terça-feira, 7 de junho de 2011

Os biscoitos da sorte e eu

Semana passada estive em uma conferência com pesquisadores do mundo inteiro, e tive cinco dias de imersão em tudo que há de pesquisa de ponta na área que chamam de Direito e Sociedade (Law & Society). Estou com um caderno cheio de anotações e muitas coisas para pensar, ler e criticar. Mas, por alguma razão, a coisa que está martelando na minha cabeça depois de cinco dias intensos de discussões acadêmicas é uma conversa que tive no domingo, durante o brunch no delicioso restaurante Colibri

Uma pesquisadora australiana que trabalha na mesma área que eu (ou seja, ela estudo formas de usar reformas no sistema jurídico para promover desenvolvimento) me disse que o fato de eu estar em Toronto, ao invés de estar no Brasil, muda minha perspectiva das coisas. De alguma forma, isso tem um impacto negativo na minha pesquisa, segundo ela. Não foi a primeira vez que ouvi essa crítica. Um grande amigo brasileiro, que produzia pesquisa de altíssima qualidade, usava uma metáfora ilustrativa para fazer a mesma crítica: a boca acaba ficando com o formato do cachimbo, depois de tanto fumar. Ele dizia que eu precisava passar mais tempo no Brasil, caso contrário meu pensamento ficaria poluído por teorias produzidas na América do Norte, que pouco ou nada ajudam a entender a realidade brasileira.

Coincidentemente, na noite anterior, eu tinha jantando com um colega chileno que, depois de dar aula em Nova Iorque por alguns anos, voltou para o Chile. Perguntei sobre a mudança. Ele me falou que sentia falta de alguma coisa, mas ele não sabia o que. Disse que tinha a impressão que tinha mais tempo para pensar e escrever quando estava em Nova Iorque, mas ele achava que a carga de trabalho nas duas escolas era a mesma. Portanto, não era uma questão de tempo.  Eu aventurei minha explicação. Quando estou no Brasil, em sinto inundada de informações, de forma que fica difícil separar o que é importante e o que não é. Estar imersa na realidade, daquela forma, atrapalha qualquer análise. Em geral, eu adquiro alguma clareza sobre o que eu estou vivi quanto volto para Toronto, e me distancio daquilo tudo. Daí as coisas começam a ficar claras, e eu consigo organizar minhas idéias. Meu amigo concordou entusiasticamente com a proposição. E disse que era exatamente isso que ele estava sentindo. 


Tentei usar meu argumento com a australiana. Ela concordou parcialmente, mas insistiu que eu deveria passar períodos significativos de tempos no Brasil, para poder falar com alguma propriedade do país, sem ser influenciada por idéias estrangeiras. Como uma australiana que estudo a Malásia e a Romênia, é isso que ela faz. 

Ontem, andando pelas ruas de Chinatown, em San Francisco, me deparei com um problema similar. Descobri que os famosos "fortune cookies" (biscoitos da sorte). Se vocês tentarem procurar no google, vão encontrar vários sites sugerindo que esses biscoitos surgiram na China, no século XIII. A lenda é bonita, mas muito distante da realidade. Os biscoitos foram criados aqui em San Francisco, por imigrantes chineses tentando ganhar dinheiro. Para aqueles que não querem acreditar, dêem uma olhada nesse vídeo de um repórter americano que levou os biscoitos para a China e mostrou para os chineses:






Ou seja, o problema é o mesmo. O fato de que os biscoitos foram inventados por imigrantes chineses na Califórnia torna eles menos chineses? Algumas pessoas acreditam que sim. Assim como a australiana que criticou minha pesquisa, alguns argumentam que a partir do momento que esses imigrantes estão fora do pais (assim como eu) o que eles produzem deixa de ser típico. Eu, por outro lado, argumento que esses chineses produziram algo que fez o maior sucesso e não teria sido criado se eles tivessem ficado na China. Quem sabe minha pesquisa não vai ter o mesmo destino dos biscoitos da sorte e ficar mundialmente famosa?Ou quiçá eu só estou tendo os pensamentos megalomaníacos de sempre, que nada mais fazem senão deixar o blog mais divertido...

Toda essa história me lembrou da minha última visita à Califórnia, quando fui apresentar um artigo na Universidade de Stanford. O artigo propõe que ao invés de tentar consertar instituições disfuncionais, nós deveríamos fazer "pontes de safena institucionais" (para quem tiver paciência e interesse, a versão inteira do artigo está no SSRN; para quem quiser a versão resumida, veja a p. 30 da revista da faculdade). Na noite anterior à minha apresentação, fomos todos jantar em um restaurante chinês. Portanto, assim que acabou a refeição, recebemos nossos biscoitos da sorte. E, por coincidência (ou não!), o professor que ia comentar meu paper no dia seguinte tirou um biscoito com os seguintes dizeres: "Modify your thinking to handle new situations" (mude seu modo de pensar para lidar com situações novas). Todo animado, ele gritou: - é sobre seu artigo! Esse biscoito é sobre seu artigo! 

O que isso significa? Não sei. Mas guardei o papelzinho na minha carteira. Se eu não ficar famosa com o conceito de "ponte de safena institucional", posso ao menos tentar jogar na mega sena com os números no verso. Tem gente que tentou e conseguiu! 

2 comentários:

Anônimo disse...

Achei interessante você ligar uma questão existencial e intelectual profunda (a aproximação e o distanciamento do objeto de estudo) aos biscoitinhos. Você conhece o "O ofício de etnólogo, ou como ter "anthropological blues"", do Damatta?
Marcelo

Anônimo disse...

Concordo com a sua colega australiana: se estudasse o Quênia deveria passar grandes períodos lá para ter alguma mínima ligação com a cultura. Mas acho que você, além da fixação com a comida e falar português, mantem uma considerável capacidade de compreensão da brasilidade. Algum ruído sempre existirá, a boca é torta pelo cachimbo ou porque bebe água olhando para Sol (vovó sempre disse), mas sempre é torta em algum grau.
VGG