Achei a explicação de porque eu me irrito com a demora das malas no aeroporto na Itália.
Também descobri porque eu prefiro ficar trabalhando a ir no café da esquina comer um cheesecase ainda que uma jornalista esteja tentando me convencer que esse é o segredo da felicidade.
A explicação está em um estudo que mostra que nós somos mais felizes quando estamos ocupados, ainda que nosso instinto seja sempre optar pelo ócio. O corpo busca o ócio por causa do instinto de proteção: economizar energia para uma emergência... Mas sobreviver e ser feliz são duas coisas distintas. E basicamente seu corpo tende a ser um investidor conservador, optando pela sobrevivência (pouco risco, mas retorno garantido, ou quase) ao invés de arriscar ser feliz (muito risco, mas também muito retorno, como na bolsa de valores).
O estudo mostra, por exemplo, que as pessoas ficam mais feliz se elas tem que caminhar durante um tempo até a esteira de bagagens do que se elas gastam esse mesmo tempo paradas esperando as malas chegarem. Mas se você der a opção para elas, a maioria vai escolher esperar parada, sem saber que isso é apenas uma resposta ao instinto de sobrevivência.
Agora está tudo explicado!
quarta-feira, 21 de julho de 2010
segunda-feira, 19 de julho de 2010
Uma grande cidade do interior
Um amigo meu que se mudou para a Austrália está visitando a cidade natal dele, Toronto. Trouxe a noiva, uma australiana com um sorriso gigantesco e uma simpatia do tamanho do sorriso. Eles apareceram uma tarde no meu escritório, o que foi uma excelente surpresa. Como ele havia se formado na Universidade de Toronto, ele resolveu mostrar sua alma mater para a noiva e, uma vez estando lá, ele decidiu ver se eu estava de bobeira. Eu, por óbvio, não estava de bobeira, mas estava lá, e batemos um papo. Nesse papo a noiva do meu amigo me deu a definição mais precisa de Toronto.
Perguntei pra ela se era a primeira vez que ela visitava a cidade. Ela disse que sim. Perguntei o que ela tinha achado. Ela disse: Tem tudo que uma cidade grande tem, mas a sensação é de estar em uma cidade do interior.
Eu acho que não há melhor definição pra cidade. E agora eu entendi porque eu gosto tanto daqui. Morei cinco anos em São Paulo, onde eu tinha acesso a tudo de bom que uma cidade grande oferece: restaurantes, shows, cinema, e gente interessante (o que não é difícil com 9 milhões de pessoas!). Mas depois de cinco anos a poluição, violência, e o trânsito começam a incomodar. Foi aí que me mudei para New Haven, que é uma cidadezinha de pouco mais de 100.000 habitantes. Lá dava pra andar pra todo lugar, e quando você decidia pegar o ônibus, o motorista te reconhecia e batia um papo. As pessoas não andavam desesperadamente pelas ruas, e com uma certa frequência um desconhecido puxava papo com você. Só bater um papo mesmo. Depois de sair de São Paulo, New Haven parecia ser o que o nome dizia: um novo refúgio. Porém, depois de cinco anos, a cidade parecia mais uma velha cela de prisão: tudo parecia o mesmo e o momento mais aguardado era o momento em que se podia sair da cidade. Foi aí que mudei para Toronto, e até a visita do meu amigo eu não conseguia definir porque eu gostava da cidade. Mas agora eu sei: tem tudo que São Paulo tem de bom, com tudo o que New Haven tinha de bom.
A idéia de que Toronto é uma cidade grande não é difícil de entender. A cidade tem 5 milhões de habitantes e uma variedade enorme de restaurantes. Shows acontecem todos os dias, e especialmente no verão a cidade é inundada de eventos. Esse fim de semana, por exemplo, teve o festival brasileiro, com três dias ininterruptos de filmes, shows, exposições e comida brasileira. Comi até churrasquinho de gato enquanto assistia ao show da Malu Magalhães!
Mas, ainda assim, a sensação que se tem é de estar em uma cidade pequena. E eu vi isso um dia desses, quando fui (a pé) até a farmácia buscar meu remédio. Quando cheguei lá, a farmacêutica não só sabia meu nome, sabia também o remédio que eu tinha ido buscar. Brinquei com ela, falando que provavelmente eu era a pessoa que mais consumia remédio naquela farmácia. Ela sorriu e falou que, na verdade, eu era uma das pessoas que menos consumia remédios na farmácia. E apontou para uma fila de velhinhos e velhinhas com seus oitenta e tanto anos, que devem tomar umas vinte pílulas por dia. Eu, por outro lado, ainda estou mantendo minha saúdavel cota de seis. Mas estou bravamente lutando pela minha posição de melhor cliente da farmácia, brinquei.
Saí da farmácia e dei um pulo na livraria, pra ver os últimos lançamentos, e dei de cara com um jovem negro, vestido como um rapper, no alto das escadas, mandando ver no piano de cauda. Uma pequena multidão começava a se aglomerar para vê-lo tocar. Ele tocou um pouco de tudo mas, depois de algumas músicas, um menino de uns onze anos, branco, com uma blusa da nike e um tênis modernoso pediu pra tocar um pouco. E a livraria foi inundada com uma performance quase impecável de música clássica.
Resolvi dar uma olhada nos livros ao som da música e, de repente, um outro sujeito negro, mais velho, de óculos e boina passou a entreter os ouvintes com jazz e blues da melhor qualidade. Enquanto eu pagava pelos livros, perguntei para a caixa da loja se eles tinham esses recitais sempre. Ela disse que não eram recitais, eram pessoas que tinha entrado na loja e começado a tocar por livre e espontânea vontade. Nesse momento eu resolvi me juntar à multidão pra ver tudo isso mais de perto.
E a coisa só foi ficando cada vez mais interessante. Os três pianistas, a essa altura, se alternavam entre si, tirando umas pausas pra bater um papo com quem quer que estivesse em volta. Nessas conversas, ouvi que o "rapper" era de uma região bastante pobre na periferia de Toronto e tinha aprendido a tocar sozinho; o menino, por outro lado, vinha de uma família rica, morava em um bairro chique e fazia aulas de piano desde os três anos de idade; o senhor negro tinha vindo dos Estados Unidos e tinha estudado um pouco de piano e aprendido um pouco "na estrada da vida".
Mas a coisa não parou por aí. Lá pelas tantas, um sujeito com feições indianas pediu pra tocar e basicamente todo mundo parou de conversar pra prestar atenção na música. Ao final, depois de ser muito aplaudido, ele revelou que eram composições dele mesmo e desapareceu do mapa, sem que ninguém tivesse uma chance de descobrir de onde ele era e como tinha ido parar ali naquela noite.
Mas o meu pianista preferido foi o chinês. Falando um inglês bem quebrado, o homem parecia o sujeito que vende comida chinesa na esquina perto da escola. Uma roupa amarrotada, uma cara de quem trabalhou duro o dia inteiro, e um acúmulo de gordura que parecia indicar que ele tinha abandonado a culinária chinesa há alguns anos. Mas para minha grande surpresa -- e de todo mundo -- o sujeito sentou lá e revelou o que ninguém advinharia apenas olhando pra ele: tinha sido pianista em restaurantes. Sabe aquelas músicas de elevador? Ele sabia tocar todas!
Um encontro desses nunca iria acontecer em uma cidade como São Paulo, porque ia estar todo mundo preso no trânsito. Também é pouco provável que acontecesse em Nova Iorque, primeiro porque a loja não ia disponibilizar um piano assim, de graça, sem cobrar. Segundo porque as pessoas são muito mal humoradas e apressadas para sequer notar que tem alguém tocando piano dentro da livraria. Terceiro porque Nova Iorque não tem a diversidade cultural de Toronto: mais de 50% da população da cidade nasceu fora do país. E basta olhar para os pianistas: o lado rico (branco) e o lado pobre (negro) de Toronto, assim como todos seus imigrantes.
Saímos todos de lá quando a livraria fechou e, para minha surpresa, encontro uma amiga na rua. Estávamos indo para a mesma direção e fomos conversando. Ela tinha contratado uma "personal manager" pra ajudar a administrar a vida dela. Eu, sem saber do que se tratava, perguntei se isso era um codinome para terapeuta. Não, explicou ela, é uma pessoa competente que te ajuda com o que você precisar. Trabalhando sem parar? A personal manager te ajudar a ver como você pode ser mais eficiente e voltar mais cedo pra casa. Nesse dia, o pai da minha amiga estava no hospital, então a personal manager estava ajudando ela com decisões executivas (viajar ou não pra dar um apoio para a mãe) assim como com toda a bagagem emocional da situação (ligar quando, e falar o que quando alguém ligasse).
Minha amiga resumiu: ela faz tudo que boas amigas fariam por você, mas nem sempre elas conseguem ou tem tempo pra te ajudar. E pra gente que precisa de muita ajuda com muitas coisas, como eu, não tem amiga que agüente, disse ela. Daí você contrata uma personal manager e todo mundo fica feliz... Achei curioso que agora até amizade o pessoal aqui anda profissionalizando (o que não me surpreenderia em uma cidade grande, em especial na América do Norte), mas ainda assim você consegue encontrar uma amiga na rua e ter uma conversa de verdade com ela, como em uma cidade do interior.
Voltei pra casa satisfeita em saber que estou morando no melhor dos dois mundos. Se pudessem tirar o inverno, Toronto viraria o paraíso!
Perguntei pra ela se era a primeira vez que ela visitava a cidade. Ela disse que sim. Perguntei o que ela tinha achado. Ela disse: Tem tudo que uma cidade grande tem, mas a sensação é de estar em uma cidade do interior.
Eu acho que não há melhor definição pra cidade. E agora eu entendi porque eu gosto tanto daqui. Morei cinco anos em São Paulo, onde eu tinha acesso a tudo de bom que uma cidade grande oferece: restaurantes, shows, cinema, e gente interessante (o que não é difícil com 9 milhões de pessoas!). Mas depois de cinco anos a poluição, violência, e o trânsito começam a incomodar. Foi aí que me mudei para New Haven, que é uma cidadezinha de pouco mais de 100.000 habitantes. Lá dava pra andar pra todo lugar, e quando você decidia pegar o ônibus, o motorista te reconhecia e batia um papo. As pessoas não andavam desesperadamente pelas ruas, e com uma certa frequência um desconhecido puxava papo com você. Só bater um papo mesmo. Depois de sair de São Paulo, New Haven parecia ser o que o nome dizia: um novo refúgio. Porém, depois de cinco anos, a cidade parecia mais uma velha cela de prisão: tudo parecia o mesmo e o momento mais aguardado era o momento em que se podia sair da cidade. Foi aí que mudei para Toronto, e até a visita do meu amigo eu não conseguia definir porque eu gostava da cidade. Mas agora eu sei: tem tudo que São Paulo tem de bom, com tudo o que New Haven tinha de bom.
A idéia de que Toronto é uma cidade grande não é difícil de entender. A cidade tem 5 milhões de habitantes e uma variedade enorme de restaurantes. Shows acontecem todos os dias, e especialmente no verão a cidade é inundada de eventos. Esse fim de semana, por exemplo, teve o festival brasileiro, com três dias ininterruptos de filmes, shows, exposições e comida brasileira. Comi até churrasquinho de gato enquanto assistia ao show da Malu Magalhães!
