sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A Guerra do Tráfego

Da penúltima vez que fui ao Brasil fiquei impressionada com a facilidade com que dirijo no trânsito caótico da cidade de São Paulo. São finas, fechadas, gente acelerando em cima de você quando você dá sinal para entrar na outra faixa e mais uma coleção de fofuras. Ainda assim, minha tranquilidade ao volante é espantosa. Xingo raramente e quase nunca me desespero. Na maior parte do tempo, estou prestando atenção na letra de música, notícias no rádio, ou espantada com alguma novidade nessa cidade que sempre surpreende.

E essa facilidade de dirigir em São Paulo é especialmente interessante se comparada com a tensão que sinto ao dirigir em Toronto. Aqui não há fechadas e finas: as faixas são tão largas que provavelmente seria utilizadas por dois carros ao mesmo tempo se os paulistanos de repente invadissem essa pacata metrópole canadense com seus carros. E para surpresa de qualquer cidadão que aprendeu a dirigir na selva de pedra, os carros diminuem de velocidade para te dar espaço para entrar na outra faixa assim que você liga a seta. Um nível de civilidade que espantaria qualquer paulistano.

Comecei então a elaborar, há quase um ano atrás, um post para o blog para refletir sobre essa experiência um tanto curiosa. Uma das hipóteses que levantei é que os carros são diferentes. No Canadá (e nos Estados Unidos) os carros são maiores e têm câmbio automático. Tenho menos sensação de controle dos carros lá do que dos carros aqui. O carro é tão grande, que é difícil saber onde ele começa e onde termina. Além disso, o câmbio automático tem um pouco de vida própria e demora mais a acelerar ou desacelerar que o câmbio manual, que me dá uma sensação maior de controle (que talvez seja fisicamente ilusória, mas psicologicamente é bastante efetiva…).

Resolvi então discutir a questão com a minha irmã, que levantou uma tese muito mais interessante. Disse ela que como aqui todo mundo tá fazendo tudo errado o tempo todo, eu sinto menos pressão para evitar erros. No Canadá, em contrapartida, como está todo mundo dirigindo tão corretamente, fica aquela pressão social para evitar erros. Acho que isso deve ser combinado ao fato de que o risco de sanções legais é também muito maior no Canadá, mesmo para infrações pequenas. Portanto, há todo um sistema social e legal que te pressiona a dirigir corretamente. A tese é particularmente interessante porque se liga à tese de Max Weber no livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, que explica que o sistema moral protestante, mais efetivo em fazer as pessoas cumprirem regras, fez com que sociedades protestantes se adaptassem muito mais facilmente ao regime capitalista de produção. Talvez minha irmã pudesse escrever o segundo volume da série A Ética Protestante e o Espírito do Tráfego nas Grandes Cidades.

A hipótese é ainda mais interessante porque explica, de uma maneira um pouco contra-intuitiva, meu nervosismo. Parece natural que eu ficasse nervosa em uma cidade onde corro mais risco de sofrer um acidente, não? Não. A grande sacada da hipótese da minha irmã é que toda a pressão (social e legal) para obedecer as regras no Canadá gera o que em inglês eles chamam de perfomance anxiety. A expressão descreve a ansiedade que se sente quando as pessoas tem uma alta expectativa quanto à qualidade da sua performance e você fica com muito medo de desapontá-las. Por isso minha tensão. É como se no Canadá eu estivesse entrando em um palco, com uma platéia observando atenciosamente minha performance. Pior ainda: a platéia está pronta para vaiar se eu errar um passo. Em São Paulo, por outro lado, é como entrar em uma pista de dança, onde estão todos meios embriagados e ninguém está dando a menor bola pra ver se você dança bem ou mal, desde que você não pise no pé deles.

Durante essa visita ao Brasil, vivi um episódio que deu muita credibilidade à tese da minha irmã. Ao tentar pegar um produto em uma prateleira nas Lojas Americanas, veio abaixo não apenas a prateleira, mas todas as caixas ali empilhadas, se espalhando espalhafatosamente pelo chão. Obviamente, todos que estavam ao redor pararam para olhar. E – para minha surpresa – não hesitaram em correr ao meu socorro. Não havia nada para ser salvo, ou socorrido. Só eu e meu ego em cacos, rodeada por caixas por todos os lados, enquanto eu segurava a única caixa que não tinha ido ao chão. Ainda assim, umas cinco pessoas colocaram-se rapidamente a recolher as caixas, enquanto um sexto tentava encaixar novamente a prateleira e uma vendedora, sem saber o que fazer, me perguntava se eu estava bem. Melhor ainda: durante o processo de arrumação, um sugeriu que a prateleira estava mal encaixada, e prontamente a tese foi recebida com aprovação por todos os outros. Logo, estavam todos em uníssono me eximindo de qualquer culpa. Ou seja, não apenas recolheram rapidamente as caixas, mas juntaram os cacos do meu ego e em cinco minutos estavam eu, as caixas e a prateleira devidamente restauradas. 
Não sei, sinceramente, qual seria a reação dos canadenses na mesma situação, mas acho que se afastariam, alguns com cara de reprovação, e assumiriam que era trabalho de um vendedor da loja ir lá arrumar a bagunça. Pior ainda: me deixariam com o ego em cacos, durante cinco dias, até eu voltar para o divã da minha analista e pagá-la para juntar os pedaços.

Apesar da hipótese da minha irmã ser muito boa, uma terceira hipótese surgiu durante minha visita mais recente a São Paulo. Estava eu a dirigir livre leve e solta quando ao parar atrás de um carro em uma curva, me assustei com o sujeito de repente engatando a ré e vindo com tudo pra cima de mim. Desci do carro para descobrir que o sujeito estava discutindo com alguém ao telefone. Aparentemente, ele testava tentando parar para estacionar o carro, exceto que ele deu ré no meio da rua e me acertou em cheio.

No momento apenas fiquei de mau humor e de saco cheio com o ocorrido. Afinal, bater o carro nunca é uma experiência divertida, mesmo quando o dano é só na pintura do pára-choque. Mas depois de algum tempo eu descobri que ali estava uma terceira hipótese. Em São Paulo se assume que os motoristas saibam se defender. Ou seja, da mesma forma que não há expectativa que eu obedeça as regras, há uma expectativa que eu saiba me defender ao volante de pessoas que não obedecem regras. Minha hipótese é que um motorista paulistano experiente já teria – por impaciência ou precaução – saído de trás do carro do sujeito quando esse começou a diminuir a velocidade. A aspirante a canadense aqui, todavia, diligentemente diminuiu a velocidade atrás dele, até parar totalmente o carro, assumindo que ele estava checando se vinha algum carro na outra rua antes de fazer a curva (Tolinha! Pensaria qualquer paulistano). Mais do que isso, não tive a rapidez de reagir ao ser pega de surpresa com um carro dando a ré em cima de mim. Ou seja, não soube me defender.
A hipótese que saiu do incidente (ou deveria eu dizer acidente, dessa vez?) é que no Canadá, eu não posso esperar que os outros motoristas se defendam. Em São Paulo, em contrapartida, as pessoas dão a ré no meio da rua assumindo que “é cada um por si”. Acho que por isso eu fico mais tranquila nessa terra de ninguém: posso assumir que é cada um por si. As pessoas vão se defender das minhas barbeiragens e evitar acidentes que nenhum canadense conseguiria nunca na vida evitar. E isso, de alguma forma, me deixa tranquila pra fazer bobagens. Ou seja, acho que não se trata de um medo do palco, mas sim do que os falantes da língua inglesa chamam de moral hazard: considerando que o risco de acidente parece menor, pois as pessoas sabem se proteger, eu me sinto a vontade para tomar menos cuidado. 

Essa conclusão, todavia, gera um problema: se por um lado fico tranquila por que os outros sabem lidar com minhas barbeiragens, preciso descobrir o que fazer quando eu é que estou encarregada de evitar as bobagens alheias. Se eu continuar com essa minha atitude canadense perante a vida, provavelmente essa será apenas a primeira de muitas batidas na paulicéia desvairada…

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Música do Dia


(vale notar que esse vídeo foi inspirado pelo projeto Playing for Change, que eu mencionei em um post anterior).

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Postando de novo!


Segue uma outra versão da música do post anterior, dado que o mesmo não está disponível no Brasil. 

Ao tentar investigar as causas do problema, descobri um monte de coisas interessantes sobre a tecnologias de filtro na internet em diversos países, includindo o Brasil (aqui). Por exemplo, vocês sabiam que quando o video da Cicarelli foi bloqueado devido a um processo da modelo contra o YouTube, o pessoal do Rio ainda conseguia assistir ao vídeo, então bloqueado no resto do país. Isso porque os mecanismos de bloqueio e filtro existem, mas não são 100% efetivos. Fiquei pensando se pessoas em lugares diferentes no Brasil tiveram diferentes experiências com o vídeo do post anterior.

