domingo, 31 de janeiro de 2010

Da relatividade dos sucessos e fracassos

Tradução de um trecho de um livro muito bem humorado que estou lendo sobre relacionamentos:

"No momento em que minha avó morreu, o casamento dela se tornou um sucesso. A morte separou os meus avós, não um divórcio, e morte é a única medida de um casamento bem sucedido. Quando um casamento termina em divórcio, dizemos que ele fracassou. Por que? Porque os cônjuges saíram vivos. Não importa se a separação foi amigável, ou se ambos estão mais felizes sozinhos, ou se uma relação infeliz foi substituída por duas novas relações felizes. Um casamento que termina em divórcio fracassou. Somente um casamento que termina com um dos cônjuges enterrado sete palmos abaixo da terra é considerado um sucesso.

Essa é uma medida bastante deturpada de sucesso.

Meus avós estavam casados há 31 anos quando minha avó morreu enquanto dormia ou finalmente conseguiu se matar, o que ela vinha tentando fazer há anos. Eles se amavam, e tinha muitas coisas boas no casamento deles, mas não há dúvidas de que minha avó não estava feliz. Meus pais estavam casados há 22 anos quando eles se divorciaram. Eles sobreviveram ao primeiro casamento - sobreviveram ao divórcio, e seguiram suas vidas casando novamente. Eles foram felizes juntos por duas décadas, criaram quatro filhos e decidiram, quando os filhos já eram praticamente adultos, se divorciar. Isso não me parece um casamento que fracassou. Parece mais um casamento que atingiu seu prazo de validade, o que vêm ocorrendo com maior frequência agora que nossas expectativas de vida estão tão altas. O fato dos meus pais terem se separado, encontrado novos parceiros, e iniciado segundos casamentos bem-sucedidos foi um processo longo e doloroso, mas antes isso do que um deles decidir beber até morrer."




sábado, 30 de janeiro de 2010

Se correr o bicho come, se ficar o bicho pega

Hoje o bicho pegou no meu clube de corrida. A sensação térmica (temperatura mais vento) era de menos 25 graus quando saí de casa as 8:15 da manhã. Eu estava com todo meu equipamento, e com uma máscara para o rosto nova que comprei essa semana. Ainda assim, meu suor congelou no meu gorro (essa "penugem" branca em quase todo o gorro é suor congelado), e depois foi a vez dos meus cílios.




Estava frio pra chuchu! Mas vocês podem ver que, por baixo da minha máscara, eu estava sorrindo:


E vocês devem estar pensando porque eu faço isso. Eu fazia essa mesma pergunta antes de começar a correr, quando eu via pessoas correndo nas ruas de New Haven com a temperatura abaixo de zero. É difícil entender sem passar pessoalmente pela experiência, mas deixa eu tentar dar algumas possíveis explicações.

1. A explicação fisiológica é que correr produz endorfinas, que são hormônios ligados ao humor. Muitos corredores relatam que correr "dá um barato". Outros não chegam a tanto, mas se sentem muito mais tranquilos e relaxados depois de correr. Para mim, a sensação é de dar um "reset" no meu computador mental. Correr me dá clareza e melhora - muito! - meu humor.

2. A explicação sociológica é que clubes de corrida, de forem coesos e bem estruturados, criam uma estrutura de pressão social. É como se você assumisse um compromisso com as outras pessoas, e se sentisse obrigada a ir. Isso não só torna mais fácil criar uma disciplina de exercícios, mas é a estratégia usada por Yunnus para tornar o microcrédito um sucesso ao redor do mundo. No caso do microcrédito, os empréstimos são feitos por um grupo, e cada membro pressiona o outro para pagar a parte deles da dívida, senão a possibilidade dos outros de conseguirem créditos no futuro é muito pequena. Os índices de inadimplência nos programas de microcréditos são próximos de zero...

3. A explicação psicológica é que conversar com as meninas do grupo, durante a corrida, é uma terapia. As conversas vão de assuntos pessoais para a crise no Haiti, passando por planos para organizar festas e coisas divertidas para fazermos juntas. Uma das corredoras do nosso clube chegou a declarar oficialmente que ela corre por causa da companhia. Mas não é só com companhia que se obtém benefícios psicológicos. Meu chaveiro tem os seguintes dizeres: "Correr é mais barato que fazer terapia". Mesmo com o investimento no equipamento, é verdade.