Mas, ainda assim, a sensação que se tem é de estar em uma cidade pequena. E eu vi isso um dia desses, quando fui (a pé) até a farmácia buscar meu remédio. Quando cheguei lá, a farmacêutica não só sabia meu nome, sabia também o remédio que eu tinha ido buscar. Brinquei com ela, falando que provavelmente eu era a pessoa que mais consumia remédio naquela farmácia. Ela sorriu e falou que, na verdade, eu era uma das pessoas que menos consumia remédios na farmácia. E apontou para uma fila de velhinhos e velhinhas com seus oitenta e tanto anos, que devem tomar umas vinte pílulas por dia. Eu, por outro lado, ainda estou mantendo minha saúdavel cota de seis. Mas estou bravamente lutando pela minha posição de melhor cliente da farmácia, brinquei.
Saí da farmácia e dei um pulo na livraria, pra ver os últimos lançamentos, e dei de cara com um jovem negro, vestido como um rapper, no alto das escadas, mandando ver no piano de cauda. Uma pequena multidão começava a se aglomerar para vê-lo tocar. Ele tocou um pouco de tudo mas, depois de algumas músicas, um menino de uns onze anos, branco, com uma blusa da nike e um tênis modernoso pediu pra tocar um pouco. E a livraria foi inundada com uma performance quase impecável de música clássica.
Resolvi dar uma olhada nos livros ao som da música e, de repente, um outro sujeito negro, mais velho, de óculos e boina passou a entreter os ouvintes com jazz e blues da melhor qualidade. Enquanto eu pagava pelos livros, perguntei para a caixa da loja se eles tinham esses recitais sempre. Ela disse que não eram recitais, eram pessoas que tinha entrado na loja e começado a tocar por livre e espontânea vontade. Nesse momento eu resolvi me juntar à multidão pra ver tudo isso mais de perto.
E a coisa só foi ficando cada vez mais interessante. Os três pianistas, a essa altura, se alternavam entre si, tirando umas pausas pra bater um papo com quem quer que estivesse em volta. Nessas conversas, ouvi que o "rapper" era de uma região bastante pobre na periferia de Toronto e tinha aprendido a tocar sozinho; o menino, por outro lado, vinha de uma família rica, morava em um bairro chique e fazia aulas de piano desde os três anos de idade; o senhor negro tinha vindo dos Estados Unidos e tinha estudado um pouco de piano e aprendido um pouco "na estrada da vida".
Mas a coisa não parou por aí. Lá pelas tantas, um sujeito com feições indianas pediu pra tocar e basicamente todo mundo parou de conversar pra prestar atenção na música. Ao final, depois de ser muito aplaudido, ele revelou que eram composições dele mesmo e desapareceu do mapa, sem que ninguém tivesse uma chance de descobrir de onde ele era e como tinha ido parar ali naquela noite.
Mas o meu pianista preferido foi o chinês. Falando um inglês bem quebrado, o homem parecia o sujeito que vende comida chinesa na esquina perto da escola. Uma roupa amarrotada, uma cara de quem trabalhou duro o dia inteiro, e um acúmulo de gordura que parecia indicar que ele tinha abandonado a culinária chinesa há alguns anos. Mas para minha grande surpresa -- e de todo mundo -- o sujeito sentou lá e revelou o que ninguém advinharia apenas olhando pra ele: tinha sido pianista em restaurantes. Sabe aquelas músicas de elevador? Ele sabia tocar todas!
Um encontro desses nunca iria acontecer em uma cidade como São Paulo, porque ia estar todo mundo preso no trânsito. Também é pouco provável que acontecesse em Nova Iorque, primeiro porque a loja não ia disponibilizar um piano assim, de graça, sem cobrar. Segundo porque as pessoas são muito mal humoradas e apressadas para sequer notar que tem alguém tocando piano dentro da livraria. Terceiro porque Nova Iorque não tem a diversidade cultural de Toronto: mais de 50% da população da cidade nasceu fora do país. E basta olhar para os pianistas: o lado rico (branco) e o lado pobre (negro) de Toronto, assim como todos seus imigrantes.
Saímos todos de lá quando a livraria fechou e, para minha surpresa, encontro uma amiga na rua. Estávamos indo para a mesma direção e fomos conversando. Ela tinha contratado uma "personal manager" pra ajudar a administrar a vida dela. Eu, sem saber do que se tratava, perguntei se isso era um codinome para terapeuta. Não, explicou ela, é uma pessoa competente que te ajuda com o que você precisar. Trabalhando sem parar? A personal manager te ajudar a ver como você pode ser mais eficiente e voltar mais cedo pra casa. Nesse dia, o pai da minha amiga estava no hospital, então a personal manager estava ajudando ela com decisões executivas (viajar ou não pra dar um apoio para a mãe) assim como com toda a bagagem emocional da situação (ligar quando, e falar o que quando alguém ligasse).
Minha amiga resumiu: ela faz tudo que boas amigas fariam por você, mas nem sempre elas conseguem ou tem tempo pra te ajudar. E pra gente que precisa de muita ajuda com muitas coisas, como eu, não tem amiga que agüente, disse ela. Daí você contrata uma personal manager e todo mundo fica feliz... Achei curioso que agora até amizade o pessoal aqui anda profissionalizando (o que não me surpreenderia em uma cidade grande, em especial na América do Norte), mas ainda assim você consegue encontrar uma amiga na rua e ter uma conversa de verdade com ela, como em uma cidade do interior.
Voltei pra casa satisfeita em saber que estou morando no melhor dos dois mundos. Se pudessem tirar o inverno, Toronto viraria o paraíso!
O outro segredo da felicidade
Minha mãe me mandou hoje a coluna abaixo, sobre a possibilidade de encontrar felicidade nesses pequenos momentos especiais, como comer um bolo de fubá em lugar com um jardim (se você não for diabético, como eu espero que a autora não seja...).
O email tem um propósito claro: me convencer a trabalhar um pouco menos e aproveitar um pouco mais a vida, nem que seja em pequenas doses. O email me fez, de fato, parar de trabalhar durante um tempo. Mas ao invés de ir comer um cheesecake diet e tomar um café espresso sem açúcar na esquina, eu parei pra pensar sobre felicidade.
Eu tinha escrito um post sobre isso, argumentando que o segredo da felicidade era a capacidade de ignorar a realidade. Talvez entrar em um café no meio da tarde pra comer bolo de fubá seja uma forma de esquecer a realidade, daí o momento de felicidade...
Mas o texto também me lembrou de um estudo interessante, feito em uma universidade norte-americana, que mostra que a felicidade é fugaz. Passamos boa parte da nossa vida planejando o momento em que vamos "sossegar". O plano é conseguir um bom emprego, casar e ter filhos. O pesquisador mostrava que cada pequeno passo em direção a essa conquista gerava um pequeno momento de felicidade ao longo do caminho. Porém, ao conseguir tudo isso, a pessoa não encontrava aquele estado permanente de felicidade que esperava. Ao contrário.
A conclusão que eu tiro dessa pesquisa é que estamos em busca de algo que não existe: um estado permanente de felicidade. Ou melhor, segundo minha teoria, tal estado só seria atingido se você conseguir ignorar completamente a realidade. Como isso seria uma façanha, na melhor das hipóteses vamos ter apenas pequenos momentos de felicidade, que vão desaparecer em pouco tempo. Portanto, depois que você consegue o emprego, casa e tem filhos, provavelmente sua felicidade, como sugere a autora do texto, vai ser resumir a um bolo de fubá... E se você quiser que a felicidade seja um pouco mais duradoura, peça dois pedaços!
Depois de toda essa elocubração, decidi voltar ao trabalho, porque terminar o meu paper ia certamente me dar um momento muito maior de felicidade do que um cheesecake diet.
P.S.: A pesquisa que eu mencionei e todo o histórico da produção acadêmica sobre o assunto pode ser lido aqui. Uma parte interessante do artigo é quando ele menciona um estudo que mostra que artigos acadêmicos são lidos, em média, por sete pessoas, incluindo a mãe do autor. Depois de ler isso, pensei que eu deveria ter ido comer o cheesecake...
Quanto custa a felicidade contida numa fatia fina de bolo de fubá? E se ela for acompanhada de um café expresso dos mais bem tirados? Em São Paulo, num lugarzinho charmoso, a felicidade custa R$ 7. Foi exatamente o que paguei por ela um pouco antes de começar a escrever esse texto. Fui muito feliz vendo o garfo afundar lentamente na massa cremosa, cercada de canela em pó. Quando, na minha boca, o café amargo se juntou ao creme adocicado, fechei os olhos para perder de vista todo o resto.
Fazer uma pausa no meio da tarde para tomar um café num jardim precioso é um privilégio. Um privilégio acessível, digamos assim. Cada um de nós pode abrir espaços na rotina para encaixar pequenos prazeres. Basta querer. Não acredito na felicidade plena, total, irrestrita. Acredito nos pequenos nacos de felicidade que andam espalhados por aí. A grande arte é saber agarrá-los.
Acho que a vida fica mais leve quando a gente é capaz de criar umas brechas por onde a felicidade pode se esgueirar e nos surpreender. Para ser feliz é preciso dar chance à sorte. Foi o que eu fiz quando passei na frente daquele café. De fora, ele parecia uma floricultura. A placa discreta não dava muitas pistas sobre o que eu encontraria ali. Resolvi arriscar. E me dei muito bem. No fundo do quintal comprido e florido, encontrei uma casa de tijolinhos com uma varanda acolhedora.
Se estivesse com meu laptop, teria escrito essa coluna lá mesmo. Ao ar livre, debaixo de uma árvore forrada de flores brancas e ouvindo o barulhinho da água correndo num canto do jardim. Amo o jornalismo, mas não sou muito fã de redações. Gosto de estar do lado de fora delas - trabalhando na rua ou escrevendo minhas matérias num canto sossegado, longe do agito improdutivo.
A fórmula da felicidade não existe, mas cada um de nós sabe o que nos aproxima dela. Essa é uma habilidade tão particular que parece não ter muita relação com ambiente cultural e condição sócio-econômica. Sempre acreditei que a felicidade não tem preço, mas nesta semana li um estudo que me fez repensar algumas das minhas crenças.
Ontem (01/07) foi divulgado um artigo científico baseado nos resultados do maior estudo já realizado no mundo sobre a relação entre renda e bem-estar. A pesquisa conduzida pelo Instituto Gallup foi realizada com 136 mil moradores de cidades e vilarejos remotos de 132 países. Os voluntários foram entrevistados por telefone nas áreas urbanas e pessoalmente nas regiões distantes e menos desenvolvidas. Os pesquisadores concluíram que o dinheiro pode, sim, comprar a felicidade. Pelo menos um determinado tipo de felicidade. Aquela que está relacionada à satisfação em relação às condições de vida.
"Tudo depende da forma como definimos felicidade", diz Ed Diener, professor de psicologia da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, e coordenador do estudo. "Se levarmos em consideração a satisfação do sujeito em relação à vida (como ele avalia sua vida de uma forma geral), há uma forte relação entre renda e felicidade", diz Diener. Quanto mais elevada é a condição econômica do país e das famílias, mais elevados são os índices declarados de satisfação em relação à vida. Faz sentido. Se o sujeito tem emprego, moradia decente, saúde, descanso e lazer, maior é a probabilidade de que ele se sinta satisfeito.
O dinheiro parece ter pouca relação com um outro tipo de felicidade. Aquela relacionada aos sentimentos positivos, como sentir-se respeitado, ter suporte social, autonomia e um trabalho desafiador.
"O dinheiro faz as pessoas felizes. O efeito da renda sobre a satisfação em relação à vida é muito forte e universal", diz Diener. "Mas o dinheiro faz as pessoas se sentirem mais satisfeitas do que as faz se sentirem bem. Os sentimentos positivos são menos influenciados pelo dinheiro e mais afetados pelas coisas que as pessoas fazem no dia a dia."
Uma análise de grande parte dos dados da pesquisa será publicada na edição deste mês do Journal of Personality and Social Psychology. Os Estados Unidos, país com a maior renda per capita entre as nações analisadas, aparece em 16o no ranking de satisfação em relação à vida e em 26o na lista dos países cujos habitantes têm mais sentimentos positivos.