Mas voltando à minha investigação: parece que a EMI (que é parte do grupo Warner Music ) queria cobrar royalties do You Tube, mas o acordo não saiu e vários vídeos de música da EMI (e de todo o grupo) foram tirados do ar em 2008. O vídeo que postei foi bloqueado pela mesma empresa a EMI. Todavia, isso não explica porque eu consigo assistir o vídeo em Toronto, mas o pessoal do Brasil não consegue. Acho que tem algo a ver com um sistema de direitos de propriedade intelectual no qual o vídeo somente fica disponível em países nos quais as distribuidoras conseguem cobrar royalties por cada exibição. Mas ainda preciso investigar isso com mais cuidado.

Há diversos problemas com o sistema de propriedade intelectual que vigora hoje no mundo e eu ainda tenho muito a aprender sobre isso. O pouco que eu sei veio das pesquisas do Centro de Tecnologia e Socidade da FGV. Para os interessados, recomendo especialmente dois dos trabalhos produzidos pelo centro:

Tecnobrega: o Pará reinventando o negócio da música



O primeiro inclui uma análise de filtragem de conteúdo (o tema deste post) e o segundo conta uma história interessantíssima de uma indústria de música chamada Tecnobrega que ficou tão popular no Norte do Brasil que começou a movimentar uma quantia significativa de dinheiro. Todavia, eles não eram afiliados à indústria da música, que vive de royalties (ou seja depende de propriedade intelectual, acordos exclusivos e muita propaganda). Portanto, pra conseguir sobreviver, eles criaram um novo modelo de negócios para música:





E o pessoal do Tecnobrega não está sozinho. Um modelo muito similar de negócios é o da trupe Teatro Mágico (veja o site), que conheci por acaso, ao ser apresentada ao cantor principal do grupo, Fernando Anitelli numa festa há muitos anos atrás. Fernando, com todo seu carisma, me disse que tinha uma música no CD dele com meu nome, e me deu uma cópia do CD.



Naquela época, eu estava prestes a embarcar para um mestrado nos Estados Unidos, de onde o Fernando tinha acabado de voltar depois de uma temporada como "músico de pizzaria", como ele mesmo dizia. Ouvi muito o CD e gosto das músicas, mas nunca mais tinha ouvido falar do Fernando. 

Um dia, numa visita ao Brasil, me deparei com o projeto dele listado como um dos melhores do ano na Folha de SP. E o mais interessante é que ele tinha sido eleito por votação popular, pois sua produção não entra nos circuitos das grandes gravadaoras e havia sido, portanto, ignorada pelos críticos da Folha. Mas o público corrigiu a falha dos críticos e mostrou que há vida, música e gente interessante fora do mundo limitado -- e muitas vezes injusto -- da indústria fonográfica, e dos direitos de propriedade intelectual que suportam essa indústria. Apesar do sucesso, ele se recusa a assinar um contrato com uma gravadora, e produz música independente, que sobrevive de shows e dos produtos da trupe. As músicas podem ser baixadas gratuitamente na internet e não é vendida. Esse é o segredo no negócio dele.

A música que eu mais gosto do CD chama Zaluzejo (abaixo). O Fernando fez essa música em homenagem à moça que trabalhava na casa dele. Eu acho essa música uma grande celebração da nossa cultura brasileira, cheia de crenças, superstições e gente que, segundo o Fernando, não fala errado, mas sim reinventa as palavras.


  

E não é só o Brasil que tem esses grandes empreendedores que conseguem revolucionar toda uma indústria, e um regime jurídico, com um violão debaixo do braço. Na Nigéria, o pessoal fez o mesmo com uma câmera na mão, e criou o Nollywood. Mas essa conversa vai ficar para um outro post. 


quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Maldito bolo e bendita neve

Quando se está tentando aprender uma língua estrangeira, as expressões idiomáticas são provavelmente a parte mais difícil do aprendizado, pois a maioria delas não tem um significado evidente (e suspeito que uma parte delas não faz o menor sentido). Coloquem-se no lugar de um estrangeiro que ouve a seguinte frase:

- é a cara do pai, cuspido e escarrado.

Qual a conexão entre similaridades físicas do filho com o pai e os atos de cuspir e escarrar? Um estrangeiro dedicado pode eventualmente descobrir que a expressão parece ter vindo de "esculpido em [mármore] carrara", o que faz um pouco mais de sentido (veja aqui esse e outros exemplos), mas ainda demanda um trabalho extra pra se descobrir o significado. Nesse meio tempo, o estrangeiro fica "a ver navios" na conversa, agora sem saber o que significa "cuspido e escarrado" e "ficar a ver navios"...

O inglês não é muito diferente. Quando ainda estava no mestrado, fiquei totalmente perdida, por exemplo, um dia que uma amiga me escreveu perguntando "can we take a rain check on the movie tonight?".  Eu não fazia a menor idéia do que era queria fazer com nossos planos de ir ao cinema. Rain check? Não estava chovendo e não tinha um restaurante ou bar com o nome "rain check", pensei. Será que ela quer levar alguma coisa que chama "rain check" pro cinema? Como estávamos na era pré-google, resolvi perguntar. Ela, como uma boa historiadora, não hesitou em explicar: o termo surgiu com ingressos para um outro jogo de baseball, caso o mesmo fosse cancelado por causa da chuva. Com o tempo, foi se expandindo para incluir qualquer tipo de cupom ou benefício que dava ao cliente o direito de, no futuro, adquirir um produto ou usar um serviço que estivesse temporiamente indisponível. Daí passou a ser usado em ocasiões sociais, quando as pessoas querem apenas adiar algo programado (ao invés de simplesmente desmarcar o compromisso). Resumo da ópera: ela queria adiar nossa ida ao cinema, e ia ficar perdida com o termo "resumo da ópera" se estivesse tentando aprender português e lendo esse post. 


Com o tempo, a gente vai se acostumando com as expressões idiomáticas e elas passam a fazer parte do nosso vocabulário. Mas tinha uma expressão que eu nunca entendi: 

"you can't have your cake, and eat it too." 

Para minha surpresa, em um jantar em uma conferência (sim, aprendo muito sobre a vida em conferências!), encontrei uma norte-americana que confessou pra mim -- bem baixinho -- que ela passou a maior parte da vida dela tentando entender essa expressão. Ela compartilhava meu estranhamento: como é que a expressão diz que você não pode ter o bolo e também comer ele? Se o bolo é seu, claro que você pode comer ele! Na verdade, você não poderia comer ele se não fosse seu. Como boas advogadas, estávamos ambas preocupadas com todas as potenciais sanções legais que podem recair sobre alguém que, por acaso, decida comer o bolo alheio sem autorização. Todavia, a idéia de que todos nós tínhamos nua propriedade sobre o bolo (você podia ter o bolo, mas não podia usar, gozar ou fruir dele) era basicamente incompreensível. Enfim, eu tinha encontrado alguém que compartilhava minha angústia com o diabo do bolo.

Daí ela me explicou que um dia, de repente, ela entendeu a expressão. Segundo ela, a expressão se refere ao fato de que no momento que você comer o bolo, você não vai mais ter um bolo. Ou seja, se você quiser ter o bolo, não pode comê-lo e se você quiser comê-lo, não vai mais ter propriedade sobre ele (simplesmente porque ele vai deixar de existir). A explicação faz sentido, ainda que seja uma forma muito torta de falar uma coisa relativamente simples. Talvez a frase fosse mais compreensível na ordem inversa: "you can't eat your cake, and have it too."


Mas hoje, ao sair de casa, eu totalmente entendi o significado da expressão. Estamos tendo um dos invernos mais quentes da história. Em meados de dezembro, está fazendo dez graus positivos em Toronto. Eu estava me deliciando com a idéia de um inverno com temperaturas um pouco mais decentes, até que me deparei com uma baita chuva hoje, e uma previsão de chuva ininterrupta para os próximos dias. E foi aí que percebi que um inverno quente significa que não cai neve. E neve é muito mais agradável que chuva. Com a neve,  fica tudo bonito e a gente não chega ensopada em casa. Sair na neve não exige guarda chuva, na implica sapato molhado, e não tem aquela coisa desagradável de carros e bicicletas passando em poças e molhando pedestres. 


O problema é que não dá pra ter seu bolo e comer ele: ou você tem um inverno quente, com muita chuva; ou você tem um inverno frio, com muita neve. Ainda não consegui decidir qual dos dois eu prefiro. No momento, com essa chuva toda, estou inclinada a pensar que prefiro o frio. Mas como prevê o ditado: assim que eu comer meu bolo, não vai demorar muito pra eu me arrepender e pensar que gostoso seria ter meu bolinho agora... 