A minha explicação pessoal é que é uma combinação das três explicações acima, mais um café quentinho e delicioso que tomamos, em muito boa companhia, depois da corrida...

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O dilema entre fazer seu trabalho bem e fazer o bem

Como vocês podem imaginar, a crise humanitária no Haiti tem tomado conta dos meios de comunicação e das conversas de corredor aqui no Canadá. Dias após o desastre, a população canadense se mobilizou de tal forma que os sites das principais organizações humanitárias travaram, de tanta gente fazendo doações online. Além da mobilização econômica, há também uma mobilização política: na segunda-feira, vários líderes se reuniram em Montreal para decidir como a comunidade internacional pode ajudar o Haiti. A discussão sobre como melhor ajudar têm sido acaloradas, e os problemas com o pouco que foi feito até agora (basicamente fornecer comida e medicamentos para os sobreviventes) têm sido muitos.

Mas hoje uma outra discussão chamou minha atenção: em um crise humanitária como essa, quando devem os jornalistas ajudar, e quando eles devem simplesmente assistir e contar a história? Vários jornalistas deram suas opiniões pessoais sobre o assunto em um programa de rádio que ouvi agora a noite. Muitos argumentaram que ajudar é uma questão ética. Faz parte de ser um ser humano: quando você vê outro ser humano sofrendo, seu impulso, instinto e vontade é ajudar. E muitos deles ajudam, como podem.

A questão se complica, todavia, quando o jornalistas são questionados sobre qual a melhor forma de reconciliar a ética pessoal com a ética de trabalho. Muitos acham que ajudar não é parte da história, e jornalistas devem separar claramente os momentos de ação humanitária do trabalho profissional deles. Ou seja, eles acham errado ajudar e ao mesmo tempo transformar isso em uma história para a mídia. Muitos consideram abominável a atuação de Sanjay Guptha, médico e correspondente da CNN, que dá a volta o mundo salvando vidas na frente das câmeras. Todos concordam que isso dá Ibope (a CNN que o diga!), mas muitos acham que isso não é jornalismo. É teatro, reality show, ouu é a versão moderna do herói em quadrinhos (em um mundo em que a TV tomou conta das nossas vidas), mas não jornalismo.

Ainda que se aceite a idéia de que os jornalistas devem separar as coisas (e desligar a câmera quando decidirem que é hora de ajudar), há um outro problema que surge em algumas circunstâncias: o que fazer se o jornalista tem que escolher entre contar a história ou ajudar? Deveria o jornalista perder a história e ajudar, ou será que ele ou ela tem uma obrigação profissional de relatar o que acontece, do jeito que acontece, sem interferir na realidade? A maioria dos jornalistas entrevistados, que estavam até recentemente no Haiti, não enfrentaram esse dilema. O relato deles é que a maioria das pessoas precisa de assistência médica, o que eles não estavam qualificados para oferecer. Quem precisava de água e comida eles ajudaram, sempre que possível.

Há um caso, todavia, em que esse dilema entre trabalhar ou ajudar ficou bastante claro: o caso da foto de Kevin Carter sobre a crise humanitária no Sudão em 1994.



A foto mostra uma garotinha de 4 ou 5 anos de idade está tentando se arrastar para um campo de refugiados, em busca de comida. Ela está há tanto tempo sem comer, que não tem mais forças para se locomover. Um abutre espera pacientemente pela refeição dele. E o fotógrafo, que ganhou um prêmio pela fotografia, está observando tudo.

Eis o dilema: intervir significaria pegar a garota nos braços, levá-la para o campo de refugiados, e perder a fotografia. Assistir a tudo isso significa ganhar o registro do evento, às custas do sofrimento alheio. Deveria o fotógrafo ter abandonado a chance de conseguir essa imagem para socorrer a menina?

Uma colega minha de Yale que hoje é professora nos EUA apresentou um artigo sobre essa fotografia em uma conferência aqui na Universidade de Toronto no ano passado. A questão que ela levantava no artigo era se de fato a escolha do fotógrafo era entre ajudar a garota ou ser egoísta para ganhar prestígio e dinheiro com a imagem. Se for esse o dilema que ele enfrentou -- e alguns relatos da foto descrevem como ele passou vinte minutos esperando o melhor momento para tirar a foto e depois disso sentou debaixo de uma árvore fumando cigarros -- não há dúvidas de que há algo moralmente errado com a conduta do sujeito.