O Brasil participou da pesquisa, mas não foi incluído entre os dezoito países analisados no artigo científico de Diener. Mas é possível encontrar no site do Instituto Gallup várias informações sobre os brasileiros (e compará-las com os cidadãos de outros países). Se você quiser se divertir com esse brinquedinho, basta acessar o link. É preciso preencher um cadastro, mas o acesso é gratuito.
Os dados contrariam o estereótipo de que o povo brasileiro é mais feliz que a média internacional. Durante a pesquisa, 20% dos brasileiros disseram ter sentido tristeza no dia anterior. É o mesmo índice encontrado na Inglaterra, quase o mesmo verificado nos Estados Unidos (21%) e no Canadá (21%). É um índice melhor do que o apurado em Portugal (30%) e na Bolívia (33%).
O Brasil saiu-se melhor quando a pergunta era: "Você sentiu amor ontem?". Entre os brasileiros, 82% responderam sim. Um pouco mais do que nos Estados Unidos (80%), na Dinamarca (80%) e em Portugal (79%).
Esses dados sugerem que felicidade tem menos a ver com PIB e mais com postura pessoal em relação à existência. O sujeito pode ser milionário e escolher levar uma vida sem graça. Pode ser pobre e escolher a riqueza dos pequenos momentos felizes. "O dinheiro nos faz sentir bem, mas a ação dele é limitada", diz a psicóloga Barbara Fredrickson, da Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill. "Sentimentos positivos, como a capacidade de se divertir, podem fazer muito mais por nós".
Quanto mais emoções positivas uma pessoa sente a cada dia, diz Barbara, mais acentuada é sua capacidade de se recuperar de situações difíceis ou estressantes. "Pequenos momentos de prazer fazem florescer as emoções positivas. Elas nos tornam mais abertos", diz ela. "E essa abertura para o mundo nos ajuda a construir recursos que favorecem a recuperação diante da adversidade, nos mantém longe da depressão e nos permite continuar a crescer."
É por isso que Barbara diz que é tão importante cultivar "micromomentos de prazer". Há um ano, escrevi uma coluna sobre a importância deles. De lá para cá, assim como na maior parte da minha vida, venho tentando abrir espaços para que esses micromomentos aconteçam.
Celebrar a vida mais vezes, com direito a bolo de fubá naquele cafezinho charmoso, está nos meus planos. Para quem quiser conhecê-lo, ele se chama Flores na Varanda e fica na Rua Camilo, 455, na Vila Romana. Não interprete essa recomendação como propaganda. Os donos do lugar não me conhecem e nem imaginam que estive lá. A dica é de coração. Acho que os meus leitores (pelo menos os que moram em São Paulo) merecem viver uns minutinhos de felicidade naquele lugar. Quem mora em outros estados e no Exterior pode me contar o que anda fazendo para ser feliz. Quem sabe, uma hora dessas, não apareço por aí? Minhas férias estão chegando...E eu sigo firme e forte no meu propósito de ser um pouquinho feliz a cada dia.
O email tem um propósito claro: me convencer a trabalhar um pouco menos e aproveitar um pouco mais a vida, nem que seja em pequenas doses. O email me fez, de fato, parar de trabalhar durante um tempo. Mas ao invés de ir comer um cheesecake diet e tomar um café espresso sem açúcar na esquina, eu parei pra pensar sobre felicidade.
Eu tinha escrito um post sobre isso, argumentando que o segredo da felicidade era a capacidade de ignorar a realidade. Talvez entrar em um café no meio da tarde pra comer bolo de fubá seja uma forma de esquecer a realidade, daí o momento de felicidade...
Mas o texto também me lembrou de um estudo interessante, feito em uma universidade norte-americana, que mostra que a felicidade é fugaz. Passamos boa parte da nossa vida planejando o momento em que vamos "sossegar". O plano é conseguir um bom emprego, casar e ter filhos. O pesquisador mostrava que cada pequeno passo em direção a essa conquista gerava um pequeno momento de felicidade ao longo do caminho. Porém, ao conseguir tudo isso, a pessoa não encontrava aquele estado permanente de felicidade que esperava. Ao contrário.
A conclusão que eu tiro dessa pesquisa é que estamos em busca de algo que não existe: um estado permanente de felicidade. Ou melhor, segundo minha teoria, tal estado só seria atingido se você conseguir ignorar completamente a realidade. Como isso seria uma façanha, na melhor das hipóteses vamos ter apenas pequenos momentos de felicidade, que vão desaparecer em pouco tempo. Portanto, depois que você consegue o emprego, casa e tem filhos, provavelmente sua felicidade, como sugere a autora do texto, vai ser resumir a um bolo de fubá... E se você quiser que a felicidade seja um pouco mais duradoura, peça dois pedaços!
Depois de toda essa elocubração, decidi voltar ao trabalho, porque terminar o meu paper ia certamente me dar um momento muito maior de felicidade do que um cheesecake diet.
P.S.: A pesquisa que eu mencionei e todo o histórico da produção acadêmica sobre o assunto pode ser lido aqui. Uma parte interessante do artigo é quando ele menciona um estudo que mostra que artigos acadêmicos são lidos, em média, por sete pessoas, incluindo a mãe do autor. Depois de ler isso, pensei que eu deveria ter ido comer o cheesecake...
Felicidade Tem Preço
Por Cristiane Segatto
Fazer uma pausa no meio da tarde para tomar um café num jardim precioso é um privilégio. Um privilégio acessível, digamos assim. Cada um de nós pode abrir espaços na rotina para encaixar pequenos prazeres. Basta querer. Não acredito na felicidade plena, total, irrestrita. Acredito nos pequenos nacos de felicidade que andam espalhados por aí. A grande arte é saber agarrá-los.
Acho que a vida fica mais leve quando a gente é capaz de criar umas brechas por onde a felicidade pode se esgueirar e nos surpreender. Para ser feliz é preciso dar chance à sorte. Foi o que eu fiz quando passei na frente daquele café. De fora, ele parecia uma floricultura. A placa discreta não dava muitas pistas sobre o que eu encontraria ali. Resolvi arriscar. E me dei muito bem. No fundo do quintal comprido e florido, encontrei uma casa de tijolinhos com uma varanda acolhedora.
Se estivesse com meu laptop, teria escrito essa coluna lá mesmo. Ao ar livre, debaixo de uma árvore forrada de flores brancas e ouvindo o barulhinho da água correndo num canto do jardim. Amo o jornalismo, mas não sou muito fã de redações. Gosto de estar do lado de fora delas - trabalhando na rua ou escrevendo minhas matérias num canto sossegado, longe do agito improdutivo.
A fórmula da felicidade não existe, mas cada um de nós sabe o que nos aproxima dela. Essa é uma habilidade tão particular que parece não ter muita relação com ambiente cultural e condição sócio-econômica. Sempre acreditei que a felicidade não tem preço, mas nesta semana li um estudo que me fez repensar algumas das minhas crenças.
Ontem (01/07) foi divulgado um artigo científico baseado nos resultados do maior estudo já realizado no mundo sobre a relação entre renda e bem-estar. A pesquisa conduzida pelo Instituto Gallup foi realizada com 136 mil moradores de cidades e vilarejos remotos de 132 países. Os voluntários foram entrevistados por telefone nas áreas urbanas e pessoalmente nas regiões distantes e menos desenvolvidas. Os pesquisadores concluíram que o dinheiro pode, sim, comprar a felicidade. Pelo menos um determinado tipo de felicidade. Aquela que está relacionada à satisfação em relação às condições de vida.
"Tudo depende da forma como definimos felicidade", diz Ed Diener, professor de psicologia da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, e coordenador do estudo. "Se levarmos em consideração a satisfação do sujeito em relação à vida (como ele avalia sua vida de uma forma geral), há uma forte relação entre renda e felicidade", diz Diener. Quanto mais elevada é a condição econômica do país e das famílias, mais elevados são os índices declarados de satisfação em relação à vida. Faz sentido. Se o sujeito tem emprego, moradia decente, saúde, descanso e lazer, maior é a probabilidade de que ele se sinta satisfeito.
O dinheiro parece ter pouca relação com um outro tipo de felicidade. Aquela relacionada aos sentimentos positivos, como sentir-se respeitado, ter suporte social, autonomia e um trabalho desafiador.
"O dinheiro faz as pessoas felizes. O efeito da renda sobre a satisfação em relação à vida é muito forte e universal", diz Diener. "Mas o dinheiro faz as pessoas se sentirem mais satisfeitas do que as faz se sentirem bem. Os sentimentos positivos são menos influenciados pelo dinheiro e mais afetados pelas coisas que as pessoas fazem no dia a dia."
Uma análise de grande parte dos dados da pesquisa será publicada na edição deste mês do Journal of Personality and Social Psychology. Os Estados Unidos, país com a maior renda per capita entre as nações analisadas, aparece em 16o no ranking de satisfação em relação à vida e em 26o na lista dos países cujos habitantes têm mais sentimentos positivos.
O Brasil participou da pesquisa, mas não foi incluído entre os dezoito países analisados no artigo científico de Diener. Mas é possível encontrar no site do Instituto Gallup várias informações sobre os brasileiros (e compará-las com os cidadãos de outros países). Se você quiser se divertir com esse brinquedinho, basta acessar o link. É preciso preencher um cadastro, mas o acesso é gratuito.
Os dados contrariam o estereótipo de que o povo brasileiro é mais feliz que a média internacional. Durante a pesquisa, 20% dos brasileiros disseram ter sentido tristeza no dia anterior. É o mesmo índice encontrado na Inglaterra, quase o mesmo verificado nos Estados Unidos (21%) e no Canadá (21%). É um índice melhor do que o apurado em Portugal (30%) e na Bolívia (33%).
O Brasil saiu-se melhor quando a pergunta era: "Você sentiu amor ontem?". Entre os brasileiros, 82% responderam sim. Um pouco mais do que nos Estados Unidos (80%), na Dinamarca (80%) e em Portugal (79%).
Esses dados sugerem que felicidade tem menos a ver com PIB e mais com postura pessoal em relação à existência. O sujeito pode ser milionário e escolher levar uma vida sem graça. Pode ser pobre e escolher a riqueza dos pequenos momentos felizes. "O dinheiro nos faz sentir bem, mas a ação dele é limitada", diz a psicóloga Barbara Fredrickson, da Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill. "Sentimentos positivos, como a capacidade de se divertir, podem fazer muito mais por nós".
Quanto mais emoções positivas uma pessoa sente a cada dia, diz Barbara, mais acentuada é sua capacidade de se recuperar de situações difíceis ou estressantes. "Pequenos momentos de prazer fazem florescer as emoções positivas. Elas nos tornam mais abertos", diz ela. "E essa abertura para o mundo nos ajuda a construir recursos que favorecem a recuperação diante da adversidade, nos mantém longe da depressão e nos permite continuar a crescer."
É por isso que Barbara diz que é tão importante cultivar "micromomentos de prazer". Há um ano, escrevi uma coluna sobre a importância deles. De lá para cá, assim como na maior parte da minha vida, venho tentando abrir espaços para que esses micromomentos aconteçam.
Celebrar a vida mais vezes, com direito a bolo de fubá naquele cafezinho charmoso, está nos meus planos. Para quem quiser conhecê-lo, ele se chama Flores na Varanda e fica na Rua Camilo, 455, na Vila Romana. Não interprete essa recomendação como propaganda. Os donos do lugar não me conhecem e nem imaginam que estive lá. A dica é de coração. Acho que os meus leitores (pelo menos os que moram em São Paulo) merecem viver uns minutinhos de felicidade naquele lugar. Quem mora em outros estados e no Exterior pode me contar o que anda fazendo para ser feliz. Quem sabe, uma hora dessas, não apareço por aí? Minhas férias estão chegando...E eu sigo firme e forte no meu propósito de ser um pouquinho feliz a cada dia.
sábado, 17 de julho de 2010
O acúmulo invencível de serviço!
