Os jornalistas italianos decretaram um dia de greve ontem por causa da chamada "lei da mordaça". O governo está propondo uma lei que limita o número de escutas telefônicas e tem provisões que também limitam o uso de informações obtidas através dessas escutas pela imprensa. Alguns argumentam que o motivo por trás da decisão do governo é se auto-proteger de escândalos, já que essas escutas foram a causa de muitas das crises políticas mais recentes. Outros ponderam, todavia, que o número de escutas na Itália é um dos maiores do mundo. Parece que o país teria 100.000 escutas, contra 15.000 na Inglaterra. Mas os jornalistas insistem que restringir as escutas é diferente de restringir o direito da imprensa de usá-las. E por isso organizaram o dia do silêncio, no qual os principais jornais do país não circularam, websites não foram atualizados, e as únicas empresas operando normalmente eram as controladas pelo Berlusconi.
Eu fiquei sabendo do problema com essa lei quando ainda estava na Itália. Meu hotel ficava muito perto de uma pacata praça, chamada Piazza Navona.
Nessa praça sempre havia artistas, fazendo shows...
... ou simplesmente mostrando sua criatividade.
Um dia, porém, eu cheguei na praça e ela estava absolutamente lotada, com um palanque, gente fazendo discurso, e uma multidão com bandeiras vermelhas. Enquanto os jornalistas protestavam contra a lei da mordaça, o esquerdistas e revolucionários de plantão resolveram aparecer para dar apoio e protestar contra todo tipo de injustiça na face da terra.
Mas o mais interessante foi ver o tipo de mercadoria que começou a ser vendido na praça por causa do protesto contra a "lei da mordaça". As camisetas "I (coração) Rome" foram rapidamente substituídas por camisas vermelhas com o rosto do Che Guevara e outros slogans a favor da revolução, contra a dominação capitalista, etc, etc. Até a Mafalda estava estampada em uma das camisetas. Enfim, com tantos latino-americanos pra inspirar o que quer que fosse preciso (revolução, protesto, greve) eu estava me sentindo em casa.
As semelhanças com o Brasil são muitas. Em abril desse ano, um projeto de lei de autoria do Maluf propunha a punições de procuradores que propusessem ações de má fé. O projeto ficou conhecido como "lei da mordaça". As motivações por trás do projeto, segundo o PPS, são similares às motivações dos políticos italianos: a lei foi proposta logo depois de escandâlos e acusações contra o partido do governo.
Eas semelhanças não páram aí. Em 2007, o governo Lula formulou um projeto de lei que, dentre outras coisas, criminilizava a divulgação do conteúdo de escutas telefônicas pela imprensa. O sensato Marcio Thomaz Bastos, então ministro da justiça, interviu para que o artigo fosse retirado do projeto. Mas por muito pouco não se apresenta um projeto ao Congresso que simplesmente vai na contramão da história.
Em ano eleitoral, como é de se esperar, foram perguntar para a Dilma o que ela acha do assunto. Por óbvio, ela se declarou a favor da liberdade de imprensa. E eu fico feliz de ver que a democracia brasileira chegou em um ponto em que qualquer outra declaração seria absolutamente inaceitável. Mas como tudo na vida, na política "the devil is in the details". Portanto, as pergunta não é se ela é a favor ou não da liberdade de imprensa. A pergunta é que tipo de liberdade de imprensa ela favorece. E aqui a resposta dela foi um pouco mais dúbia: disse que era a favor da liberdade de imprensa, mas também favorecia o controle público dos meios de comunicação. O que você quer dizer com isso? A candidata, ou o partido, não esclarecem.
Controle público pode significar muitas coisas. Por exemplo, pode significar regulação do setor, onde o governo estabelece regras e limites para que os jornalistas desempenhem suas funções. Isso é bom ou ruim? Depende de que tipo de regras serão impostas. Se estamos falando de lei da mordaça, provavelmente não é um controle público muito saudável. Outra coisa que controle público pode significar é propriedade estatal dos meios de comunicação. E a Dilma frequentemente se manifesta a favor do controle estatal de várias coisas (mas esse é um tópico para outro post). Mas eu sinceramente espero que ela não esteja sugerindo esse tipo de controle público nesse caso. A última coisa que precisamos é ficar ainda mais parecidos com a Itália, onde a família do Berlusconi controla os principais meios de comunicação e afeta, muito negativamente, o bom funcionamento da democracia naquele país.
Berlusconi mantém o controle de 3 dos 7 principais canais de televisão da Itália, além de ter uma publicação semanal de notícias no país, um jornal diário e a maior editora de livros da Itália. Outros 3 canais são da estatal RAI, controlada pelo parlamento onde o premier tem maioria. Desde a época de Mussolini, nunca a interferência política na mídia esteve tão alarmante na Itália como agora. Como consequência desse controle, o índice de liberdade de imprensa elaborado pela Freedom House indica que a Itália em 2009 caiu da categoria "livre" para "parcialmente livre". Ou seja, eles estão se aproximando do Brasil, que tem sido considerado "parcialmente livre" por alguns anos. Porém, nosso índice de liberdade de imprensa ainda é muito mais baixo que os deles (eles tem 10 pontos a mais que nós, segundo a Freedom House). Ou seja, nós não podemos nos dar ao luxo de sequer brincar com a possibilidade de reduzir ainda mais a liberdade da imprensa no Brasil.
Por isso, eu acho que alguém precisa começar a pressionar a Dilma e o PT para dizer o que realmente significa "controle público dos meios de comunicação". Como diz o ditado popular, é melhor prevenir do que remediar. Isso é especialmente verdadeiro nesse caso, porque remediar qualquer coisa com uma mordaça na boca vai ser bastante difícil...
Nenhum comentário:
Postar um comentário