Porém, minha colega levanta um outro argumento possível: será que ele, ao decidir tirar a fotografia ao invés de ajudar, não estaria simplesmente transferindo para outros ao redor do mundo o afeto e compaixão que ele sentia pela menina? Ou seja, caso ele tivesse guardado a câmera e carregado a menina para o campo de refugiados, a maioria de nós seguiria com nossas vidas, sem perder muito tempo pensando na crise no Sudão. A partir do momento que a foto circulou na mídia, todavia, ela teve um enorme impacto. As pessoas de repente se conscientizaram da gravidade de crise. Ainda que essas pessoas não tenham se mobilizado, ao menos sofreram tanto quanto o fotógrafo parece ter sofrido ao assistir aquela cena. Ou seja, o afeto e a sensibilidade que o mundo passou a ter com o Sudão e com as pessoas afetadas com a crise humanitária aumentou depois que essa foto foi tirada. Portanto, o dilema do fotógrafo não era aquele descrito acima. Ele não estava em busca de benefícios pessoais, à custa do sofrimento alheio. Ele também não estava traçando uma linha entre as obrigações éticas e os deveres profissionais de jornalista/repórter. Ao invés disso, ele achou que era mais importante que o mundo todo se solidarizasse com aquela menina e com todas as pessoas afetadas pela crise no Sudão.

Minha colega disse que o artigo dela gerou um debate acalorado. Não me surpreende. Os jornalistas canadenses não podem ajudar muito no Haiti e isso já está gerando um debate. Imagine uma situação dessas, onde o jornalista poderia ter ajudado. Mas poderia mesmo? Há uma pequena controvérsia aqui: alguns argumentam que o fotógrafo não ajudou a menina porque os soldados da ONU tinham instruído ele a não tocar nas crianças. Isso é coerente com os relatos segundo os quais ele sentou debaixo de uma árvore e chorou por horas a fio depois de tirar a foto.

Mas, ainda que isso não tenha acontecido, acho que, no fim das contas, o argumento da minha colega é válido: ele não estava entre um dilema entre fazer o trabalho dele bem, ou fazer o bem. Ele estava entre um dilema entre fazer um bem menor (salvar a menina) ou um bem maior (conscientizar o mundo sobre a crise no Sudão, e possivelmente salvar um número maior de pessoas). Nesse sentido, ele fez seu trabalho bem e acabou fazendo o bem também.

Quatro estudantes de ética na mídia concordam comigo:









Desculpem o sumiço

A vida anda corrida por aqui... Mas espero conseguir escrever os posts atrasados (estou com um caderninho cheio de anotações) na semana que vem. Aguardem!

domingo, 17 de janeiro de 2010

O que fazer em Nova Iorque

Depois da minha experiência traumatizante em Nova Iorque, achei que eu devia voltar aqui para dizer que vale a pena visitar a big apple. Ou seja, não quero sugerir que vocês não deviam visitar Nova Iorque. Ao contrário, eu acho que tem muitas coisas legais para fazer na cidade. E o que eu mais gosto de fazer durante minhas visitas é comer bem. Portanto, ficam aqui três recomendações para quem quiser ter uma experiência gastronômica inesquecível:

Blue Ribbon Brasserie - onde os chefs de outros restaurantes vão, quando eles querem comer fora.

The Modern - restaurante do Museu de Arte Modern (Moma) com uma decoração tão impressionante quanto a comida.

Klee Brasserie - eleito um dos melhores brunches the NYC, mas o jantar também vale muito a pena.

(e aguardem outros posts atrasados em breve. a vida anda meio corrida por aqui...)

sábado, 2 de janeiro de 2010

Uma corrida congelante no Canadá

Quando eu morava em New Haven, tinha um colega colombiano que notou que não importava quão frio estava, sempre tinha uma pessoa correndo na rua. Comecei a reparar e era verdade. E eu compartilhava a perplexidade dele: não entendia porque as pessoas faziam jogging quando estava dez graus negativos. Achei que eu ia me solidarizar com esses bravos corredores quando eu começasse a correr, mas não aconteceu. Quando a temperatura chegava a zero graus, ia eu correr na academia. Por sorte, Yale tinha uma pista de corrida, o que me poupava da monotonia das esteiras. Mas ainda que só houvesse esteiras eu certamente não aceitaria um convite para correr ao ar livre com temperaturas negativas. Essa minha atitude durou muitos anos, e desde que eu mudei para o Canadá ela significava que que tinha que correr na academia seis meses por ano. Por sorte, a Universidade de Toronto também tem uma pista de corrida, e esse era meu destino assim que os termômetros ficavam abaixo de zero.