Cá estou eu, madrugada adentro lendo decisões judiciais de tribunais brasileiros, e eis que me deparo com a seguinte frase:
"Em virtude do acúmulo invencível de serviço, somente nesta data faço estes autos conclusos a Exma. Dra. ...."
Assinado pela analista judiciária
Assinado pela analista judiciária
(que deve ganhar mais que eu, ter um acúmulo muito mais vencível de serviço que o meu, e deve estar na gandaia a essa hora...)
quinta-feira, 15 de julho de 2010
O Lula leu meu blog...
... e, segundo a Folha de S. Paulo, rebateu as críticas.
"Terminou uma Copa do Mundo na África do Sul agora e já começam aqueles a dizer: 'Cadê os aeroportos brasileiros? Cadê os estádios brasileiros? Cadê os corredores de trem brasileiros? Cadê os metrôs brasileiros?', como se nós fôssemos um bando de idiotas que não soubéssemos fazer as coisas e não soubéssemos definir as nossas prioridades"
(Lula. Terça-feira, em evento sobre o trem de alta velocidade entre as cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas).
Eu sinceramente não entendo como isso é uma resposta às críticas. Ele está dizendo que nós vamos conseguir construir tudo a tempo? E nós vamos conseguir fazer isso porque nós conseguimos definir nossas prioridades? E que não somos idiotas? Bom, se é essa a resposta do Lula, eu tenho três contra-respostas.
Primeiro, basta olhar para o Pan-Americano em 2007 pra ver que a gente não sabe fazer as coisas direito. As obras do Pan foram finalizadas à pressas (e com ficaram de péssima qualidade) por causa da falta de planejamento. Muitas foram entregues incompletas apesar de significativos -- e bastante suspeitos -- estouros no orçamento. O orçamento era de R$ 414 milhões, mas os gastos foram de R$ 3,7 bilhões. Enfim, ainda que as obras terminem em tempo pra Copa uma coisa é clara: nós não sabemos fazer planejamento orçamentário e controle de custos.
Segundo, o Lula argumenta que sabemos definir nossas prioridades. Já citei aqui notícia da Folha indicando que a Infraero vai investir em "puxadinhos" porque não dá tempo de construir novos aeroportos para acomodar a demanda. Isso é sinal de que sabemos definir prioridades? Acho que não.
Pensem comigo: vamos gastar R$ 6,48 bilhões nos aeroportos até 2014 pra construir puxadinhos! Seria preferível alocar esse dinheiro para a expansão da infraestrutura aeroportuária sem ter que (i) fazer os investimentos às pressas, (ii) alocar os recursos em soluções temporárias que resolvem o problema para os eventos, mas não resolve o problema da falta de infraestrutura nos aeroportos no país, (iii) decidir quais os aeroportos beneficiados segundo as cidades que a FIFA escolheu para sediar os jogos, ao invés de fazer os investimentos de acordo com as necessidades econômicas e sociais do país.
Por fim, discordo do Lula quando ele diz que não somos idiotas. Acho que somos completos idiotas por ter nos candidatado e aceitado sediar esses eventos. Uma reportagem recente da revista Piauí mostra que sediar uma Copa basicamente significa ceder a todas às exigências da FIFA, arcar com todos os custos, ser culpado por tudo que dá errado, e deixar que a FIFA leve consigo todo o lucro financeiro do evento. O artigo apresenta uma lista longa de estudos, livros e relatórios que mostram que todos os países que sediaram Copas apenas ganharam dívidas e muitos elefantes brancos. Mesmo os alegados benefícios indiretos é papo pra boi dormir: o Brasil não vai se beneficiar do aumento do fluxo de turistas, aumento da auto-estima, e projeção internacional. Os únicos estudos que mostram esses benefícios são produzidos pela FIFA ou por governos que vão sediar os jogos. Os estudos independentes negam que esses benefícios surpassem os custos do evento.
Se a coisa é tão ruim assim, porque entramos nessa roubada? Eu tenho uma hipótese: o Lula resolveu entrar para a história como o presidente que conseguiu a projeção internacional do país ao conquistar a disputa para sediar esses eventos. Todavia, ele sabia muito bem que depois de conquistar tudo isso, ia cair fora e deixar a batata quente pro seu/sua sucessor/a. Se bobear, o sujeito ainda vai tentar reeleição em 2014 pra poder sediar os eventos sem ter a dor de cabeça de lidar com a organização dos mesmos. Ou seja, se tem alguém que não é idiota nessa história e sabe muito bem o que está fazendo é o Lula. E ele tem uma prioridade clara: ganhar os louros, às nossas custas...
"Terminou uma Copa do Mundo na África do Sul agora e já começam aqueles a dizer: 'Cadê os aeroportos brasileiros? Cadê os estádios brasileiros? Cadê os corredores de trem brasileiros? Cadê os metrôs brasileiros?', como se nós fôssemos um bando de idiotas que não soubéssemos fazer as coisas e não soubéssemos definir as nossas prioridades"
(Lula. Terça-feira, em evento sobre o trem de alta velocidade entre as cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas).
Eu sinceramente não entendo como isso é uma resposta às críticas. Ele está dizendo que nós vamos conseguir construir tudo a tempo? E nós vamos conseguir fazer isso porque nós conseguimos definir nossas prioridades? E que não somos idiotas? Bom, se é essa a resposta do Lula, eu tenho três contra-respostas.
Primeiro, basta olhar para o Pan-Americano em 2007 pra ver que a gente não sabe fazer as coisas direito. As obras do Pan foram finalizadas à pressas (e com ficaram de péssima qualidade) por causa da falta de planejamento. Muitas foram entregues incompletas apesar de significativos -- e bastante suspeitos -- estouros no orçamento. O orçamento era de R$ 414 milhões, mas os gastos foram de R$ 3,7 bilhões. Enfim, ainda que as obras terminem em tempo pra Copa uma coisa é clara: nós não sabemos fazer planejamento orçamentário e controle de custos.
Pensem comigo: vamos gastar R$ 6,48 bilhões nos aeroportos até 2014 pra construir puxadinhos! Seria preferível alocar esse dinheiro para a expansão da infraestrutura aeroportuária sem ter que (i) fazer os investimentos às pressas, (ii) alocar os recursos em soluções temporárias que resolvem o problema para os eventos, mas não resolve o problema da falta de infraestrutura nos aeroportos no país, (iii) decidir quais os aeroportos beneficiados segundo as cidades que a FIFA escolheu para sediar os jogos, ao invés de fazer os investimentos de acordo com as necessidades econômicas e sociais do país.
Por fim, discordo do Lula quando ele diz que não somos idiotas. Acho que somos completos idiotas por ter nos candidatado e aceitado sediar esses eventos. Uma reportagem recente da revista Piauí mostra que sediar uma Copa basicamente significa ceder a todas às exigências da FIFA, arcar com todos os custos, ser culpado por tudo que dá errado, e deixar que a FIFA leve consigo todo o lucro financeiro do evento. O artigo apresenta uma lista longa de estudos, livros e relatórios que mostram que todos os países que sediaram Copas apenas ganharam dívidas e muitos elefantes brancos. Mesmo os alegados benefícios indiretos é papo pra boi dormir: o Brasil não vai se beneficiar do aumento do fluxo de turistas, aumento da auto-estima, e projeção internacional. Os únicos estudos que mostram esses benefícios são produzidos pela FIFA ou por governos que vão sediar os jogos. Os estudos independentes negam que esses benefícios surpassem os custos do evento.
Se a coisa é tão ruim assim, porque entramos nessa roubada? Eu tenho uma hipótese: o Lula resolveu entrar para a história como o presidente que conseguiu a projeção internacional do país ao conquistar a disputa para sediar esses eventos. Todavia, ele sabia muito bem que depois de conquistar tudo isso, ia cair fora e deixar a batata quente pro seu/sua sucessor/a. Se bobear, o sujeito ainda vai tentar reeleição em 2014 pra poder sediar os eventos sem ter a dor de cabeça de lidar com a organização dos mesmos. Ou seja, se tem alguém que não é idiota nessa história e sabe muito bem o que está fazendo é o Lula. E ele tem uma prioridade clara: ganhar os louros, às nossas custas...
quarta-feira, 14 de julho de 2010
Idiossincrática, mas muito bem acompanhada, obrigada!
Depois de descobrir que não sou só eu que tiro foto de quase todos os pratos que como, descobri também que não sou só eu que viajo pelo mundo tirando foto de sinais estranhos ou que não fazem o menor sentido. Essa, por exemplo, é um sinal que fica em banheiros na Arábia Saudita:
A foto foi retirada de uma coleção de fotos do NYTimes, que inclui uma seção curta, com dez fotos do que eles chamam de Chinglish, e uma seção aberta aos leitores, que tem um pouco de tudo.
Divirtam-se!
segunda-feira, 12 de julho de 2010
Jeitinho brasileiro
Com o crescimento da demanda e a falta de investimento em infraestrutura, os principais aeroportos brasileiros operam atualmente no limite de sua capacidade. Isso sugere que vamos ter problema com o influxo de turistas, repórteres, atletas e comissões técnicas em ano de Olimpíadas e Copa.
Mas não se preocupem! A Infraero está tomando conta disso. Como não dá para construir aeroportos da noite para o dia, eles adotaram a tradicional solução brasileira para falta de espaço e de planejamento: vão providenciar uns puxadinhos.
Acho que eles deveriam patentear o puxadinho aeroportuário e vender para o resto do mundo, com a etiqueta Made in Brazil!
Mas não se preocupem! A Infraero está tomando conta disso. Como não dá para construir aeroportos da noite para o dia, eles adotaram a tradicional solução brasileira para falta de espaço e de planejamento: vão providenciar uns puxadinhos.
Acho que eles deveriam patentear o puxadinho aeroportuário e vender para o resto do mundo, com a etiqueta Made in Brazil!
domingo, 11 de julho de 2010
Sinais italianos
Tem algumas coisas que os italianos fazem muito bem: comer e se vestir. Mas tem outras em que eles são um completo desastre. Elaborar sinalização é uma delas.
Por exemplo, fiquei muito tento tentando decifrar essa sinalização no chão do aeroporto, junto à esteira de bagagens:
Talvez seja uma área reservada pra quem sorri, pois se fosse reservada para deficientes teria uma cadeira de rodas, não uma carinha sorridente. Faz sentido, afinal você precisa ser uma pessoa muito especial para sorrir depois de desembarcar de um vôo da Allitalia... Ou talvez seja uma área reservada para quem quiser ser filmado ou fotografado (mas precisa sorrir, não basta ficar dentro do quadradinho!). Enfim, não consegui descobrir o significado disso. Quem souber, por favor, me avise.
Outros sinais são confusos por outros motivos. Esse, por exemplo, diz algo em italiano (area pedonale) que eu tinha interpretado como área restrita para pedestres.
Mas ao dar mais alguns passos e checar o que mostra o sinal do outro lado desta mesma placa, vi o seguinte:
Alguém pode me explicar como o sinal diz exatamente a mesma coisa (area pedonale) e tem o sinal contrário ao sinal anterior?
Isso sem falar em sinais que são claros, mas estão absolutamente mal posicionados. Esta, por exemplo, é a entrada de um restaurante:
Caso você olhe cuidadosamente para o canto inferior direito da porta, você vê o seguinte sinal:
Agora eu entendo porque tinha tanta gente fumando nos restaurantes que eu fui... Acho que os fumantes -- diferentemente das pessoas normais -- não ficam checando o canto inferior direito da porta do restaurante antes de entrar.
