protestante com o espírito capitalista, sugerindo que as duas se retro-alimentavam. Isso fez com que uma série de pessoas começasse a sugerir que países com valores religiosos e culturais que não enfatizassem o valor do trabalho, da ética, e da correctude, seriam mais pobres, mais violentos e mais desorganizados. Ou seja, toda essa doutrina católica de que você pode fazer uma coisa errada e depois pedir perdão rezando dez ave-marias e vinte pai-nossos é o grande obstáculo ao desenvolvimento no Brasil. Na ética protestante, ou você faz certo, ou você faz certo. Não tem perdão.
Basicamente, o livro tenta descontruir essas três teorias em favor de uma quarta, que nós chamamos de teoria institucional de desenvolvimento. Quer saber qual o nosso argumento? Leia o livro!
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