Em contraste, o governo Canadense não está tão em dúvida quanto eu. A decisão deles de abandonar o protocolo de Kyoto, anunciada essa semana em Durban, indica claramente que eles preferem a chuva. Espero que não se arrependam depois!

sábado, 10 de dezembro de 2011

Desculpe, mas eu amo o Canadá


Durante um dos jantares da conferência em Israel estava conversando com um colega holandês sobre diferenças culturais. Comentávamos o fato de que o jantar tinha sido marcado para 7:30pm. Esse horário era muito tarde pra ele, que costuma comer as 5:30pm, mas era muito cedo para os latino-americanos, que começam a pensar em comida a partir das 8:30pm. Brinquei com ele que eles comiam cedo como os americanos. Ele imediatamente respondeu que essa era provavelmente a única coisa que eles tinham em comum com "aquele país" (acentue-se o forte tom de desprezo na voz do holandês, que eu não consigo reproduzir aqui). E acrescentou: não sei como as pessoas conseguem viver nos Estados Unidos. 


Eu imediatamente argumentei que concordava com o desprezo que ele tinha pelos Estados Unidos, mas achava que o Canadá era muito diferente. Estava pronta pra comprar uma briga, já que a maioria das pessoas pensa que a parte francesa do Canadá, Quebec, é bastante européia, mas o resto do Canadá é igual aos Estados Unidos. Para minha surpresa, todavia, ele imediatamente concordou e passamos uma boa meia hora falando como os Canadenses apreciam boa comida, são mais educados, e em geral muito mais preocupados com qualidade de vida do que com sucesso profissional a todo custo. 


A única coisa de positiva que esses dois países têm em comum é a cultura não-sexista, afinal sexismo e machismo impera nos países latinos (tanto europeus, quanto latino-americanos). E, nesse caso, uma imagem vale mais do que mil palavras: 




 Tradução da legenda que acompanha a foto, que anda circulando na internet: O ministro Canadense (à esquerda) completamente absorvido em si mesmo. O Obama com o impecável profissionalismo exigido nos círculos de poder nos Estados Unidos. O Sarkozi e o Berlusconi, em contraste, não hesitaram em dar uma olhada -- pouco discreta-- para a bunda da moça. 

Ou seja, nos Estados Unidos e Canadá, os homens têm (ou são forçados a ter) compostura. E muitos aspectos dessa compostura são impostos por lei. A lei canadense interpreta estupro muito mais amplamente que outras legislações, como a brasileira. Um marido, por exemplo, pode ser condenado por estupro caso tenha forçado a esposa a fazer sexo contra sua vontade. E isso inclui situações em que a mulher começou a fazer sexo e quis parar no meio. A Supreme Corte do Canadá explicitamente disse que o consentimento tem que ser comunicado antes e durante o ato sexual, e o argumento de que ele foi dado antes não permite que o sujeito se sinta no direito de continuar o ato contra a vontade da mulher. Infelizmente no Brasil ainda temos que lidar com sentenças em que os juízes acreditam que o estuprador -- um perfeito desconhecido -- não deve ser condenado porque a mulher estava usando roupas provocantes na rua. Alguém pode me explicar como usar roupas provocantes dá a um estranho o direito de fazer sexo com você sem seu consentimento? 


Mas exceto pelas leis que forçam os homens a ter um mínimo de compostura, há diferenças significativas entre os Estados Unidos e o Canadá. 

Primeiro, a regulação sobre produtos industralizados é muito mais rígida no Canadá. Faça o seguinte teste: compre um KitKat (um biscoito de waffle coberto com chocolate) em cada um dos países e experimente uma mordida sem ver qual é qual. Você vai ver que o Canadense é infinitamente melhor. O governo aqui limita a quantidade de açucar e gordura que os fabricantes podem por no produto, o que acaba gerando um produto com mais sabor e mais saudável. Assim, a mesma empresa, com o mesmo produto, mesma embalagem, é forçada a oferecer dois produtos distintos no Canadá e nos Estados Unidos. Em contraste, os Estados Unidos, na tentativa de tornar as merendas escolares mais saudáveis acabou de passar uma regulação dizendo que pizza qualifica como legume, por causa do molho de tomate.  Como diz o Renato Russo, "que país é esse?".


Segunda diferença entre Canadá e Estados Unidos: direito societário. Assisti duas palestras essa semana que discutiam um caso chamado BCE, decidido pela Suprema Corte canadense (veja um resumo em espanhol aqui). A legislação americana é famosa por considerar que os diretores de empresas tem uma obrigação de proteger os interesses dos acionistas, o que gera uma obrigação de aumentar os lucros da empresa. A corte canadense, em contraste, disse que os diretores tinha uma obrigação com a empresa em si (the corporation), não com os acionistas (the shareholders). Portanto, ao decidirem como agir, os diretores de empresas canadenses precisam levar em conta os interesses de todos afetados negativamente pelos atos da empresa (stakeholders), não apenas dos acionistas. Muitos estão se perguntando se isso se estende, por exemplo, a uma obrigação com comunidades negativamente afetadas por empresas de exploração de recursos naturais. Parece que esse é ainda um tópico controverso. Mas com certeza a decisão da corte em BCE ilustra que esse é um país onde a ganância -- assim como os impulsos sexuais -- apenas ter lugar se não estão violando direitos e interesses de outras pessoas.



Por fim, os canadenses se desculpam por tudo, toda hora. Isso é uma coisa tipicamente canadense. Nos Estados Unidos, a grosseria e falta de educação impera. Isso é especialmente verdade em Nova Iorque. Meu amigo A., muito adequadamente, apelidou a cidade de "Planeta dos Macacos". Ainda acho o título muito mais apropriado que Big Apple. Mas não a falta de educação não se concentra em Manhattan. Lembro da minha prima M. me visitando em New Haven. Fomos fazer compras e a caixa do supermercado começou a gritar conosco -- anda! anda! -- porque estávamos demorando muito (do ponto de vista dela) para ensacar as compras. Provavelmente aqui no Canadá a caixa ia se desculpas por não estar ajudando.... 

Para dar uma idéia dos extremos aos quais os canadenses podem chegar, basta notar que eles se desculpam pelos ônibus que não estão em circulação:



Logo depois do jantar e da longa conversa com o meu colega holandês, eu descobri que  esse aspecto da cultura canadense é uma diferença cultural gritante. Pedi a um colega israelense para me acompanhar até um mercado aberto, pois queria comprar uma banana. Queria apenas uma única banana, pra comer na manhã seguinte. O feirante começou a reclamar que eles vendem por caixo, não por banana, etc. Imediatamente, como boa aspirante a cidadania canadense, pedi desculpas. E, para minha surpresa, tomei uma bronca. Meu colega israelense me disse para nunca me desculpar, em hipótese alguma. No meio da bronca, ele explicou, enfaticamente, que pedir desculpa era sinal de fraqueza. Eu resolvi não discutir o assunto, mas não pude deixar de ficar conjecturando se os conflitos naquela parte do Oriente Médio seriam menos intensos se a cultura deles fosse um pouco mais aberta a ocasionais pedidos de desculpas. Afinal, não é a toa que o Canadá tem uma grande tradição com missões de paz no cenário internacional.

Fica aqui, portanto, minha declaração de amor a esse país, com um pedido de desculpas para todos que potencialmente podem ficar ressentidos.   


Música do Dia




quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Os taxistas e a globalização

Tive uma semana cheia. Depois de dar minha última aula do semestre, sobre globalização, embarquei para Israel, para uma conferência. Por coincidência, a discussão que tive com os alunos estava diretamente ligada à minha viagem. Discutimos se o fato de que agora o mundo todo bebe coca-cola e come Mc Donald’s – um dos efeitos da famigerada globalização -- é bom ou ruim.

Alguns alunos argumentaram que é péssimo: a homogeneidade cultural acaba com a diversidade e, por consequência, com grande parte da riqueza da humanidade. Não pude deixar de lembrar desse argumento quando me deparei com um café da manhã no hotel em Tel Aviv com croissants, cappucinos e iogurtes danone. Estando no oriente médio, achei que o hotel ia servir Labneh com azeite de oliva e pão sírio no café da manhã. Mas tive que me contentar com uma refeição que eu poderia perfeitamente ter comprado no Starbucks na esquina da minha casa em Toronto.

Durante a aula, alguns alunos argumentaram que a globalização tem aspectos positivos, pois permite que as pessoas compartilhem conhecimento, o que aumenta diversidade, ao invés de diminuí-la. Por exemplo, ao abrir lojas em outros países, o McDonald’s compartilha um método de administração que é inovador. A mesma coisa pode ser dita sobre o Starbucks. Portanto, quando o franchise se espalha pelo mundo, leva consigo estratégias de administração de empresas que podem ser úteis para empreendedores em outros países. De fato, esses alunos têm um ponto. Quando chego no hotel em Tel Aviv e o pessoal da recepção segue o mesmo procedimento seguido em todos os hotéis ao redor do mundo, minha vida fica mais fácil. Imagina eu tendo que negociar o preço de um quarto, se essa fosse a tradição deles por aqui (e note-se que ainda é a tradição para vendedores ambulantes). Com certeza não ia ser uma experiência agradável…

A propósito, essa idéia (de que os métodos de administração de empresas são tão importantes quanto o produto em si) explica porque o Brasil não tem um Starbucks, apesar de produzir um dos melhores cafés do mundo. O Clóvis Rossi escreveu uma coluna sobre o assunto, perguntando porque a gente não tinha criado a Starbucks brasileira. Minha resposta seria: porque não se trata só de café de qualidade, que o Brasil de fato tem, mas sim de métodos inovadores de administração de empresas, que não abundam no país. Para ter esse tipo de inovação, precisamos investir em educação. Ou seja o café sozinho não cria redes mundialmente famosas de cafeterias. Precisamos aprender a cultivar empreendedores. E pra isso a gente precisa muito mais do que sol e terra fértil. 