Acho que o único sinal claro que encontrei (e posicionado na altura do meu rosto) foi esse:
Mas fico me perguntando pra que serve... Qual é a diferença entre entrar com uma mochila nas costas ou na sua mão em algum lugar? Eles querem garantir que você vai exercitar seus braços também, pra não deixar só as pernas em forma?
Enfim, comunicação não é o forte dos italianos. Mas acho que a gente já sabia disso da minha postagem anterior, não?
sábado, 10 de julho de 2010
Um Brasil na Europa, completamente em silêncio
Os jornalistas italianos decretaram um dia de greve ontem por causa da chamada "lei da mordaça". O governo está propondo uma lei que limita o número de escutas telefônicas e tem provisões que também limitam o uso de informações obtidas através dessas escutas pela imprensa. Alguns argumentam que o motivo por trás da decisão do governo é se auto-proteger de escândalos, já que essas escutas foram a causa de muitas das crises políticas mais recentes. Outros ponderam, todavia, que o número de escutas na Itália é um dos maiores do mundo. Parece que o país teria 100.000 escutas, contra 15.000 na Inglaterra. Mas os jornalistas insistem que restringir as escutas é diferente de restringir o direito da imprensa de usá-las. E por isso organizaram o dia do silêncio, no qual os principais jornais do país não circularam, websites não foram atualizados, e as únicas empresas operando normalmente eram as controladas pelo Berlusconi.
Eu fiquei sabendo do problema com essa lei quando ainda estava na Itália. Meu hotel ficava muito perto de uma pacata praça, chamada Piazza Navona.
Nessa praça sempre havia artistas, fazendo shows...
... ou simplesmente mostrando sua criatividade.
Um dia, porém, eu cheguei na praça e ela estava absolutamente lotada, com um palanque, gente fazendo discurso, e uma multidão com bandeiras vermelhas. Enquanto os jornalistas protestavam contra a lei da mordaça, o esquerdistas e revolucionários de plantão resolveram aparecer para dar apoio e protestar contra todo tipo de injustiça na face da terra.
Mas o mais interessante foi ver o tipo de mercadoria que começou a ser vendido na praça por causa do protesto contra a "lei da mordaça". As camisetas "I (coração) Rome" foram rapidamente substituídas por camisas vermelhas com o rosto do Che Guevara e outros slogans a favor da revolução, contra a dominação capitalista, etc, etc. Até a Mafalda estava estampada em uma das camisetas. Enfim, com tantos latino-americanos pra inspirar o que quer que fosse preciso (revolução, protesto, greve) eu estava me sentindo em casa.
As semelhanças com o Brasil são muitas. Em abril desse ano, um projeto de lei de autoria do Maluf propunha a punições de procuradores que propusessem ações de má fé. O projeto ficou conhecido como "lei da mordaça". As motivações por trás do projeto, segundo o PPS, são similares às motivações dos políticos italianos: a lei foi proposta logo depois de escandâlos e acusações contra o partido do governo.
Eas semelhanças não páram aí. Em 2007, o governo Lula formulou um projeto de lei que, dentre outras coisas, criminilizava a divulgação do conteúdo de escutas telefônicas pela imprensa. O sensato Marcio Thomaz Bastos, então ministro da justiça, interviu para que o artigo fosse retirado do projeto. Mas por muito pouco não se apresenta um projeto ao Congresso que simplesmente vai na contramão da história.
Em ano eleitoral, como é de se esperar, foram perguntar para a Dilma o que ela acha do assunto. Por óbvio, ela se declarou a favor da liberdade de imprensa. E eu fico feliz de ver que a democracia brasileira chegou em um ponto em que qualquer outra declaração seria absolutamente inaceitável. Mas como tudo na vida, na política "the devil is in the details". Portanto, as pergunta não é se ela é a favor ou não da liberdade de imprensa. A pergunta é que tipo de liberdade de imprensa ela favorece. E aqui a resposta dela foi um pouco mais dúbia: disse que era a favor da liberdade de imprensa, mas também favorecia o controle público dos meios de comunicação. O que você quer dizer com isso? A candidata, ou o partido, não esclarecem.
Controle público pode significar muitas coisas. Por exemplo, pode significar regulação do setor, onde o governo estabelece regras e limites para que os jornalistas desempenhem suas funções. Isso é bom ou ruim? Depende de que tipo de regras serão impostas. Se estamos falando de lei da mordaça, provavelmente não é um controle público muito saudável. Outra coisa que controle público pode significar é propriedade estatal dos meios de comunicação. E a Dilma frequentemente se manifesta a favor do controle estatal de várias coisas (mas esse é um tópico para outro post). Mas eu sinceramente espero que ela não esteja sugerindo esse tipo de controle público nesse caso. A última coisa que precisamos é ficar ainda mais parecidos com a Itália, onde a família do Berlusconi controla os principais meios de comunicação e afeta, muito negativamente, o bom funcionamento da democracia naquele país.
Berlusconi mantém o controle de 3 dos 7 principais canais de televisão da Itália, além de ter uma publicação semanal de notícias no país, um jornal diário e a maior editora de livros da Itália. Outros 3 canais são da estatal RAI, controlada pelo parlamento onde o premier tem maioria. Desde a época de Mussolini, nunca a interferência política na mídia esteve tão alarmante na Itália como agora. Como consequência desse controle, o índice de liberdade de imprensa elaborado pela Freedom House indica que a Itália em 2009 caiu da categoria "livre" para "parcialmente livre". Ou seja, eles estão se aproximando do Brasil, que tem sido considerado "parcialmente livre" por alguns anos. Porém, nosso índice de liberdade de imprensa ainda é muito mais baixo que os deles (eles tem 10 pontos a mais que nós, segundo a Freedom House). Ou seja, nós não podemos nos dar ao luxo de sequer brincar com a possibilidade de reduzir ainda mais a liberdade da imprensa no Brasil.
Por isso, eu acho que alguém precisa começar a pressionar a Dilma e o PT para dizer o que realmente significa "controle público dos meios de comunicação". Como diz o ditado popular, é melhor prevenir do que remediar. Isso é especialmente verdadeiro nesse caso, porque remediar qualquer coisa com uma mordaça na boca vai ser bastante difícil...
Eu fiquei sabendo do problema com essa lei quando ainda estava na Itália. Meu hotel ficava muito perto de uma pacata praça, chamada Piazza Navona.
Nessa praça sempre havia artistas, fazendo shows...
... ou simplesmente mostrando sua criatividade.
Um dia, porém, eu cheguei na praça e ela estava absolutamente lotada, com um palanque, gente fazendo discurso, e uma multidão com bandeiras vermelhas. Enquanto os jornalistas protestavam contra a lei da mordaça, o esquerdistas e revolucionários de plantão resolveram aparecer para dar apoio e protestar contra todo tipo de injustiça na face da terra.
Mas o mais interessante foi ver o tipo de mercadoria que começou a ser vendido na praça por causa do protesto contra a "lei da mordaça". As camisetas "I (coração) Rome" foram rapidamente substituídas por camisas vermelhas com o rosto do Che Guevara e outros slogans a favor da revolução, contra a dominação capitalista, etc, etc. Até a Mafalda estava estampada em uma das camisetas. Enfim, com tantos latino-americanos pra inspirar o que quer que fosse preciso (revolução, protesto, greve) eu estava me sentindo em casa.
As semelhanças com o Brasil são muitas. Em abril desse ano, um projeto de lei de autoria do Maluf propunha a punições de procuradores que propusessem ações de má fé. O projeto ficou conhecido como "lei da mordaça". As motivações por trás do projeto, segundo o PPS, são similares às motivações dos políticos italianos: a lei foi proposta logo depois de escandâlos e acusações contra o partido do governo.
Eas semelhanças não páram aí. Em 2007, o governo Lula formulou um projeto de lei que, dentre outras coisas, criminilizava a divulgação do conteúdo de escutas telefônicas pela imprensa. O sensato Marcio Thomaz Bastos, então ministro da justiça, interviu para que o artigo fosse retirado do projeto. Mas por muito pouco não se apresenta um projeto ao Congresso que simplesmente vai na contramão da história.
Em ano eleitoral, como é de se esperar, foram perguntar para a Dilma o que ela acha do assunto. Por óbvio, ela se declarou a favor da liberdade de imprensa. E eu fico feliz de ver que a democracia brasileira chegou em um ponto em que qualquer outra declaração seria absolutamente inaceitável. Mas como tudo na vida, na política "the devil is in the details". Portanto, as pergunta não é se ela é a favor ou não da liberdade de imprensa. A pergunta é que tipo de liberdade de imprensa ela favorece. E aqui a resposta dela foi um pouco mais dúbia: disse que era a favor da liberdade de imprensa, mas também favorecia o controle público dos meios de comunicação. O que você quer dizer com isso? A candidata, ou o partido, não esclarecem.
Controle público pode significar muitas coisas. Por exemplo, pode significar regulação do setor, onde o governo estabelece regras e limites para que os jornalistas desempenhem suas funções. Isso é bom ou ruim? Depende de que tipo de regras serão impostas. Se estamos falando de lei da mordaça, provavelmente não é um controle público muito saudável. Outra coisa que controle público pode significar é propriedade estatal dos meios de comunicação. E a Dilma frequentemente se manifesta a favor do controle estatal de várias coisas (mas esse é um tópico para outro post). Mas eu sinceramente espero que ela não esteja sugerindo esse tipo de controle público nesse caso. A última coisa que precisamos é ficar ainda mais parecidos com a Itália, onde a família do Berlusconi controla os principais meios de comunicação e afeta, muito negativamente, o bom funcionamento da democracia naquele país.
Berlusconi mantém o controle de 3 dos 7 principais canais de televisão da Itália, além de ter uma publicação semanal de notícias no país, um jornal diário e a maior editora de livros da Itália. Outros 3 canais são da estatal RAI, controlada pelo parlamento onde o premier tem maioria. Desde a época de Mussolini, nunca a interferência política na mídia esteve tão alarmante na Itália como agora. Como consequência desse controle, o índice de liberdade de imprensa elaborado pela Freedom House indica que a Itália em 2009 caiu da categoria "livre" para "parcialmente livre". Ou seja, eles estão se aproximando do Brasil, que tem sido considerado "parcialmente livre" por alguns anos. Porém, nosso índice de liberdade de imprensa ainda é muito mais baixo que os deles (eles tem 10 pontos a mais que nós, segundo a Freedom House). Ou seja, nós não podemos nos dar ao luxo de sequer brincar com a possibilidade de reduzir ainda mais a liberdade da imprensa no Brasil.
Por isso, eu acho que alguém precisa começar a pressionar a Dilma e o PT para dizer o que realmente significa "controle público dos meios de comunicação". Como diz o ditado popular, é melhor prevenir do que remediar. Isso é especialmente verdadeiro nesse caso, porque remediar qualquer coisa com uma mordaça na boca vai ser bastante difícil...
sexta-feira, 9 de julho de 2010
Diários de uma diabética - Parte 2
Aprendi muitas coisas sobre diabetes desde que fui diagnosticada com a doença (se você não leu a parte 1, clique aqui). Uma das coisas mais fascinantes que eu descobri é que durante décadas todo nosso conhecimento sobre a dieta recomendada para diabéticos estava errada.
Uma pesquisa desenvolvida da Universidade de Toronto mostrou que grande parte das recomendações feita para diabéticos (evitar açucar e controlar a quantidade de carboidratos complexos, como massa e pão) estava baseada em uma premissa errada. A premissa era que carboidratos simples, como açúcar, demoravam menos para ser digeridos e entrava direto na corrente sanguínea aumentando rapidamente os níveis de açucar no sangue. Já os carboidratos complexos demoravam um pouco mais para ser digeridos e podiam, portanto, ser consumidos, com moderação.