Dado esse histórico, teria sido uma surpresa para qualquer um me encontrar correndo hoje de manhã com o pessoal do meu clube de corrida. Quando saí de casa as oito da manhã a temperatura dos termômetros era de menos dezesseis graus. Porém, o vento estava tão forte que a sensação térmica era de menos vinte sete graus. Sim, eu corri durante mais ou menos uma hora ao ar livre nessa temperatura. Acreditem se quiser...

É obvio que correr no frio não é algo que você começa num dia como hoje. É um processo progressivo de adaptação. No meu caso, eu não parei de correr na rua desde que a temperatura começou a esfriar e fui, portanto, me ajustando progressivamente à temperatura. Mas mais importante do que isso, foi uma lição que aprendi com minhas colegas do clube de corrida:

- Não existe mau tempo, o que existe é equipamento ruim.

Traduzindo: os canadenses passaram as últimas décadas desenvolvendo as mais sofisticadas tecnologias para sobreviver a essas temperaturas indecentes. E uma parte desse pessoal dedica sua vida a desenvolver tecnologias para corredores. Isso significa que, se você comprar o equipamento adequado, você não vai passar frio. E o equipamento, conforme eu vim a descobrir, tem toda uma complexa ciência por trás. Por exemplo, a roupa que está em contato direto com seu corpo tem uma função muito importante: retirar todo seu suor da sua pele e levar ele para bem longe. Se você usa uma blusa qualquer, o suor congela, e em contato com a sua pele não só vai fazer você passar frio como também pode causar uma queimadura. Em cima disso, vem uma roupa que deve deixar o ar circular, para que você não comece a produzir calor enquanto você tá correndo e sofra de superaquecimento, tenha desidratação, e corra o risco de sofrer um colapso no meio da corrida. Ou seja, tão importante quando ficar quente é manter o corpo frio. Se você colocar uma blusa de lã e gola rolê provavelmente você vai ter problemas com calor, não com o frio da corrida.... Por fim, por cima de tudo, vem a camada quebradora de vento (windbreaker). Essa roupa é a que garante que a ventania que abaixa a temperatura em dez graus não vai atingir diretamente seu corpo (e consequentemente te esfriar drastricamente).

Ou seja, em nome da ciência, hoje eu sai de casa com isso:


Vale notar que a blusa em contato direto com meu corpo é a mesma que os astronautas usam quando fazem viagens espaciais. Ou seja, não tiver problema nenhum na corrida. E notem que há duas calças porque tem também uma calça quebra vento (assim como o casaco azul claro).

Mas vocês devem estar se perguntando o que fazer com o rosto. É. Essa é uma área complicada. As meninas do clube de corrida me ensinaram a passar vaselina no rosto, para a pele não queimar em contato com o ar. Além disso, eu corro com um gorro na cabeça, cobrindo as orelhas, e com um cachecol de corrida (que é esse negócio verde na foto, entre meu gorro e minhas luvas). Até onde eu sei, a vaselina funciona, pois meu rosto chegou são e salvo ao final da corrida.

O problema maior, que eu descobri hoje, são os fluídos. Por alguma razão que eu desconheço, seu nariz escorre de uma maneira pornográfica quando está frio, e seus olhos lacrimejam como se alguém tivesse morrido. Não há como controlar isso. Acontece. E acontece durante toda a corrida. O pessoal da tecnologia, ao invés de inventar algum tipo de substância que evite o processo, deu uma outra solução para o problema: colocaram lenços portáteis nas luvas:


Como vocês podem ver, o dedão tem um tecido poroso que absorve líquidos com facilidade. Portanto, quando você está imersa em fluídos, você esfrega a luva na cara... Sim, eu sei que a tecnologia deixou a desejar nesse ponto... Acho que a única coisa que eu posso fazer é recomendar que vocês nunca apertam a mão de um corredor com luvas quando estiverem visitando o Canadá.

