Mas hoje uma outra discussão chamou minha atenção: em um crise humanitária como essa, quando devem os jornalistas ajudar, e quando eles devem simplesmente assistir e contar a história? Vários jornalistas deram suas opiniões pessoais sobre o assunto em um programa de rádio que ouvi agora a noite. Muitos argumentaram que ajudar é uma questão ética. Faz parte de ser um ser humano: quando você vê outro ser humano sofrendo, seu impulso, instinto e vontade é ajudar. E muitos deles ajudam, como podem.
A questão se complica, todavia, quando o jornalistas são questionados sobre qual a melhor forma de reconciliar a ética pessoal com a ética de trabalho. Muitos acham que ajudar não é parte da história, e jornalistas devem separar claramente os momentos de ação humanitária do trabalho profissional deles. Ou seja, eles acham errado ajudar e ao mesmo tempo transformar isso em uma história para a mídia. Muitos consideram abominável a atuação de Sanjay Guptha, médico e correspondente da CNN, que dá a volta o mundo salvando vidas na frente das câmeras. Todos concordam que isso dá Ibope (a CNN que o diga!), mas muitos acham que isso não é jornalismo. É teatro, reality show, ouu é a versão moderna do herói em quadrinhos (em um mundo em que a TV tomou conta das nossas vidas), mas não jornalismo.
Ainda que se aceite a idéia de que os jornalistas devem separar as coisas (e desligar a câmera quando decidirem que é hora de ajudar), há um outro problema que surge em algumas circunstâncias: o que fazer se o jornalista tem que escolher entre contar a história ou ajudar? Deveria o jornalista perder a história e ajudar, ou será que ele ou ela tem uma obrigação profissional de relatar o que acontece, do jeito que acontece, sem interferir na realidade? A maioria dos jornalistas entrevistados, que estavam até recentemente no Haiti, não enfrentaram esse dilema. O relato deles é que a maioria das pessoas precisa de assistência médica, o que eles não estavam qualificados para oferecer. Quem precisava de água e comida eles ajudaram, sempre que possível.
Há um caso, todavia, em que esse dilema entre trabalhar ou ajudar ficou bastante claro: o caso da foto de Kevin Carter sobre a crise humanitária no Sudão em 1994.

A foto mostra uma garotinha de 4 ou 5 anos de idade está tentando se arrastar para um campo de refugiados, em busca de comida. Ela está há tanto tempo sem comer, que não tem mais forças para se locomover. Um abutre espera pacientemente pela refeição dele. E o fotógrafo, que ganhou um prêmio pela fotografia, está observando tudo.
Eis o dilema: intervir significaria pegar a garota nos braços, levá-la para o campo de refugiados, e perder a fotografia. Assistir a tudo isso significa ganhar o registro do evento, às custas do sofrimento alheio. Deveria o fotógrafo ter abandonado a chance de conseguir essa imagem para socorrer a menina?
Uma colega minha de Yale que hoje é professora nos EUA apresentou um artigo sobre essa fotografia em uma conferência aqui na Universidade de Toronto no ano passado. A questão que ela levantava no artigo era se de fato a escolha do fotógrafo era entre ajudar a garota ou ser egoísta para ganhar prestígio e dinheiro com a imagem. Se for esse o dilema que ele enfrentou -- e alguns relatos da foto descrevem como ele passou vinte minutos esperando o melhor momento para tirar a foto e depois disso sentou debaixo de uma árvore fumando cigarros -- não há dúvidas de que há algo moralmente errado com a conduta do sujeito.
Porém, minha colega levanta um outro argumento possível: será que ele, ao decidir tirar a fotografia ao invés de ajudar, não estaria simplesmente transferindo para outros ao redor do mundo o afeto e compaixão que ele sentia pela menina? Ou seja, caso ele tivesse guardado a câmera e carregado a menina para o campo de refugiados, a maioria de nós seguiria com nossas vidas, sem perder muito tempo pensando na crise no Sudão. A partir do momento que a foto circulou na mídia, todavia, ela teve um enorme impacto. As pessoas de repente se conscientizaram da gravidade de crise. Ainda que essas pessoas não tenham se mobilizado, ao menos sofreram tanto quanto o fotógrafo parece ter sofrido ao assistir aquela cena. Ou seja, o afeto e a sensibilidade que o mundo passou a ter com o Sudão e com as pessoas afetadas com a crise humanitária aumentou depois que essa foto foi tirada. Portanto, o dilema do fotógrafo não era aquele descrito acima. Ele não estava em busca de benefícios pessoais, à custa do sofrimento alheio. Ele também não estava traçando uma linha entre as obrigações éticas e os deveres profissionais de jornalista/repórter. Ao invés disso, ele achou que era mais importante que o mundo todo se solidarizasse com aquela menina e com todas as pessoas afetadas pela crise no Sudão.
Minha colega disse que o artigo dela gerou um debate acalorado. Não me surpreende. Os jornalistas canadenses não podem ajudar muito no Haiti e isso já está gerando um debate. Imagine uma situação dessas, onde o jornalista poderia ter ajudado. Mas poderia mesmo? Há uma pequena controvérsia aqui: alguns argumentam que o fotógrafo não ajudou a menina porque os soldados da ONU tinham instruído ele a não tocar nas crianças. Isso é coerente com os relatos segundo os quais ele sentou debaixo de uma árvore e chorou por horas a fio depois de tirar a foto.
Mas, ainda que isso não tenha acontecido, acho que, no fim das contas, o argumento da minha colega é válido: ele não estava entre um dilema entre fazer o trabalho dele bem, ou fazer o bem. Ele estava entre um dilema entre fazer um bem menor (salvar a menina) ou um bem maior (conscientizar o mundo sobre a crise no Sudão, e possivelmente salvar um número maior de pessoas). Nesse sentido, ele fez seu trabalho bem e acabou fazendo o bem também.
Quatro estudantes de ética na mídia concordam comigo:
3 comentários:
I think taking the photo or saving the child is different from whether journalists should insert/ share their moral judgment into the story and this is also different from the superman journalists (or journalist doctors) saving lives in front of th camera. Funny they had this on the radio, it was the topic few days ago on NPR and they were basically bashing Sanjay Gupta!
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This is a difficult issue. I am not sure that I have the moral or ethical authority to take a position given all that I have not done for those in the Sudan. Carter did not carry the girl to the food station for help. But I did not advocate on her behalf, either. I knew about the famine, but I did not write my government and ask it to send more help, nor did I donate to agencies working with the Sudanese. Carter was in close proximity, but I am not so far removed from this suffering that I could not have done more.
In terms of the broader issue of the ethics of photojournalism under such circumstances, I consider that it is of critical importance to develop historical records of events. Someone must bear witness to those moments of humanitarian crisis, atrocity, and suffering so that others can learn and send assistance. It is also very important to record events so that others cannot deny they occurred in later years. Those who forget history -- or who deny it -- are destined to repeat it.
To be able to sustain moral conflict (or moral suffering) and yet act in a rational way - take the picture, so others might see - is more a sign of humanity than the opposite, isn't it?
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