Essa premissa parecia fazer sentido, mas nunca havia sido testada. E foi isso que essa pesquisa na Universidade de Toronto fez. Eles pediram para pessoas com e sem diabetes comerem certos alimentos, na mesma quantidade. Os resultados são surpreendentes. Por exemplo, um pedaço de pão de forma branco faz mais mal para um diabético do que uma colher pura de açucar. Batata cozida também. Arroz branco também. Ou seja, grande parte das recomendações dadas para diabéticos estavam todas erradas!
Essa pesquisa resultou no chamado Índice Glicêmico, que mede qual o real impacto de certos alimentos no nível de açúcar no sangue, e serve de guia para os diabéticos manterem as coisas sob controle.
Um outro resultado interessante dessa pesquisa foi descobrir que um mesmo alimento pode ter impactos completamente distintos dependendo do modo como é preparado ou em que momento ele é consumido. Por exemplo, banana verde tem bastante amido e pouco açucar. Mas conforme a banana amadurece o amido vai virando açucar e a banana vai ficando mais danosa ao diabético. O mesmo acontece com o macarrão. Se estiver al dente, a massa não tem um impacto tão grande no organismo. Se estiver bem cozido e molinho, todavia, vira açúcar no sangue em um instante.
A pesquisa também decobriu que existem algumas coisas que podem ajudar a diminuir o índice glicêmico de um determinado alimento. Por exemplo, combinar o carboidratos com proteína, gordura, ou algo ácido reduz o índice glicêmico do mesmo. Se a refeição for acompanhada de alguns tipos de álcool o índice glicêmico também pode ser reduzido.
E não tem melhor lugar do que a Itália para entender como reduzir o índice glicêmico de uma refeição potencialmente perigosa. Primeiro, toma-se vinho junto com a massa, o que reduz o índice glicêmico. Segundo, a massa é geralmente o primeiro prato, e é seguida de um prato de carne ou peixe (sem acompanhamento). Essa proteína vai aumentar o tempo de absorção do carboidrato, reduzindo o impacto do mesmo no sangue. Terceiro, o molho do macarrão é, em geral ácido ou oleoso, pois é feito de tomate ou de alho e oleo. Isso também ajuda bastante. E como são dois pratos as porções de macarrão são relativamente pequenas.
quarta-feira, 7 de julho de 2010
10 coisas que ninguém te conta sobre Roma
1. Há filas gigantescas em todos os lugares. Agora eu entendo porque dizem que todos os caminhos – especialmente os turísticos -- levam a Roma. Essa é a fila para entrar na Basílica de São Pedro, dando a volta na praça.

2. A basilica de São Pedro tem uma exposição completa de Papas embalsamados embaixo dos quadros (se você não gosta de ver cadáveres, não entre).

3. Se o detector de metais no aeroporto disparar, ao invés de perguntarem se você tem alguma moeda no bolso, eles fazem uma vistoria à moda antiga (uma mulher te puxa pro lado e te apalpa inteira, sem o menor pudor e sem sequer pedir licença). Eu, que morro de cócegas, quase tive um ataque…
4. Se você achava que era estiloso(a), ao ver os italianos você vai ter que cair na real e enfrentar a dura realidade de que você não é nem um pouco estiloso(a) se comparado aos italianos(as). E se você já não era estiloso(a) você vai ter certeza que nunca vai conseguir ser, por mais que tente.
5. Você não pode tirar fotos na capela sistina porque os japoneses financiaram a restauração em troca dos copyrights (nada é de graça nessa vida…)
6. Cada museu tem provavelmente mais gente pelada do que você vai ver durante toda a sua vida.

7. Nem todas as pizzas na Itália são boas, mas eles fingem que conseguem fazer pizza boa até com uma máquina de fazer pizzas (um colega meu comprou essa pizza e estava intragável…)

8. Eles beijam primeiro com o lado esquerdo do rosto (portanto, cuidado na hora de cumprimentar alguém pra não ter um momento romântico involuntário)
9. As esculturas romanas de mármore eram todas pintadas, mas quando elas foram descobertas debaixo da terra o pessoal decidiu lavá-las pra tirar a sujeira e ficaram todas brancas…

10. As regras de como e quando cruzar a rua em faixas de pedestre sem sinal de trânsito é um mistério. No Brasil, quando há uma faixa sem sinal de trânsito, os carros têm preferência (e vão buzinar no seu ouvido se você entrar na frente deles). No Canadá, os pedestres têm a preferência e não hesitam em reclamar dos motoristas que desrespeitam a faixa. Em Roma, ninguém tem preferência, ninguém pára – nem pedestres nem motoristas -- e todo mundo grita com todo mundo.
Mas, como disse N., nada que um bom jantar e um bom vinho não resolvam!
2. A basilica de São Pedro tem uma exposição completa de Papas embalsamados embaixo dos quadros (se você não gosta de ver cadáveres, não entre).
3. Se o detector de metais no aeroporto disparar, ao invés de perguntarem se você tem alguma moeda no bolso, eles fazem uma vistoria à moda antiga (uma mulher te puxa pro lado e te apalpa inteira, sem o menor pudor e sem sequer pedir licença). Eu, que morro de cócegas, quase tive um ataque…
4. Se você achava que era estiloso(a), ao ver os italianos você vai ter que cair na real e enfrentar a dura realidade de que você não é nem um pouco estiloso(a) se comparado aos italianos(as). E se você já não era estiloso(a) você vai ter certeza que nunca vai conseguir ser, por mais que tente.
5. Você não pode tirar fotos na capela sistina porque os japoneses financiaram a restauração em troca dos copyrights (nada é de graça nessa vida…)
6. Cada museu tem provavelmente mais gente pelada do que você vai ver durante toda a sua vida.
7. Nem todas as pizzas na Itália são boas, mas eles fingem que conseguem fazer pizza boa até com uma máquina de fazer pizzas (um colega meu comprou essa pizza e estava intragável…)
8. Eles beijam primeiro com o lado esquerdo do rosto (portanto, cuidado na hora de cumprimentar alguém pra não ter um momento romântico involuntário)
9. As esculturas romanas de mármore eram todas pintadas, mas quando elas foram descobertas debaixo da terra o pessoal decidiu lavá-las pra tirar a sujeira e ficaram todas brancas…
10. As regras de como e quando cruzar a rua em faixas de pedestre sem sinal de trânsito é um mistério. No Brasil, quando há uma faixa sem sinal de trânsito, os carros têm preferência (e vão buzinar no seu ouvido se você entrar na frente deles). No Canadá, os pedestres têm a preferência e não hesitam em reclamar dos motoristas que desrespeitam a faixa. Em Roma, ninguém tem preferência, ninguém pára – nem pedestres nem motoristas -- e todo mundo grita com todo mundo.
Mas, como disse N., nada que um bom jantar e um bom vinho não resolvam!
terça-feira, 6 de julho de 2010
Vagas reservadas, mas para quem?
Uma discussão que anda agitando a pacata vida torontiana é o uso inapropriado de vagas de estacionamento reservadas para pessoas com necessidades especiais, que costumavam ser chamados antes de deficientes.
Mas não se enganem. O problema aqui não é o uso dessas vagas por pessoas "normais". O problema é que, segundo as pessoas com reais dificuldades de locomoção, que são obrigadas a usar cadeiras de rodas ou bengalas, a autorização para usar essas vagas têm sido muito generosa. Eles argumentam que o estado tem dado a autorização para pessoas que apenas são idosas, ou tem algum tipo de problema menor, Ou seja, são pessoas que não teriam qualquer dificuldade em usar uma outra vaga qualquer. Isso priva as pessoas que de fato precisam das vagas da possibilidade de usá-las.
O assunto dá pano pra manga. E, por coincidência, hoje na Folha de São Paulo encontrei uma coluna discutindo o uso de banheiros reservados para pessoas com necessidades especiais. O autor, que usa cadeira de rodas, estava indiginado ao encontrar pessoas sem necessidades especiais usando o banheiro reservado a ele. E ele apresenta bons argumentos para sustentar a idéia de que esses banheiros devem ser de uso restrito. Um argumento é que pessoas com dano na medula estão mais propensas a adquirir infecções e ficariam portanto menos expostas em um banheiro menos utilizado. Ele também argumenta que cegos se beneficiam desses banheiros menos frequentados porque precisam apalpar tudo e podem também ser contaminar com facilidade em um banheiro mais público.
Eu ainda não tenho opinião sobre essa discussão, mas lembrei de um episódio de um dos meus seriados favoritos -- Curb Your Enthusiasm -- em que o autor e ator principal, Larry David, brinca tanto com a questão dos banheiros de uso exclusivo, quanto com as vagas reservadas para pessoas com "necessidades especiais". Dado o calor da discussão sobre o tema aqui, e aproveitando a "deixa" do colunista da Folha, achei que ia ser uma boa oportunidade pra compartilhar isso com vocês. Espero que gostem.
Mas não se enganem. O problema aqui não é o uso dessas vagas por pessoas "normais". O problema é que, segundo as pessoas com reais dificuldades de locomoção, que são obrigadas a usar cadeiras de rodas ou bengalas, a autorização para usar essas vagas têm sido muito generosa. Eles argumentam que o estado tem dado a autorização para pessoas que apenas são idosas, ou tem algum tipo de problema menor, Ou seja, são pessoas que não teriam qualquer dificuldade em usar uma outra vaga qualquer. Isso priva as pessoas que de fato precisam das vagas da possibilidade de usá-las.
O assunto dá pano pra manga. E, por coincidência, hoje na Folha de São Paulo encontrei uma coluna discutindo o uso de banheiros reservados para pessoas com necessidades especiais. O autor, que usa cadeira de rodas, estava indiginado ao encontrar pessoas sem necessidades especiais usando o banheiro reservado a ele. E ele apresenta bons argumentos para sustentar a idéia de que esses banheiros devem ser de uso restrito. Um argumento é que pessoas com dano na medula estão mais propensas a adquirir infecções e ficariam portanto menos expostas em um banheiro menos utilizado. Ele também argumenta que cegos se beneficiam desses banheiros menos frequentados porque precisam apalpar tudo e podem também ser contaminar com facilidade em um banheiro mais público.
Eu ainda não tenho opinião sobre essa discussão, mas lembrei de um episódio de um dos meus seriados favoritos -- Curb Your Enthusiasm -- em que o autor e ator principal, Larry David, brinca tanto com a questão dos banheiros de uso exclusivo, quanto com as vagas reservadas para pessoas com "necessidades especiais". Dado o calor da discussão sobre o tema aqui, e aproveitando a "deixa" do colunista da Folha, achei que ia ser uma boa oportunidade pra compartilhar isso com vocês. Espero que gostem.
Esse Michelangelo era um figura
Ninguém consegue passar por Roma sem visitar o Vaticano, onde Michelangelo deixou sua marca registrada. Ao entrar na Basílica de São Pedro, por exemplo, você dá de cara com a Pietá. Depois, ao entrar na Capela Sistina, você vê Michelangelo por todo lado: no teto, no altar, nas paredes laterais. Isso sem falar no trabalho arquitetônico dele, que se espalha por várias partes do Vaticano. Mas isso tudo eu já sabia, e provavelmente meus leitores também. O que eu não sabia era que o Michelangelo era um cara cheio de personalidade e, curiosamente, com um excelente senso de humor.