Para quem estáse perguntando porque a luva da direita tem apenas três dedos, a resposta: tecnologia para lidar com o inverno. Essas são as chamadas luvas-lagosta (lobster gloves), porque eu pareço de fato uma lagosta quando estou usando elas. E eu me sinto uma lagosta, porque eu não consigo segurar quase nada com isso. Mas há uma razão para todo esse sofrimento: como os dedos são quentes, eles se esquentam mais se ficam juntos. Se você separa os dedos como na luva da esquerda, cada dedo tem que se esquentar por si próprio e o trabalho fica mais difícil. Portanto, as luvas-lagosta deixam cada dedo com um irmãozinho para eles ficarem quentes.

Vale notar que eu saí com ambas as luvas hoje, a luva-lagosta por cima da luva normal, e ainda assim que não estava sentindo a ponta dos meus dedos no final da corrida. Porém, isso ocorre porque além de estar frio minha circulação periférica é péssima, e o pessoal da tecnologia de corrida não consegue resolver todos os problemas do mundo, aparentemente....

Mas voltando aos fluídos: eu estava dizendo que quando você corre no frio seu rosto expele fluídos descontroladamente. Hoje, todavia, estava tão frio que os fluidos congelavam antes de você conseguir limpar. Eu notei isso quando olhei para uma das meninas e tinha uma lágrima congelada cobrindo a bochecha inteira dela. Daí eu olhei para outra, e os cílios dela estavam todos brancos. E no final da corrida foi a minha vez: me disseram que todo meu suor tinha saído pelo meu gorro e congelado, de maneira que meu gorro estava coberto com uma camada branca de gelo. E a mesma coisa com meu rosto. Segundo elas, eu parecia o papai noel adolescente, quando a barba ainda estava nascendo...

Confesso que no final da corrida a última coisa com a qual eu estava preocupada era minha aparência. O café quentinho que tava me esperando na lanchonete onde nos encontrarmos no final parecia infinitamente mais importante. Mas, da próxima vez, vou com meu gorro de sequestradora, para garantir que eu pareço uma marginal perigosa e não o bom velhinho! Afinal, aparência não é quase nada para quem está tentando se proteger do inverno canadense, já que o quesito elegância desaparece por completo da sua lista de prioridades, mas não custa nada cuidar desses detalhes importantes que podem afetar minha imagem pública...





sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Um Ano Novo Brasileiro

Enquanto o natal foi canadense, meu ano novo foi bastante brazuca. Minha família decidiu - junto com as outras 70 milhões de pessoas no país -- apostar na loteria. Fizemos um bolão familiar, e compramos um bilhete da "mega-sena da virada".

É incrível como essas coisas mexem com a nossa cabeça. Apesar de saber que, segundo os cálculos estatísticos, nossa chances de ganhar eram mínimas, eu já estava fazendo planos de como ia gastar minha bolada. E a família inteira -- e os outros 70 milhões de apostadores -- estavam fazendo a mesma coisa. Como é possível saber racionalmente que a probabilidade de algo ocorrer é mínima e ainda assim deixar se levar por esse tipo de ilusão de que nós vamos ganhar na mega-sena da virada?

Eu não sei. Para mim é um grande mistério. Imagino que deve ser algo no meu sangue brazuca, dado que o Brasil é um dos países com o maior sistema de loteria no mundo, graças ao alto número de apostadores. Em poucos países a loteria é tão popular quanto no Brasil. O que poderia explicar esse fato de que a população brasileira simplesmente ignora a realidade (apresentada pela probabilidade estatística -- que é mínima -- de se ganhar na loteria), e continua fazendo "uma fezinha"? Não sei. Juro que não sei.

Mas o mais interessante foi ver os números sorteados e descobrir que acertamos só dois números. Esse foi o momento em que a realidade me atingiu como um tijolo na cabeça, e parei de sonhar com um futuro de extravaganças e voltei a pensar com um certo desapontamento que tinha que estar no trabalho na segunda-feira. Lembrei da minha avó. Minha avó sempre dizia que preferia comprar uma coxinha, a comprar um bilhete de loteria. "Bilhete de loteria é dinheiro jogado no lixo!". Sim, minha avó era assim: esses desvaneios não deveriam tomar o lugar da dura e crua realidade do mundo. Ela não precisava olhar para análises estatísticas sofiscadas para saber que não ia acontecer. E o cérebro dela tinha algo de muito sábio para não ignorar (ainda que momentaneamente) a realidade e dar vazão às esperanças vãs de virar milionário de um dia para outro.