Mas voltemos ao ponto do post. Todas essas considerações sobre globalização não me ajudaram a analisar o que acontece com os motoristas de táxi. Da última vez que estive em Israel, em 2008, um taxista me deixou em uma rua com o mesmo nome da rua que eu procurava, exceto que ela ficava em outro município. Como o preço da corrida de Jerusalém para Tel Aviv tinha sido pré-negociado por um amigo israelense (que é a norma aqui), o motorista saiu ganhando com o calote.

Dessa vez, outro motorista tentou me engambelar. Depois de um jantar, eu e dois colegas  entramos em um táxi pra voltar para o hotel. Começamos a negociação pra fechar um preço, mas o taxista queria muito. Eu e meus colegas decidimos então pedir pra ele ligar o taximetro. Ele ligou e imediatamente – e previsivelmente -- entrou em uma rua que ia na direção oposta à do nosso hotel. Mandamos ele voltar e ele falou que ele ia cobrar uma taxa extra porque nós éramos três pessoas no táxi. Nesse momento, a gente devia ter descido do táxi. Descobrimos depois que os três tinham pensado que essa era a melhor solução, mas por alguma razão ninguém fez a proposta. Seguimos para o hotel. Quando chegamos no hotel, não deu outra. O taxista apertou três botões e o valor da corrida duplicou de preço. Nos recusamos a pagar e descemos do carro, dando pra ele o que achávamos justo. Não foi uma cena bonita: nós gritávamos com o taxista enquanto ele gritava de volta conosco. Como ele se recusou a pegar as notas, a gente jogou todo o dinheiro no banco da frente, antes de descer do carro. Provavelmente a noite teria sido muito mais agradável se tivéssemos simplesmente caminhado de volta pra o hotel. Enfim.

O triste da história é que ela acontece com mais frequência na minha vida do que eu gostaria. A cena do motorista apertando três botões no taximetro pra triplicar os valor total da corrida não foi nova pra mim. Em 2009, em Palermo na Itália, aconteceu a mesma coisa. Eu e dois colegas tínhamos pegado um táxi do aeroporto para o hotel. Depois de ver o sujeito apertar três botões e triplicar o preço, protestamos, e ele concordou em reduzir o preço. Mas nossa vitória durou pouco: assim que descemos do táxi o recepcionista do hotel nos informou que tinha um preço fixo para viagens saindo do aeroporto para o centro da cidade. Obviamente, tínhamos pagado muito mais do que devíamos. A decisão do governo de fixar o preço da corrida tinha sido, na verdade, uma tentativa de reduzir esse tipo de calote. Mas não há nada que salve turistas mal informados como nós…

Tenho a sensação de que esse tipo de comportamento é típico de motoristas de táxi em todo mundo, não só no mediterrâneo. Acho que não sofri com esse problema no Rio ou em São Paulo porque não sou uma turista mal informada, mas conheço pessoas que passaram por mal bocados nas duas cidades, tanto brasileiros quanto estrangeiros. E Toronto também não se salva. Experiência própria. E em Toronto, assim como na Itália, o preço da corrida saindo do aeroporto é fixo. Não me surpreende.

Já que culturas variam de lugar para lugar, seria de se esperar que a honestidade dos taxistas também variasse um pouco. Mas isso parece não acontecer com muita frequência. Por que? Parece estranho pensar que isso é efeito da globalização. Afinal, os serviços de táxi ao redor do mundo não são controlados por corporações multinacionais. Além disso, não existe franchise no setor – um McTaxi’s – que estaria espalhando para os quatro cantos do globo um método inovador de administração de negócios, o calote. O que explica, portanto, que você pode contar com um salafrário quase todas as vezes que entra em um táxi, não importa onde esteja?

Talvez, ainda que indiretamente, isso tenha a ver com a globalização. Há uma coisa em comum entre todos os taxistas: o taxímetro. Ainda que as empresas de táxi não sejam globalizadas, a maquininha com certeza é. E daí é só combinar a globalização do taximetro com a natureza humana: o taximetro gera um incentivo para que os motoristas enganem os passageiros. Quanto mais ele roda, mais ele ganha. Portanto, ao globalizar o taximetro, nós globalizamos também o incentivo para o calote. 

Qual a solução? Uma alternativa é negociar o preço. Com isso, as chances dos motoristas ficarem rodando em vão diminuem. O problema é que turistas mal informados também saem em desvantagem, pois a gente não sabe qual seria mais ou menos o valor da corrida. Então não sabemos qual preço é exorbitante. Além disso, quando há duas ruas com o mesmo nome em locais distintos, nem o preço negociado protege o turista mal-informado. Experiência própria…

Acho que precisamos, na verdade, globalizar outras coisas além do taxímetro. Por exemplo, em Toronto, no banco de trás, há um cartaz com a foto e o nome do motorista. Uma vez reclamei com um taxista que ele tinha feito um caminho mais longo do que o necessário, e ele imediatamente deu um desconto no valor final da corrida. Ela sabia que eu podia facilmente descer do táxi e ligar para a empresa para reclamar sobre o comportamento dele, dando o nome dele e tudo. Acho que esse tipo de identificação precisa ser globalizado, ainda que eu provavelmente não vá conseguir decifrar o nome dos motoristas escrito em outro alfabeto, como o hebraico ou árabe. Portanto, sugiro que haja também o número do carro, que é um pouco mais universal.

Minha única dúvida é o que acontece com os motoristas chineses. Quando estive lá em 2009, tive uma dificuldade imensa de achar um táxi que conseguia ler o alfabeto ocidental. Ou seja, eles não conseguiam entender pra qual hotel eu queria ir ou sequer ler o endereço. Mas fora isso, não tive qualquer problema na China, tanto com taxímetros quanto com corridas com preço pré-arranjado. E não tinha identificação do motorista em nenhum lugar (e ainda que tivesse, eu não ia conseguir decifrar o alfabeto). Ainda assim, eles se comportam impecavelmente. Talvez seja o fato de o governo tenha punições severas para várias coisas. Por exemplo, corrupção é punida com pena de morte. Talvez o modelo chinês sugira algo como chibatadas ou choque elétrico para os motoristas que derem o calote em passageiros. Se for esse o caso, não proporia a expansão desse modelo ao redor do mundo. Mas se for qualquer coisa mais aceitável, acho que os chineses deveriam estar vendendo a expertise deles na forma de franchises. Eu adoria encontrar, sempre que chegasse em um país novo, o Ching-ling Taxi, minha garantia de uma corrida sem calote!

domingo, 20 de novembro de 2011

Cachaça com mel

Passei o fim de semana de cama, com uma gripe daquelas. Não me escapou a ironia do fato de que exatamente nesse fim de semana eu deveria estar revisando um artigo que escrevi sobre o sistema de saúde brasileiro. Veio a gripe e o fim de semana se foi, sem qualquer sombra do sistema de saúde (ou do artigo). 

Apesar da doença, consegui juntar forças para mandar um email para um colega com quem me encontrei na quinta-feira. Ele estava super gripado e, cautelosamente, não me cumprimentou com os tradicionais dois beijos. Mas ainda assim tivemos uma reunião. E depois de algumas horas na cama, com febre, refletindo sobre o assunto, atribui a ele toda a culpa da minha gripe. Me achei no direito, portanto, de mandar um email reclamando. Não sei direito o que esperava como resposta. Mas com certeza não esperava a resposta que recebi: "Bem vinda ao clube. Tome cachaça com mel."

Todo mundo diz que essas receitas caseiras, muitas vezes, tem algum fundamento, ainda que as pessoas não saibam qual seja. Mas eu resolvi investigar. Minha intuição dizia que bebidas alcólicas não são uma boa coisa pra quem está gripado. E, de fato, vários websites recomendam evitar bebidas que causam desidratação, incluindo café e cachaça. 

O que minha intuição não captou é o fato de que o açucar também faz mal pra quem está gripado. Me deparei com esse artigo que diz que a ingestão de açucar suprime o sistema imunológico, tornando ainda mais árdua a batalha que seu corpo está lutando pra matar o vírus. Surpreendentemente, o efeito do açucar não se restringe ao momento de digestão do açucar, mas permanece em efeito até 6 horas depois da refeição. Ou seja, ao ingerir açúcar gripado, é como se você estivesse mandando um avião carregado de armamento pesado para os rebeldes que invadiram seu corpo e estão tentando derrubar o governo. Minha conclusão é que beber mel com cachaça durante uma gripe é quase como mandar toda sua poupança para financiar atividade terroristas...