Outra provocação (ou brincadeira, se preferirem) são as expressões nos rostos das pessoas representadas na cena do juízo final. Notem que as pessoas que estão indo para o paraíso não parecem estar tão felizes como deveriam. E as pessoas no inferno também não estão tão tristes. O quadro parece sugerir que as pessoas devem pensar duas vezes antes de se comprometerem com essa idéia de evitar ir para o inferno a qualquer custo. E com certeza ele próprio estava arriscando sua sorte – caso ele acreditasse em algo da religião católica – ao pintar essas coisas dentro da capela privada do Papa.
Dizem que Michelangelo pôde tomar todas essas liberalidades porque ele era muito famoso e o Papa teve que fazer concessões para convencê-lo a ir para Roma trabalhar no Vaticano. Michelangelo morava em Veneza na época, que era um centro artistico. E basicamente não tinha nada interessante acontecendo em Roma. Portanto, quando o Papa fez o convite, Michelangelo recusou, alegando que ele era um arquiteto e escultor, não um pintor. A condição que ele impôs para ir para Roma foi que ele ia pintar a história da criação do mundo na capela Sistina e não retratos dos Papas, como o Papa queria. O sujeito tinha que ter muito poder, ou muita coragem, ou ambos pra bater de frente com o Papa desta forma.
No teto da capela Sistina, por exemplo, ele decidiu representar a história do fruto proibido de maneira distinta de como nós a conhecemos. Normalmente, colocam a culpa da expulsão do paraíso na Eva. Todavia, Michelângelo criou uma cena em que Adão está ativamente pegando a maçã da árvore, sugerindo que cada pessoa é responsável pelos seus atos. As feministas de plantão agradecem!
Já no painel do dia do julgamento final (veja a foto lá embaixo), ele decidiu colocar seus amigos no céu e os inimigos no inferno. Portanto, a cena tem um significado bíblico, mas os rostos representados são de personagens que não apenas viviam naquela época, mas que era afetos ou desafetos do artista. Eu fico imaginando porque alguém ia comprar briga com um artista deste porte, se o risco era ser imortalizado de uma maneira pouco elogiosa.
Outra coisa que salta aos olhos são as cenas em que Michelangelo parece estar provocando a igreja católica. Por exemplo, ao contar a história da criação do mundo, ele não mostra Deus criando o homem. Na famosa imagem, Deus torna o homem divino ao tocar nele, mas – como Darwin esclareceu alguns séculos depois -- o homem já existia, estava vivo e passava muito bem, obrigado.


E é interessante ver que, mesmo como escultor, ele também tomou suas liberdades. Por exemplo, a Pietá retrata uma Maria muito maior que Jesus.
Se vocês olharem para a Pietá e imaginarem as duas figuras de pé, vão ver que Maria é tão grande quanto um jogador de basquete ou de futebol americano. Reza a lenda que Michelangelo fez isso de propósito: ele queria mostrar que para Maria, a mãe, Jesus sempre seria uma criança. De novo, lá vai o Michelangelo mexendo (não sei se ironicamente, respeitosamente, ou criativamente) com as crenças e valores católicos.
Todo mundo sabe que o sujeito era um grande pintor, escultor e arquiteto. O que pouca gente sabe é que ele parecia ser um cara super interessante também. Li em um guia de turismo um depoimento de uma mulher que disse que ficou absolutamente sem palavras quando viu o David de Michelangelo (que eu não tive a chance de ver).
Disse ela que se pudesse ter um único pedido na Itália, pediria para que David fosse um homem real, vivo e solteiro. Eu, por outro lado, pediria que Michelangelo estivesse vivo – ou desse uma escapulida do inferno -- e topasse tomar uma garrafa de vinho comigo em uma piazza qualquer em Roma.
sexta-feira, 2 de julho de 2010
Nunca mais reclamo do Brasil!
Estou na Itália. E agora eu sei porque a América Latina ganhou esse nome: porque nós temos uma cultura latina! E nada como ir até a fonte dessa cultura, pra descobrir que tudo que a gente tem de latino no Brasil não chega nem perto da latinidade italiana.
Já no aeroporto, dá pra perceber alguns traços da cultura latina. Depois da imigração, tive que esperar pela minha mala. E organização e eficiência definitivamente não é o forte dos italianos. Colocaram dez (literalmente!) vôos na mesma esteira de bagagem. Não tinha, portanto, espaço pra sequer ver que malas estavam passando. Mas mesmo que desse pra ver as malas no meio da muvuca, não ia fazer qualquer diferença: eles demoraram uma hora e meia (!) pra colocar as malas do meu vôo na esteira. Nem em Cuba, onde não há caminhões e os carregadores têm que puxar os carrinhos até o saguão as malas demoraram tanto…
Mas a demora das malas ficou no chinelo quando eu tive a oportunidade de pegar um vôo interno de Roma para Palermo com a falida Allitalia. O portão mudou três vezes. Acho que na hora do check-in eles não fazem idéia de qual portão a aeronave vai parar e chutam um número qualquer, e depois ficam tentando advinhar onde o avião vai parar.
Depois, mudaram a aeronave. Como era uma aeronave com uma distribuição diferente de assentos, todas as pessoas que estava no vôo tiveram que ser realocadas para outros assentos. Isso aconteceu comigo no Brasil uma vez, e o pessoal da empresa aérea teve presença de espírito para anunciar que o vôo teria assentos livres. Mas na Itália não. Eles decidiram emitir novamente todos os cartões de embarque. E resolverem pedir para todas as pessoas comparecerem no balcão – ao mesmo tempo -- pra trocar os cartões. Foi aqui que eu descobri que italianos não fazem fila. Esse conceito não existe aqui. Ser atendido basicamente depende da sua perseverança e capacidade de acotovelar outras pessoas (e isso vale para cafés e museus também, não só o aeroporto). Resultado? Uma confusão generalizada no portão de embarque com italianos gritando muito uns com os outros e também com os funcionários da empresa, que não se acanhavam em gritar de volta em resposta.
Uma hora e meia depois do horário previsto para o vôo partir, iniciou-se o embarque. Caminhei para o portão achando que eu já tinha passado pela minha cota de desorganização italiana. Minha doce ilusão que não durou muito para se esvair. Assim que entramos no avião, os comissários de bordo não apenas descobriram que o pessoal de terra tinha emitido bilhetes duplicados (ou seja, duas pessoas estavam no mesmo assento), como tinham também colocado crianças pequenas longe de seus pais, e pessoas com dificuldade de locomoção (incluindo um senhor com cadeira de rodas) no fim do avião. Começou o troca-troca. E os comissários não falavam uns com os outros. Portanto, um mandava o passageiro para o fundo do avião, e o outro mandava o mesmo passageiro para frente. Os italianos, por sua vez, não ficaram quietos: começaram a brigar com os comissários seja porque estavam bravos de ficar indo pra lá e pra cá; seja porque não tinham sentado onde gostariam. E os comissários, como bons italianos, não se acanhavam em gritar em resposta aos impropérios que ouviam.
Ficar quarenta minutos dentro de um avião com quarenta pessoas aos berros antes de decolagem não foi fácil. Quando minha mala chegou, uma hora depois do avião pousar em Palermo, minha dor de cabeça ainda não tinha passado. Tudo que eu mais queria, portanto, era chegar no hotel, me trancar no meu quarto e ficar 24 horas sem interagir com outros seres humanos (e com italianos em especial). Mas eu ainda tinha que chegar no hotel. E pegar um taxi foi mais uma lição de cultura latina.
Peguei o táxi com dois colegas da universidade que estavam indo para a mesma conferência e, portanto, para o mesmo hotel. Perguntamos para o taxista quanto custava a viagem. O taxista falou que ele não podia prever, pois a viagem era calculada pelo taximetro. Mentira. O governo fixou as tarifas do aeroporto até a cidade, mas eu e meus colegas só descobrimos isso depois. E o taxista se aproveitou da nossa ignorância para tirar vantagem. Ou seja, aqui eu já estava deixando de experimentar a ineficiência e desorganização italiana, pra voltar a experimentar a falta de qualquer respeito pelas regras. E essa coisa de não levar a sério as leis e normas é visível no trânsito aqui, que é um salve-se quem puder.
Mais do que isso, com o taxista eu estava começando a aprender que, muito mais do que os brasileiros, os italianos estão o tempo todo tentando ser mais espertos e tiram vantagem de você. Por exemplo, um outro colega que estava indo para a conferência sabia que havia um preço fixo e insistiu no preço fixo. O taxista concordou a princípio, mas no meio do caminho falou que o carro dele tinha pifado e obrigou esse outro colega a pegar um novo táxi, pagando pelo taximetro. Ou seja, apesar de saber da tarifa, ele foi enganbelado também.
E os taxistas não são o único exemplo disso. Quando peguei um ônibus para visitar a catedral de Montreale, o ônibus estava relativamente vazio. Em um certo ponto, entra um grupo relativamente grande de pessoas, e todas se aglomeram diante da máquina pra validar o ticket. A pequena aglomeração dura algumas paradas, quando de repente quatro das pessoas que tinham subido descem em uma parada próxima de onde haviam embarcado. Não demorou muito para o casal que estava no meio da aglomeração descobrir que eles tinham sido assaltados. E não demorou muito para a mulher começar a fazer um escândalo, pedindo para o motorista parar e chamar a polícia. O motorista começou a gritar de volta algo que eu não entendi. De repente, estavam todos no ônibus participando da discussão. E assim eu tive a oportunidade de presenciar mais quarenta minutos de pessoas berrando dentro de um meio de transporte público. A essa altura, eu já estava quase decidindo que era melhor ser roubada por taxistas desonestos do que usar meios coletivos de transporte…
E a outra faceta de cultura latina é que a falta de respeito pelas regras é acompanhada de uma absoluta ineficiência da polícia e das autoridades locais. A senhora foi aos berros até o ponto final, onde desceu pra falar com alguns guardas na esquina. Os guardas deram de ombros. O que eles podia fazer? Ela argumentou que eles podiam voltar com ela pra tentar achar o grupo. Eles argumentaram que não iam achar ninguém. A senhora parecia determinada a procurá-los, mas os guardas não queriam saber de ajudar. Ela saiu pelas ruas aos berros, gritando que a Sicília era a vergonha nacional.
Apesar da mulher “argumentar” que o problema era a Sicília (que tem fama de ser menos desenvolvida que o resto da Itália) vi a mesma coisa acontecer em Roma. Aqui há policiais em todas as esquinas, mas eu sempre vejo eles conversando entre si e prestando muito pouca atenção ao que está ocorrendo ao redor. Não é a toa que meu guia aconselha tomar cuidado com furtos, que provavelmente acontecem debaixo do nariz desses guardas que estão muito entretidos com suas conversas pra prevenir qualquer incidente.
E a falta de qualquer preocupação das autoridades com as regras é visível no controle de imigração. Pra mim, nunca foi tão fácil entrar em um país. Não me pediram visto. Nada de peregrinação até o consulado com entrevistas que te tratam como a filha do Bin Laden. Nada de vistos elaborados, que parecem um trabalho de arte no seu passaporte, mas custam uma fortuna. Achei que, assim como a Inglaterra, os italianos iam transferir o interrogatório para o setor de imigração do aeroporto. Mas não aconteceu. O sujeito nem olhou o passaporte pra ver se era eu na foto. Ele pegou meu passaporte, abriu uma página em branco, carimbou e devolvou pra mim sem dizer uma palavra. O Bin Laden podia ter entrado na Itália com meu passaporte, sem problemas.