E, se conheço bem minha avó, quando saísse o sorteio, ela provavelmente não ia nos poupar. Consigo visulizar ela virando para a família e falando: "Vocês deviam ter gasto esse dinheiro comprando uma ceia para o ano novo. Pelo menos a gente não tinha que cozinhar!". Sim, primeiro natal sem a minha avó e a família já está se metendo em encrenca... Como dizem por aqui, "I guess it is all downhill from here".

Um Natal Canadense

Meu natal canadense foi cheio de coisas ... canadenses. Primeiro, eu tive três (!) festas de natal. Uma festa com meu running club, outra na véspera de natal com uma colega da faculdade, e outra no dia de natal, na casa do irmão de uma amiga. A primeira foi cheia de vinho e sobremesas:



Acho que a coisa mais canadense dessa festa foi o cheesecake para diabéticos, dado que cheesecake é uma coisa da América do Norte, e preocupação com os altíssimos níveis de diabetes também...

A coisa mais canadense da segunda festa foi estourar os crackers, uma tradição inglesa importada para o Canada. Depois da ceia, cada pessoa pede para a pessoa sentada do seu lado na mesa puxar o seu cracker, enquanto você puxa na direção oposta. Dentro tem um mecanismo com um pouquinho de pólvora que estoura quando puxado. Daí dentro do seu cracker você encontrar uma piada que você tem que ler para todo mundo na mesa (não achei nenhuma que valia a pena recontar aqui) e você ganha uma coroa de papel que todo mundo põe na cabeça e fica ridículo. Em defesa dos canadenses, devo dizer que essa tradição é mais inglesa que canadense...

A terceira foi uma festa de familia, e não teve nenhuma tradição particularmente canadense, mas tinha a maior árvore que eu vi esse natal (mais ou menos 3 metros).




Para voces terem uma idéia, essas são as outras árvores com as quais eu tive contato esse ano. Em ordem decrescente, essa é a árvore na entrada do meu prédio (2 metros),



e essa outra é a minha árvore (20 cm).




Mas o mais legal é que o dono casa não comprou a árvore de 3 metros, mas ele foi na floresta cortar a árvore pessoalmente, com seus quatro filhos. Eles tiveram que andar duas horas na neve até achar a árvore perfeita, e serraram ela pessoalmente... Mais canadense que isso impossivel! E o contraste é claro: a árvore na entrada do meu prédio é um pinheiro de verdade, mas provavelmente foi comprado. Já minha árvore, que fica em cima da minha TV, é uma respeitável árvore de plástico, iluminada por fibras óticas (assim eu não preciso me preocupar nem em comprar um pinheiro, nem enfeitar ele com as luzes...).

Antes das festas, duas outras tradições canadenses. Primeiro, comer panquecas no brunch (que é só um nome chique para um café da manhã tardio e muito pouco saudável em um dia em que todo mundo se programa para dormir algumas horas a mais).



O elemento mais canadense das panquecas é o Maple Syrup (que eu não sei traduzir, mas sei que é apropriado para diabéticos...)


A segunda tradição canadense foi patinar na Nathan Philipp Square, que fica no centro da cidade, em frente a prefeitura.




A pista de patinação é aberta ao público (ou seja, você pode esquiar de graça se trouxer seus próprios patins). Os estrangeiros -- como eu -- podem alugar um par de patins por duas horas.


Mas o mais curioso da Nathan Phillips Square é o fato de que não tem qualquer corrimão para os iniciantes se segurarem. Acho que os canadenses não conseguem conceber a possibilidade de que alguém não saiba patinar. Portanto, não há qualquer necessidade de corrimões....

E houve uma grande surpresa! Descobri que no estacionamento da prefeitura há vagas para alces, caso você decida ir para o trabalho (ou ir patinar) usando um meio de transporte menos poluente que seu carro. Esse é o sinal para você saber quais são as vagas reservadas para alces:


Só não entendi porque o primeiro ministro canadense não indicou que eles tinha esse tipo de iniciativa não conferência sobre aquecimento global...