Isso não significa que todas as receitas caseiras vão causar sua ruína. Parece que a tradicional canja de galinha funciona (veja aqui). A lição que tirei dessa história é que adotar as receitas caseiras recomendadas por mães e avós é bem mais recomendável do que seguir as receitas caseiras dos seus colegas bebums. 

Talvez por ter evitado a cachaça com mel, consegui voltar ao trabalho agora a noite. Ironicamente, dei de cara com uma entrevista do Ministro da Saúde dizendo que a dinâmica do atendimento médico mudou muito, dado que as pessoas tentam de auto-diagnosticar e se auto-medicar com a ajuda da internet -- como eu fiz -- e isso gera muitos problemas. De fato, ele tem um ponto. Afinal, nunca se sabe se quem escreveu as coisas que estão disponíveis na internet foi alguém como meu colega bebum ou alguém como minha avó. Todas as referências cientifícas nos websites parecem indicar que foram pesquisadores sérios e dedicados, mas o autor pode também ter sido um adolescente se divertindo às suas coisas com uma linguagem pseudo-científica que não faz o menor sentido.


Sem saber o que fazer, decidi voltar ao meu artigo, pois parece mais fácil descobrir como curar os males que afligem o sistema de saúde brasileiro do que curar minha gripe...

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Quando a realidade atrapalha a festa

Em fevereiro, confessei publicamente que estou usando o facebook mais do que eu gostaria de admitir. E estou mesmo. O site virou minha principal fonte de informação e contato com o mundo externo. A maioria dos meus amigos compartilham coisas que estão lendo nos jornais ou em outros sites. Portanto, ao invés de abrir três websites de jornais de manhã, vasculhando notícias interessantes, basta eu abrir o facebook e procurar a seleção de artigos interessantes que meus amigos fizeram da Folha de S. Paulo, de O Globo, e do NYTimes. Isso sem contar os artigos interessantes em sites obscuros que com certeza eu não iria ler se não estivesse na "rede social" do momento. 

Outras pessoas parecem usar o facebook para manter contato com outras pessoas, rever amigos, compartilhar fotos, dizer em que restaurante estão comendo no momento, etc. Confesso que já fiz isso algumas vezes, e a popularidade desses "posts" (se é que são chamados com esse nome) foi muito maior do que a popularidade das minhas leituras e qualquer outra coisa mais intelectualizada que eu tenha colocado. Ou seja, acho que o pessoal que usa o facebook está claramente tentando me avisar que eles preferem saber da minha vida pessoal do que saber o que eu ando lendo ou que palestras ando assistindo no TEDTalks. Tudo bem. Nunca fui popular na escola mesmo e nunca me preocupei com isso. Acho que a essa altura da vida, está um pouco tarde pra mudar o rumo das coisas...


Mas antes de ontem eu me deparei com um uso novo do facebook. Uma amiga colocou uma mensagem sobre um rapaz que havia sido sequestrado. O post tinha a foto dele, indicando nome, placa do carro e telefone para contato. E o post me intrigou. Pensei se seria possível usar o facebook de maneira efetiva para achar pessoas desaparecidas. E, para minha surpresa, a resposta foi positiva. Graças ao facebook o rapaz foi encontrado baleado em um hospital, onde tinha dado entrada como indigente por falta de documentos.  O final não foi feliz, todavia. Ele morreu. Mas hoje já tem uma outra amiga minha postando uma mensagem similar, também com foto. Diz o texto:

Gente, preciso da ajuda de vcs... este rapaz da foto é o Bruno Ribeiro, 32 anos, ele e o pai trabalham aqui comigo, e o Bruno está DESAPARECIDO desde sexta-feira, dia 14/10. Ele estava com um Honda Civic (do modelo antigo) prata, de placa COZ-1155, estava em Vila Velha a última vez q foi visto. O pai está desesperado, já procurou em delegacias, hospitais e até no IML, sem sucesso. Se alguém tiver qualquer informação é só entrar em contato comigo. Compartilhem, e desde já obrigada!

Essa pessoa claramente se inspirou na história anterior pra fazer o pedido. E pode ser que o facebook de novo entre em ação para ajudar a localizar o rapaz. Mas a pergunta que eu faço é até quando o facebook vai servir de instrumento pra esse tipo de ajuda. E minha aposta é que isso não vai durar muito tempo. O número de pessoas sequestradas no Brasil diariamente é altíssimo. Se todas as pessoas que estiverem em busca de alguém desaparecido começarem a espalhar esse tipo de mensagem no facebook, isso inundaria todas as páginas com esse tipo de mensagem. Isso, por sua vez, reduziria a disposição que as pessoas teriam para repassar a mensagem adiante. Resultado? A efetividade deste tipo de apelo tenderia a reduzir com o tempo.

Além disso, acho que as pessoas entram no facebook pra sair da realidade, não pra dar de cara com ela. Ao menos não assim, nua e crua. No facebook todo mundo está bonito, falando coisas interessantes e inteligentes, compartilhando piadas. Pra muita gente, o facebook é como uma festinha portátil, na qual você entrar e sair quando tem dez minutos livres, ou quando está de saco cheio do seu chefe e precisa espairecer. Discutir coisas interessantes nos jornais é exatamente o que eu faço quando saio com meus colegas de trabalho. E é o que eu faço no facebook. Outras pessoas preferem falar sobre um restaurante legal, sobre a última viagem que fizeram, ou sobre alguma coisa que ouviram no elevador. Independente de que tipo de animal social seja, pra todos é um momento de socialização. Agora imagine o que aconteceria se toda vez que você entrasse em um bar para tomar chopp com seus amigos entrasse uma pessoa gritando: esse rapaz foi sequestrado, ajudem a encontrá-lo, repassem o cartaz adiante. Imagine se isso acontecesse com uma certa regularidade. Aposto que você ia mudar de bar, não? 

Não me entendam mal. Não estou acusando ninguém de descaso. Todo mundo se importa com as pessoas que foram sequestradas, e gostaria que isso não acontecesse. Mas no momento em que você decide dar uma festinha na sua casa ou tomar um chopp com seus amigos, você está se divertindo. Ninguém quer, naquele momento, entrar em contato com aquela realidade em que as pessoas são sequestradas. Você quer falar de outras coisas. Você quer esquecer que sequestros existem. Aqueles que são como eu, querem engajar em conversas interessantes com pessoas inteligentes e bem informadas. Se uma pessoa fica interrompendo esse momento de diversão repetidamente com um anúncio de uma tragédia que precisa de providências urgentes e imediatas, você resolve se divertir em outro lugar. 

Em suma, minha aposta é que esse tipo de mensagem, se for usada com frequência, terá cada vez menos efetividade, apesar de ser um serviço de utilidade pública. Isso vai acontecer porque a razão pela qual as pessoas estão no facebook é outra. É socializar. A pergunta que fica é se esse tipo de mensagem vai morrer por falta de audiência, ou se elas vão afogar o facebook e as pessoas vão decidir fazer a festinha em algum outro lugar. 

Façam suas apostas. 

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Steve Jobs e as forças do caos

Texto de Helio Schwartsman hoje na Folha. 

Fiquei feliz de ver que eu e ele estamos lendo os mesmos livros ultimamente. 