E a história se repetiu mais uma vez assim que sai do aeroporto. Quando peguei um trem do aeroporto para o centro da cidade, o condutor descobriu que dois rapazes sentados do meu lado tinham comprado os tickets para outro trem, mais barato. Ele tentou cobrar a passagem, mas os passageiros falaram que não tinham dinheiro. Ele então pediu documentos para ambos. Me lembrei que nos Estados Unidos eles pedem um documento pra mandar a cobrança para sua casa, com uma pequena multa pela inconveniência. Eles fazem isso nos pedágios, nas auto-estradas, por exemplo. Mas nesse caso não adiantou. Os sujeitos não tinham documentos. O condutor falou que ia chamar a polícia e sumiu. Os dois fizeram uma viagem tensa, e desceram bastante rápido do vagão quando chegamos no centro de Roma. Eu demorei pra retirar minha bagagem e, ao descer do vagão, vi o condutor reclamando que os guardas demoraram muito pra chegar. Assim como a senhora do ônibus, ele insistia para que procurassem, pois os dois ainda deviam estar na estação. Os guardas, de novo, deram de ombros. O condutor se exasperou e ouviu um – se acalme e mostre um pouco de respeito – também aos berros dos guardas. A essa altura, eu desisti de pegar o metrô e resolvi ser enganada por um táxi. Não queria correr o risco de presenciar duas discussões em transportes públicos no mesmo dia.
No dia seguinte, decidi adotar essa cota: só vou presenciar uma única discussão em transportes públicos por dia. Mas não demorou muito pra eu abandonar essa idéia. Minha primeira tentativa de pegar um ônibus urbano na manhã seguinte foi coroada com uma discussão entre os passageiros que esperavam para embarcar e os motoristas. Ninguém conseguia informar os passageiros qual era o próximo veículo que ia sair, dentre os que tinham acabado de chegar no ponto final.
Cheguei, portanto, à seguinte conclusão: pra calcular o preço do transporte até um certo lugar, preciso sempre incluir o custo adicional. No caso de transporte público, preciso adicionar o custo da dor de cabeça. No caso do táxi, preciso adicionar o custo de ser roubada. E pra economizar um pouco na próxima visita, vou trazer tapa ouvidos, aspirinas e uns euros adicionais. Nesse meio tempo, nunca mais reclamo do Brasil…
Já no aeroporto, dá pra perceber alguns traços da cultura latina. Depois da imigração, tive que esperar pela minha mala. E organização e eficiência definitivamente não é o forte dos italianos. Colocaram dez (literalmente!) vôos na mesma esteira de bagagem. Não tinha, portanto, espaço pra sequer ver que malas estavam passando. Mas mesmo que desse pra ver as malas no meio da muvuca, não ia fazer qualquer diferença: eles demoraram uma hora e meia (!) pra colocar as malas do meu vôo na esteira. Nem em Cuba, onde não há caminhões e os carregadores têm que puxar os carrinhos até o saguão as malas demoraram tanto…
Mas a demora das malas ficou no chinelo quando eu tive a oportunidade de pegar um vôo interno de Roma para Palermo com a falida Allitalia. O portão mudou três vezes. Acho que na hora do check-in eles não fazem idéia de qual portão a aeronave vai parar e chutam um número qualquer, e depois ficam tentando advinhar onde o avião vai parar.
Depois, mudaram a aeronave. Como era uma aeronave com uma distribuição diferente de assentos, todas as pessoas que estava no vôo tiveram que ser realocadas para outros assentos. Isso aconteceu comigo no Brasil uma vez, e o pessoal da empresa aérea teve presença de espírito para anunciar que o vôo teria assentos livres. Mas na Itália não. Eles decidiram emitir novamente todos os cartões de embarque. E resolverem pedir para todas as pessoas comparecerem no balcão – ao mesmo tempo -- pra trocar os cartões. Foi aqui que eu descobri que italianos não fazem fila. Esse conceito não existe aqui. Ser atendido basicamente depende da sua perseverança e capacidade de acotovelar outras pessoas (e isso vale para cafés e museus também, não só o aeroporto). Resultado? Uma confusão generalizada no portão de embarque com italianos gritando muito uns com os outros e também com os funcionários da empresa, que não se acanhavam em gritar de volta em resposta.
Uma hora e meia depois do horário previsto para o vôo partir, iniciou-se o embarque. Caminhei para o portão achando que eu já tinha passado pela minha cota de desorganização italiana. Minha doce ilusão que não durou muito para se esvair. Assim que entramos no avião, os comissários de bordo não apenas descobriram que o pessoal de terra tinha emitido bilhetes duplicados (ou seja, duas pessoas estavam no mesmo assento), como tinham também colocado crianças pequenas longe de seus pais, e pessoas com dificuldade de locomoção (incluindo um senhor com cadeira de rodas) no fim do avião. Começou o troca-troca. E os comissários não falavam uns com os outros. Portanto, um mandava o passageiro para o fundo do avião, e o outro mandava o mesmo passageiro para frente. Os italianos, por sua vez, não ficaram quietos: começaram a brigar com os comissários seja porque estavam bravos de ficar indo pra lá e pra cá; seja porque não tinham sentado onde gostariam. E os comissários, como bons italianos, não se acanhavam em gritar em resposta aos impropérios que ouviam.
Ficar quarenta minutos dentro de um avião com quarenta pessoas aos berros antes de decolagem não foi fácil. Quando minha mala chegou, uma hora depois do avião pousar em Palermo, minha dor de cabeça ainda não tinha passado. Tudo que eu mais queria, portanto, era chegar no hotel, me trancar no meu quarto e ficar 24 horas sem interagir com outros seres humanos (e com italianos em especial). Mas eu ainda tinha que chegar no hotel. E pegar um taxi foi mais uma lição de cultura latina.
Peguei o táxi com dois colegas da universidade que estavam indo para a mesma conferência e, portanto, para o mesmo hotel. Perguntamos para o taxista quanto custava a viagem. O taxista falou que ele não podia prever, pois a viagem era calculada pelo taximetro. Mentira. O governo fixou as tarifas do aeroporto até a cidade, mas eu e meus colegas só descobrimos isso depois. E o taxista se aproveitou da nossa ignorância para tirar vantagem. Ou seja, aqui eu já estava deixando de experimentar a ineficiência e desorganização italiana, pra voltar a experimentar a falta de qualquer respeito pelas regras. E essa coisa de não levar a sério as leis e normas é visível no trânsito aqui, que é um salve-se quem puder.
Mais do que isso, com o taxista eu estava começando a aprender que, muito mais do que os brasileiros, os italianos estão o tempo todo tentando ser mais espertos e tiram vantagem de você. Por exemplo, um outro colega que estava indo para a conferência sabia que havia um preço fixo e insistiu no preço fixo. O taxista concordou a princípio, mas no meio do caminho falou que o carro dele tinha pifado e obrigou esse outro colega a pegar um novo táxi, pagando pelo taximetro. Ou seja, apesar de saber da tarifa, ele foi enganbelado também.
E os taxistas não são o único exemplo disso. Quando peguei um ônibus para visitar a catedral de Montreale, o ônibus estava relativamente vazio. Em um certo ponto, entra um grupo relativamente grande de pessoas, e todas se aglomeram diante da máquina pra validar o ticket. A pequena aglomeração dura algumas paradas, quando de repente quatro das pessoas que tinham subido descem em uma parada próxima de onde haviam embarcado. Não demorou muito para o casal que estava no meio da aglomeração descobrir que eles tinham sido assaltados. E não demorou muito para a mulher começar a fazer um escândalo, pedindo para o motorista parar e chamar a polícia. O motorista começou a gritar de volta algo que eu não entendi. De repente, estavam todos no ônibus participando da discussão. E assim eu tive a oportunidade de presenciar mais quarenta minutos de pessoas berrando dentro de um meio de transporte público. A essa altura, eu já estava quase decidindo que era melhor ser roubada por taxistas desonestos do que usar meios coletivos de transporte…
E a outra faceta de cultura latina é que a falta de respeito pelas regras é acompanhada de uma absoluta ineficiência da polícia e das autoridades locais. A senhora foi aos berros até o ponto final, onde desceu pra falar com alguns guardas na esquina. Os guardas deram de ombros. O que eles podia fazer? Ela argumentou que eles podiam voltar com ela pra tentar achar o grupo. Eles argumentaram que não iam achar ninguém. A senhora parecia determinada a procurá-los, mas os guardas não queriam saber de ajudar. Ela saiu pelas ruas aos berros, gritando que a Sicília era a vergonha nacional.
Apesar da mulher “argumentar” que o problema era a Sicília (que tem fama de ser menos desenvolvida que o resto da Itália) vi a mesma coisa acontecer em Roma. Aqui há policiais em todas as esquinas, mas eu sempre vejo eles conversando entre si e prestando muito pouca atenção ao que está ocorrendo ao redor. Não é a toa que meu guia aconselha tomar cuidado com furtos, que provavelmente acontecem debaixo do nariz desses guardas que estão muito entretidos com suas conversas pra prevenir qualquer incidente.
E a falta de qualquer preocupação das autoridades com as regras é visível no controle de imigração. Pra mim, nunca foi tão fácil entrar em um país. Não me pediram visto. Nada de peregrinação até o consulado com entrevistas que te tratam como a filha do Bin Laden. Nada de vistos elaborados, que parecem um trabalho de arte no seu passaporte, mas custam uma fortuna. Achei que, assim como a Inglaterra, os italianos iam transferir o interrogatório para o setor de imigração do aeroporto. Mas não aconteceu. O sujeito nem olhou o passaporte pra ver se era eu na foto. Ele pegou meu passaporte, abriu uma página em branco, carimbou e devolvou pra mim sem dizer uma palavra. O Bin Laden podia ter entrado na Itália com meu passaporte, sem problemas.
E a história se repetiu mais uma vez assim que sai do aeroporto. Quando peguei um trem do aeroporto para o centro da cidade, o condutor descobriu que dois rapazes sentados do meu lado tinham comprado os tickets para outro trem, mais barato. Ele tentou cobrar a passagem, mas os passageiros falaram que não tinham dinheiro. Ele então pediu documentos para ambos. Me lembrei que nos Estados Unidos eles pedem um documento pra mandar a cobrança para sua casa, com uma pequena multa pela inconveniência. Eles fazem isso nos pedágios, nas auto-estradas, por exemplo. Mas nesse caso não adiantou. Os sujeitos não tinham documentos. O condutor falou que ia chamar a polícia e sumiu. Os dois fizeram uma viagem tensa, e desceram bastante rápido do vagão quando chegamos no centro de Roma. Eu demorei pra retirar minha bagagem e, ao descer do vagão, vi o condutor reclamando que os guardas demoraram muito pra chegar. Assim como a senhora do ônibus, ele insistia para que procurassem, pois os dois ainda deviam estar na estação. Os guardas, de novo, deram de ombros. O condutor se exasperou e ouviu um – se acalme e mostre um pouco de respeito – também aos berros dos guardas. A essa altura, eu desisti de pegar o metrô e resolvi ser enganada por um táxi. Não queria correr o risco de presenciar duas discussões em transportes públicos no mesmo dia.
No dia seguinte, decidi adotar essa cota: só vou presenciar uma única discussão em transportes públicos por dia. Mas não demorou muito pra eu abandonar essa idéia. Minha primeira tentativa de pegar um ônibus urbano na manhã seguinte foi coroada com uma discussão entre os passageiros que esperavam para embarcar e os motoristas. Ninguém conseguia informar os passageiros qual era o próximo veículo que ia sair, dentre os que tinham acabado de chegar no ponto final.
Cheguei, portanto, à seguinte conclusão: pra calcular o preço do transporte até um certo lugar, preciso sempre incluir o custo adicional. No caso de transporte público, preciso adicionar o custo da dor de cabeça. No caso do táxi, preciso adicionar o custo de ser roubada. E pra economizar um pouco na próxima visita, vou trazer tapa ouvidos, aspirinas e uns euros adicionais. Nesse meio tempo, nunca mais reclamo do Brasil…
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