"De mortuis nil nisi bene". Numa tradução livre: "Não se deve falar dos mortos senão benevolamente". A máxima é atribuída a Quilão, citado como um dos Sete Sábios. O autor é hoje um ilustre desconhecido do século 6º a.C. Sua frase, contudo, ficou. Costuma ser citada em latim (embora Quilão fosse grego) por causa de Horácio, que a imortalizou no idioma do Lácio.
Como de sábio eu não tenho nada, arrisco colocar-me contra a unanimidade mundial que surgiu em torno de Steve Jobs, o executivo da Apple morto na semana passada. Não chego, é claro, a falar mal do empreendedor norte-americano, mas parece oportuno relativizar um pouco a genialidade que agora todos lhe atribuem. O que vamos discutir, no fundo, é se a própria genialidade existe ou se não passa de mais uma ilusão cognitiva.
Para o que segue, utilizo-me de ideias publicadas em livros como "The Tipping Point" (o ponto da virada), do jornalista Malcolm Gladwell, "The Drunkard's Walk" (o andar do bêbado), do físico Leonard Mlodinov, e especialmente "Everything is Obvious, Once You Know the Answer" (tudo é óbvio, uma vez que você saiba a resposta), do físico e sociólogo Duncan Watts.
Não há muita dúvida de que Jobs era uma pessoa extremamente talentosa em sua área de especialidade. Só que, como ele, há pelo menos algumas dezenas de pessoas com capacidade comparável. Apenas ele criou a Apple. Por que a diferença?
Talvez seja melhor começarmos com produtos. Alguém se lembra do Betamax, o videocassete da Sony que se tornou sinônimo de desastre comercial? Como mostra Watts, tratava-se de um excelente aparelho. Tinha uma qualidade de imagem bem superior à de seu concorrente, o VHS lançado pela Matsushita. O que pesava contra o Betamax era o preço ligeiramente superior e a menor "autonomia" de gravação. Para colocar um longa-metragem em vídeo, eram necessárias duas fitas Betamax, contra apenas uma do VHS.
Outro detalhe é que a Sony apostou na arquitetura fechada (como, aliás, a Apple), enquanto a Matsushita permitiu que vários fabricantes utilizassem a tecnologia, com o objetivo de baratear os produtos e ganhar mercado.
Nada disso, entretanto, teria sido uma barreira insuperável. Retrospectivamente, é fácil ver qual foi o erro da Sony. A empresa havia imaginado que os vídeos seriam predominantemente utilizados para gravar programas exibidos na TV e assisti-los em horários alternativos. Não era um cálculo absurdo, como se demonstra hoje pela proliferação de gravadores digitais do tipo TiVo e de serviços de TV a cabo que dão ao assinante a opção de assistir ao programa no horário em que desejarem.
No mundo real, o que aconteceu foi que, no momento preciso em que Betamax e VHS chegaram ao mercado, a moda entre usuários de videocassete era alugar filmes em videolocadoras (alguém se lembra delas?). Aí, a maior autonomia de gravação do VHS foi determinante para seu sucesso. Ela reduzia pela metade o espaço necessário nas locadoras. Acrescente-se a isso o preço ligeiramente inferior e a arquitetura aberta e a pequena vantagem inicial se viu multiplicada várias vezes.
A Sony bem que tentou reverter a situação, lançando o BII, com fitas de mais longa duração, mas já era tarde. O VHS havia vencido a corrida para tornar-se o padrão do mercado.
O grande fracasso tem, portanto, pouco a ver com estratégia e muito com mudanças nas demandas dos consumidores que estão muito perto do imprevisível. Na verdade, havia estudos realizados na Califórnia fortemente sugestivos de que o aluguel comercial de fitas não poderia funcionar.
Tomemos agora um exemplo de Jobs: o iPod. Não há dúvida de que o aparelhinho é um tremendo sucesso, que hoje se credita à liderança visionária do empresário. Só que, se olharmos bem, o iPod reproduz vários dos "erros" que as experiências do Betamax e da própria Apple no mercado de PCs nos mandariam evitar. Os iPods, afinal, são relativamente grandes e caros e estão baseados em arquitetura fechada. Pior, o sistema de vendas pelo iTunes, um monopólio virtual, deveria, até onde vai a lógica, ser rejeitado com veemência pelo consumidor.
Estamos aqui diante do que o consultor Michael Raynor batizou de paradoxo da estratégia. A única diferença relevante é que as escolhas da Sony se revelaram erradas, enquanto as da Apple se mostraram corretas --pelo menos pra o iPod. A principal causa de fracassos não é má estratégia, mas uma excelente estratégia que, por algum acaso, se traduz em malogro. O que faz com que a visão inicial de cada empresa esteja certa ou errada é simplesmente impossível de saber com antecedência.
Emerge daí a noção de que o as forças do acaso, ou melhor, o caos, onde pequenas diferenças nas condições iniciais acabam se acumulando e interagindo de maneira complexa para produzir resultados totalmente imprevisíveis, têm um papel muito mais importante em nossas vidas do que gostamos de admitir.
Numa série de experimentos que começou em 2006, Watts e seus colegas Matthew Salganick e Peter Dodds demonstraram com elegância as proporções que as pequenas diferenças iniciais podem originar. Graças à internet, eles recrutaram 14.341 participantes que deveriam escutar, avaliar e, se desejassem, fazer downloads de 48 músicas inéditas de bandas desconhecidas. Os recrutas foram divididos em oito "mundos" distintos. Em alguns deles, tinham acesso apenas ao nome da música, e, em outros, podiam ver o nome da canção e a sua popularidade, medida pelo número de downloads naquele mundo.
Como o leitor já deve ter adivinhado, esses mundos evoluíram independentemente, e o que foi sucesso num deles pode ter sido um fracasso no outro. Os pesquisadores concluíram que as influências sociais são fortes. Nos mundos onde as pessoas podiam conferir a popularidade, as músicas mais baixadas se tornaram hits, o que, evidentemente, não ocorreu na situação em que as cobaias não tinham acesso ao número de dowloads.
Seria um exagero dizer que a qualidade não importa. As canções muito bem avaliadas na condição independente não se saíram extremamente mal em nenhum dos mundos. De modo análogo, as terrivelmente mal avaliadas nunca chegaram às paradas do sucesso. Mas, mesmo assim, sobrou espaço para a imprevisibilidade. Entre as canções medianamente avaliadas, tudo podia acontecer. Elas podiam estourar ou ser esquecidas. Quem dava as cartas era o caos.
Um outro nome para essas mecânicas é efeito borboleta, numa imagem que mistura dados brutos de ciência com um bocadinho de poesia. Vale a pena conferir a história desse nome. Em 1960, o matemático Edward Lorenz testava modelos meteorológicos nos primeiros computadores. Um dia, ele resolveu projetar alguns cálculos no futuro só que, em vez de refazer todas as contas desde o início, preferiu alimentar a máquina com os dados que tinha numa planilha impressa. Os resultados do modelo original com o das projeções não batiam. Logo Lorenz percebeu que a diferença tinha uma origem prosaica.
Na conta primeva, os dados numéricos iam até a sexta casa decimal, mas, nas projeções, ele só utilizou a terceira casa, que era o limite da impressora. Assim, um número como 0,506127 entrou como 0,506, no que bastou para "produzir" climas totalmente distintos. Como a diferença entre a terceira e a sexta casa era pequena demais para ser detectada pelos instrumentos meteorológicos, Lorenz concluiu que teria sido possível que o bater de asas de uma gaivota provocasse, algumas semanas depois, um furacão do outro lado do mundo. Depois, resolveu trocar a gaivota pela mais poética borboleta, mas a ideia é a mesma: o caos influi em todos os aspectos de nossa vida, ainda que não estejamos cientes disso.
Numa escala mais humana do que meteorológica, o efeito borboleta implica que, dependendo do que o seu amigo ou vizinho faz, você pode agir de maneira inteiramente diferente. Pode parecer uma bobagem, mas isso basta para minar as explicações que o senso comum dá para fenômenos como força de vontade, sucesso e fracasso e a própria genialidade.

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/989198-steve-jobs-e-as-forcas-do-caos.shtml

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Confissões de uma (pseudo) corredora (2): iRun

Não dá pra deixar a morte do Steve Jobs passar em branco. Ele mudou nossas vidas, e mudou para melhor. A mídia não pára de falar sobre a influência que ele teve em nossa sociedade e sobre como ele mudou o mundo. Mas acho que pouca gente está parando para fazer uma pergunta mais pessoal: como o Steve Jobs mudou a sua vida? E acho que essa pergunta é tão importante quanto as anteriores. Por causa disso, decidi escrever um post sobre como ele mudou a minha vida.  
Antes, todavia, uma ressalva. Eu não vou fingir aqui que o sujeito é um santo ou deveria ser endeusado do jeito que está sendo. Na verdade, no meio de tantas manifestações do gênero, achei bastante refrescante esse artigo aqui, que nos lembra de algumas coisas pouco elogiáveis e nada admiráveis da personalidade de Jobs (veja um resumo em português aqui).

Feita a ressalva, acho que eu – assim como uma boa parte das pessoas no mundo -- pode dizer que Steve Jobs mudou um pouquinho minha vida. Eu pessoalmente acho que, se não fosse pelo Steve Jobs, hoje eu não estaria correndo. 
Comecei a correr mais ou menos na época em que ganhei meu primeiro iPod. O iPod shuffle. Eu saia, com ele pendurado no meu pescoço, ouvindo música durante a corrida. Raramente eu usava – ou uso – o Ipod quando não estou correndo. Não sinto muita necessidade de ficar ouvindo o tempo inteiro. Mas quando estou correndo, música te distrai. Bastante.


No início eu ouvia o que tinha na minha coleção de CDs: muita música brasileira. Marisa Monte, Cássia Eller, Zélia Duncan, etc. Daí eu comecei a notar que minha disposição pra correr aumentava com as músicas mais dançantes e diminuia com as músicas mais calmas. Fui ver se minha impressão tinha algum respaldo científico e pra minha surpresa, descobri que alguns cientistas tinham feito experiências com isso. A performance de pessoas que estava ouvindo música era superior à performance das pessoas que não estavam. Esse link explica as diversas razões e uma delas é, de fato, simplesmente distrair você o suficiente pra você não pensar no cansaço, dores musculares e quantos kilometros ainda faltam.

Além disso, as pesquisas mostravam que minha intuição estava certa: quando a música estava sincronizada com o ritmo de corrida, a performance era ainda melhor. Fiquei empolgada com a aplicação prática desta descoberta: se eu achasse a música certa pra minha corrida (com o mesmo ritmo da minha passada), viraria uma estrela das pistas. Foi isso que fez o recordista mundial dos 10,000 metros, um etíope. A música dele chama Scatman.

O problema é que eu não sabia como me beneficiar dessa informação. Eu não conheço música (em especial música de discoteca) e não compro CDs o suficiente para ter em estoque músicas das quais eu gosto. Mas o Steve Jobs já tinha pensado numa solução: a loja do iTunes vende playlists de corrida prontas. Ou seja, você podia comprar músicas de correr pra baixar no seu iPod. E cada uma custava um dólar. Ou seja, não era um preço exorbitante ou inacessível para um serviço que pra mim era extremamente valioso. Enfim, com dez dólares consegui encher meu iPod de músicas que tornaram minhas corridas muito mais empolgantes, sem eu ter que me familiarizar com o mundo da música. Com frequência, não fazia idéia do que ou quem estava tocando no meu iPod, mas funcionava. Acho que sem aquele iPod shuffle talvez esse projeto de começar a correr tivesse terminado algumas semanas depois de começar, como a vasta maioria dos projetos na minha vida…
Para os que estão curiosos pra saber qual a "minha" música, aqui vai (e como vcs podem perceber, as batidas são bem mais espaçadas do que as batidas do campeão olímpico):

Daí meu iPod shuffle morreu. Depois de uns dois anos de uso, a bateria acabou. E o Steve não gosta de fazer produtos que as pessoas possam substituir as baterias. Ele prefere que você jogue fora o produto antigo e compre um novo. Da Apple, claro. Recentemente li um livro que mostra como essa e outras políticas da Apple era tudo o que as empresas deveriam evitar, segundo o bom-senso empresarial. Mas o Steve Jobs, teimoso e assertivo como ele é, insistiu em fazer o que levou outras empresas à falência antes. E por alguma razão que ninguém entende, deu certo. Para aqueles que acham o sujeito um gênio dos negócios, recomendo muitíssimo ler esse livro: Everything is Obvious: Once You Know the Answer (para um resumo excelente em português, veja isso). Vocês vai ver que o Steve Jobs parece mais um “lucky bastard” do que um gênio dos negócios na descrição do autor.
Todavia, eu confesso. Eu fui uma das pessoas que contribuiu para o sucesso da políticas questionáveis da Apple. Com a morte do meu primeiro iPod, passei para o segundo. O iPod Nano. 

E esse iPod me apresentou um maravilhoso mundo novo: os podcasts. Tinha um monte de gente, com um monte de coisa interessante pra dizer, gravando essas coisas e colocando na internet. E você pode baixar e ouvir isso sem pagar nada. Eu lembro de várias corridas nas quais eu estava ouvindo Slate Magazine, que tem um podcast tão interessante quanto a revista eletrônica deles. Passei muito anos ouvindo Slate, até que um colega me recomendou This American Life, que é um modelo bem diferente da Slate, mas é super interessante também.Hoje eles dominam minha lista de Podcasts.
Isso inaugurou uma nova era na minha vida. A corrida não era mais sobre performance. Eu não queria mais imitar os etíopes que ganhavam medalhas nas olimpíadas. Ao invés disso, a corrida se tornou aquele momento do dia em eu ouvia pessoas interessantes falando sobre temas atuais, com análises instigantes. Acho que com o iPod Nano e meus podcasts, eu deixei de me preocupar em correr rápido e passei a me preocupar com nada. Eu ia correr feliz da vida, pois era a hora do dia em que eu podia relaxar, me distrair e me divertir muito.

Provavelemente não foi apenas o iPod que fez as corridas ficarem mais fáceis, mas o fato de que meu corpo tinha se acostumado com as corridas e estava mais adaptado a uma rotina regular de exercícios. Mas ainda assim acho que o iPod Nano e os podcasts desempenharam um papel importante. Eu lembro algumas vezes de cair na gargalhada no meio da rua com alguma piada. Os transeuntes te olham com espanto, devo confessar. Mas eu estava rindo muito pra me importar com que eles estavam pensando. Lembro também de chegar em casa e decidir dar mais uma volta no quarteirão correndo, só porque eu queria terminar de ouvir um determinado podcast. Enfim, acho que a dinâmica mudou muito com o iPod Nano.
Recentemente, com a morte do Nano, voltei para o shuffle (thanks J. for the present!).


E entrei de novo em uma nova fase. Ainda mantenho meus podcasts, em especial o This American Life. Mas comecei também a comprar audiolivros (Audiobooks em ingles). Não vou me estender, todavia, dado que já falei do assunto no post em inglês
Qual o próximo passo? iPhone! Assim vou ouvir de tudo um pouco, enquanto meu GPS mede a distância da corrida e me avisa quando as pessoas estão torcendo por mim no facebook. Ou quem sabe eu vou usar o Iphone pra começar a gravar meu próprios pensamentos e escrever um livro enquanto eu corro? Nunca se sabe. O que eu sei é que a vida é bem melhor com todos esses brinquedinhos. 
Fica aqui meu muito obrigada, Steve!

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O Filho do Facebook

Meu amigo A. sempre me manda coisas super interessantes por email. Eu sempre fico com vontade de colocá-las, no blog, mas está difícil achar tempo ultimamente. Então decidi colocar uma nota curtinha aqui, pra comunicar o nascimento do Facebookson. Sim, um casal de São Paulo colocou esse nome no recém nascido.

A criança, ao complear 18 anos, provavelmente vai ter que enfrentar as cortes para mudar isso. Espero que os juízes possam ajudar o garoto, mas não colocaria minha mão no fogo. Afinal, os ilustres membro do nosso judiciário não tem demonstrado serem pessoas muito razoáveis ultimamente (vide o caso do CNJ e o aumento do salário do STF). 

A pergunta que fica é se, até lá, o menino vai sofrer muito. Com certeza o menino vai sofrer na escola, em especial se a tolerância com o bullying no Brasil continuar tão alta quanto está atualmente (veja aqui alguns dados). Mas será que o nome vai afetar as chances do menino de conseguir um bom emprego, e ser bem sucedido na vida? O livro Freakonomics analisou o problema e, ao menos no contexto americano, a resposta é não. O nome das crianças -- que podem ser nomes que predominam em famílias negras ou brancas -- não afeta suas perspectivas, ao menos não tanto quanto sua origem. Ou seja, o fato de terem nascido em famílias de baixa renda, terem pais com baixos níveis de escolaridade e crescerem em uma vizinhança pobre é o que afeta as perspectivas dessas crianças. Se os resultados da pesquisa se aplicarem também ao Brasil, as perspectivas futuras do menino seriam as mesmas se ele chamasse José ou Gustavo. 

O que fica sem explicação é porque os pais decidiram colocar esse nome na criança. Os mesmos pesquisadores tem um estudo elaborado sobre a origem dos nomes de bebês. Em especial, eles mostram como nomes de bebês migram das classes mais altas para as classes mais baixas. Mas essa pesquisa claramente não se aplica ao caso do Facebookson. Acho que aqui a causa não passa simplesmente de falta de bom senso...  

domingo, 2 de outubro de 2011

Confissões de uma (pseudo) corredora

Depois de uma longa e tenebrosa ausência, que em parte foi causada pelo fato de que eu estava treinando duro para correr meia maratona, estou de volta ao blog. E segue aqui a primeira de uma série de posts sobre essa aventura, que explica o título do post. Peço desculpas aos que não lêem em inglês, mas não tive tempo de traduzir. 


Are you a runner?

“No, I am not”.
This is the main thought that went through my head in the last few weeks, but specially as I finished my last long run, 22 kilometers, a few hours ago. I do not remember doing something so unpleasant and painful in my life since my divorce. I could not recall how I ended up signing for a half-marathon and being forced to train for it. But there I was, puffing and struggling to do the “assigned distance” for that day.
One thing that I found out in training for a half-marathon is that running long distances gives you a lot of time to think. Initially I thought this would be a productive use of my time: as an academic, I would be better off thinking while running, as opposed to sitting at my desk. But I soon found out that it does not work that way. To be alone with one’s thoughts for such an extended period of time is boring and tedious – or it may be that my thoughts are boring and tedious. I wonder if people who enjoy training for marathons have more interesting things to debate with themselves… Anyway, for me it was boring. Academics have classes, conferences, or at least a colleague next door by whom they can run an idea and discuss their thoughts. The days I spend alone, I am reading others’ people work, which is like a dialogue as well, only that it is not live. Doing long runs alone is like hearing a boring two hours lecture given by yourself to…yourself. And let me tell you, I am a tough crowd. Indeed, I am the kind of crowd to which I never want to give a lecture again in my life.
Because I did not like to be alone with my thoughts for such an extended period of time, I started listening to audio books during my runs. Some of them were dull; others were interesting. But even the dull ones had a major advantage over staying alone with my own thoughts: they were about things that I did not know or had not thought about. So, they distracted me from the fact that I was doing something rather unpleasant. But I still regret having signed up for this race and kept wondering how this happened.
I think it all started in an academic conference. After my presentation (to a much friendlier crowd than myself), T. came to me and asked:
- Are you a runner?
Totally taken by surprise, I replied: how do you know?
- Because you have a runner’s body.
I should confess that I became very proud of my runner’s body after that day, because I did not know I had one! The problem is that once you’ve got it, you get really attached to it. This is why I got so mad when I heard T. using the same sentence with another person a week later. It was another attempt to recruit a member for the recently formed running club, of which I was now part. Initially, I felt insulted. Actually, I was very close to throwing a fit:
-       “How come you are saying that to her? This person clearly does not have a runner’s body!”
Luckily, I decided to control myself. Imagine the headlines: university professor charged for offending a complete stranger. Not sure what I would be charged for, but it seems to me that someone could get in trouble for doing something like that. As T. repeated the question – and the fake compliment -- multiple times to various people over the course of the many months that followed, I got used to it. And I can truly attest that there is no discrimination in the use of that sentence. As long as you are a breathing human being, you face the risk of finding a stranger called T. tapping over your shoulder and asking: “Are you a runner? You have a runners’ body.”
Despite not caring about it anymore, the sentence is important for this inquiry about how I got myself into this. This is where it all started. It was this sentence that drowned me into the running club, and lead to the long-winding road that brought me to the despicable situation of running 22 kilometers while listening to a stupid audiobook and deeply regretting it. That sentence was the first sign. It was not only that lady that I was about to offend who did not have a runner’s body. I (and all the long list of people harassed by T. on a daily basis) also did not. But it took me a few years and over two months of training for a half marathon to realize that.
How could I fool myself for such a long time? Being a university professor, I would like to think that I am smarter than the average Joe. Yet I am confronted with the fact that most of the average Joes invited to join our running club realized that “they did not have a runner’s body” faster than I did. If my stupidity is to blame, the mystery is solved and we can all go home now. However, I would like to think that I am not stupid (I guess the average Joe does too, but that is beyond the point here). The point is this: because I am not ready to accept how stupid I am, I still need a persuasive account of why an (moderately, my fellow runners would add) intelligent person comes to wrongly believe – with such intensity – that she is a runner.   
If I am not as stupid as some other people in this running club will try to suggest, what is left? What made me believe I was a runner? To answer that question, I probably need to understand why I accepted the invitation that followed the question, the invitation to join the running club. Why did I showed up on that Saturday to run at 7am, a ridiculously early time for any member of civilized society to be out of bed on a non-working day? I don’t know. I guess I was lonely. At that point, I did not have much of a social life. So, going out with people seemed like an interesting proposition for someone who had absolutely nothing else to do, except work.
One thing is certain: for me, the running club was not about the exercise. I never had trouble following my running routine almost religiously, every other day. Running is a habit that I acquired while doing my doctorate and has stayed with me since then. Running 5 or 7Km was the way I found to reset my mental computer, after a day of intense intellectual work. It was the mental benefits of running, not the physical ones that pushed me into it. But except for running and work, there was not much going on in my life when T. made the invitation. I had been extremely disciplined about everything that had the label “obligation” and very undisciplined about anything that had the label “fun”. So when I showed up that Saturday morning I was just looking for a group that would force me out of the house once or twice a week to relax and socialize. It was those things that I did not have enough discipline to do on my own.
Now that I look back, I understand why I was hooked at that first meeting, over two years ago. Everybody hugged me when I arrived, which was very different from the handshake that I was used to in Canadian soil (it is often a welcoming handshake, but it ain’t a hug, if you know what I mean…). I liked that. No formalities. And I did not even see the run go by. I was getting acquainted with the rest of the group and being amazed with the fact that I was meeting so many people from so many different walks of life in one single day. There was a nurse, a financial advisor, a fashion industry executive, a person from the pharmaceutical industry, and T., who was an academic, like me. I felt like I had been living in a bubble all these years. If I stayed away from T., I thought, my days of hanging out with academics and talking about work were over!
But the best part was still to come. After the run, we sat down for coffee and had a lively conversation about online dating. One of the runners had used the services with great success and was now happily married. And she was not shy of sharing some of her tips about avoiding whackos, stockers, liars and – most importantly -- how to screen for boring people. Two of the divorced women in the club got very interested in the adventure and seemed to be planning on getting together later that day to try to use it. And I was there finding this entire interaction very refreshing. The topic was refreshing; the people easiness to talk about the topic was surprisingly refreshing; and the fact that the topic was not related to legal issues was extremely refreshing.   
After this, it did not take long for me to be completely at ease with the group. “What happens on the road stays on the road”. This became our motto. It meant that I did not need to be stiff, try to say smart things, or even behave properly while running with the group. No topics were forbidden, no jokes were censured, and no behaviour was judged (as long as no animals endured any type of physical or emotional pain in the process, but I cannot say the same about the runners…). This was my liberation. It was like running on mental underwear. And I became so comfortable with the group that some other members of the running club will be happy to share stories with you suggesting that I may have been too comfortable at times…
But the point is that there was no serious training, obsession about races, or anything like that. Running was just an excuse to meet. Indeed, our social activities were much more frequent and reliable than our runs. Few people showed up for the runs, but everybody showed up to the dinner parties, birthday cakes, holiday celebrations, or any of the gatherings that happened with no particular reason.
Then, Jaja joined the group. She showed up one Saturday morning at the coffee shop where we normally meet. Luckily, she had not been a victim of T’s indiscriminate recruitment policies. Instead, somebody else had recruited her. So, she came without thinking that she had a runner’s body. She smiled and ran with us. And I did not know what to think at first. She seemed to be nice and interested in what I was saying, despite the fact that she took 6 months to memorize which country I was from. Every week she had a different guess. All her guesses were in the same continent, Latin America. But she would never try to guess Brazil. She mentioned Argentina, Chile, Peru… you name it. But never Brazil. I did not know what to make of it. I would correct her one week, and then one week later she would turn and ask again which country I was from. This question gave me the impression that she was not paying attention to anything that I was saying.
But then we clicked. Or I think I got her. I think she operates at a different level of cognition. She knows exactly how I am feeling, despite the fact that she cannot remember which country I am from. And I am exactly the opposite: I have no clue about what I am feeling, let alone what others are feeling... So, I guess we just learned to interact with each other in a respectful and constructive way. Or maybe I just accepted the fact that she did not know which country I was from, but she had good intentions and a big heart. And this is what really matters. Then I opened up to her, and I think the group slowly started to open up as well. And Jaja proved to be this really interesting and fun person, who slowly started to change everything. She created a logo for our group, she created funny nicknames for each of us (and she may be even willing to share it, if you ask nicely), she made reflective bands with belts to make sure our runs on Saturday mornings were safe and artistic. She has so much energy that it is almost contagious.
Despite all these nice qualities, she may be the one to blame for getting me into believing that I was a runner. Until she joined the club, we just went for our regular runs and refreshing conversations over coffee. As T. always said, “we are a drinking club with a running problem”. But then Jaja started signing up for races, and we started following her. She would sign up for a new one, and there we were signing up as well. Then, she started finishing at really impressive times, and getting excited to improve in her next race. It was clear that we would never run this fast, but we did feel that we needed to pick up our game a little bit. So, we started training more seriously as well.
There is a reason Jaja got addicted to training: she is a fast runner. By fast, I mean, really fast. She qualified for Boston in her first marathon (if you are not a runner, you probably do not know what this means. In this case, just trust me: she is really fast). And she has more energy than the world could possibly consume. So, running is perfect for her. 
At this point, you may be thinking to yourself: the fact that she made you take running more seriously is a good thing, right? Wrong. Jaja has so much energy that she can indulge herself in the previous evening, drink a lot, dance until the sunrise, and do her training or even have a stellar race the next morning. We don’t. The rest of the club and I need to choose between drinking, dancing or running. We can’t do any combination of two items in the previous list; let alone a combination of the three items, which is what Jaja normally does. This means that for us mortals training reduces drinking, and vice-versa. The BJ (before Jaja) period in the running club was tipping towards more drinking, but the AJ period was totally tipped towards training. Indeed, in contrast to those glorious days in which drinking outpaced the running, now I feel like I would need to become an alcoholic to be drinking more than I am running.
Maybe Jaja is not to blame alone, and we got ourselves into this together, somehow. Isn’t this what they call the power of the group? If it is, runners of the world be aware: the power of the group is evil, malicious and misleading! It will trick you into painful training that does not leave any free time for partying. Be careful! If you see the power of the group coming, run in the opposite direction! Just make sure your running club is running with you so you do not find yourself partying alone later…
At the end, I still do not know how I got myself into this.
But this is about to end: my last long run is done and next weekend is the race. People keep telling me that I will be proud of myself once I finish the race. They say: “this is a big achievement”. I don’t think it is. It was a waste of my precious time. I can assure you that I will not be proud or happy. I will just be relieved. If there is something that I achieved with this training was the certainty that I am not a runner. And I am hoping that once the race is over we can go back to being a drinking group with a running problem.
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